"Dentro do som do silêncio
em sonhos atormentados, eu caminhei sosinho."
- The soud of silence, Simon y Gargafunkel. -°°°°°°
Alina avaliou o lugar novamente, dessa vez não em busca de suas lembranças, mas de sua irmã, que encontrou ajoelhada aos pés da estátua prateada apesar de mais ninguém estar de joelhos. Ela sentiu uma pontada de culpa ao ver a irmã daquele jeito, tão esperançosa, tão entregue. Entregue de um modo que ali na conhecia muito bem, e ela já sabia como aquilo terminaria.
- HM... - o garoto ao lado dela pigarreou, o olhar não mais apreensivo, agora só parecia intrigado e curioso enquanto a observava. Alína se sentiu envergonhada sob toda aquela atenção, ainda mais depois de ter esquecido que o garoto sequer estava ali.
- Desculpe, acho que acabei sendo muito precipitado com você. - ele sorriu e a covinha apareceu em sua bochecha, fazendo as entranhas de Alina revirarem pelo que deveria ser a décima vez nos últimos 5 minutos.
- Meu nome é Christopher, mas pode me chamar só de Chris. - ele esticou a mão para ela. - E você é?... -
- Alina. - ela apertou a mão de Chris, que era fria e firme, mais macia do que ela esperava.
- Alina... - ele repetiu, se demorando em cada sílaba como se quisesse saborear o nome dela, e por algum motivo seu nome dito na voz grave e atrevida daquele garoto fez um calor desconhecido derreter sua coluna.
- Alína! - dedos puxaram seu pulso e ela olhou para baixo, se deparando com Olivi e seu olhar deslumbrado que lhe causava náuseas.
- Essa era além da favorita do papai, não era? - Olívi a arrastou até as pinturas nas paredes e Alina teve vontade de não responder, de contar alguma piada que faria a irmã rir e esquecer daquela história. Mas ao mesmo tempo que ela não queria alimentar as esperanças da irmã para algo que ela sabia não passar de contos, também não queria negar a irmã resquícios do pai que Olivi nunca teria.
Mas antes que Alina pudesse resolver o que faria, Olivi de repente a agarrou pela cintura, afundando a cabeça em seu peito e a apertando em um abraço que dizia mil coisas que mil palavras não poderiam dizer.
- Obrigada. - Olívi sussurrou baixinho em seu colo, e aquilo já era o bastante para ela.
- Eu sei que tem sido difícil para você cuidar de mim... Da mamãe, e eu só... só queria que você soubesse que eu agradeço todas as noites ao espírito da floresta por você ser minha irmã, porque eu sei o quanto você se esforça e o quanto você está sempre cansada, e mesmo assim, arruma tempo pra mim... Pra gente. - Olivi ergue a cabeça e trava os olhos no di Alina, tão determinado e cheio de coisas das quais uma criança da idade dela não deveria saber ainda, coisas das quais uma criança não deveria se preocupar, e aquilo fez um nó surgir em sua garganta e seus olhos arderam.
- Só queria que você soubesse, que mesmo com tudo isso, eu sou muito feliz com nossa vida, Alina.
O nó em sua garganta aumentou e pressionou as águas que teimavam em transbordar de seus olhos.- Olivi... - Alina pretendia dizer mais que isso, com tudo uma corrente de ar soprou no salão, fazendo todos estremecerem e apagando as chamas das velas, mergulhando a capela no breu a não ser pelas diversas luas que cintilavam e criavam sombras ao redor deles.
Alina segurou Olivi para mais perto enquanto as pessoas
começavam a se aglomerar, chamando uns pelos outros no eco da capela escura. Alina ouviu o choro de alguma criança e vozes irritadas exigindo que saíssem dali, a agitação repentina se espalhando e logo a leve inquietação se transformou e um coro impaciente.- Vamos manter a calma. Tenho certeza de que eu trouxe alguma coisa comigo que pode acender as velas e assim podemos continuar. - a voz do guia se adiantou, mas as reclamações continuaram até serem interrompidas por um barulho muito mais alto, intrigante e intimidador que fez todos se calarem aos poucos.
Mas já era tarde demais quando as vozes se desvaneceram, pois nesse momento as paredes e o chão tremeram com um solavanco, derrubando Alina que gritou e agarrou a irmã com mais força ao cair por cima do braço, que explodiu de dor sob o peso delas, contudo, elas não eram as únicas a gritar.
Os grito soavam estridente es desesperados a medida que a terra zumbia embaixo deles, jogando os de um lado a outro e por cima uns dos outros, mas os gritos eram abafados pelo som que a destruição fazia, tremendo e sacudindo até que pedras começaram a se desprender do teto e a chover sobre eles. Alina pôde jurar que sentiu um pedaço da estátua bater com força em seu quadril, mas estava concentrada demais segurando com tudo o que podia Olivi, apesar dos tremores que as açoitavam tornarem a tarefa mais difícil a cada segundo.
A Terra pareceu colapsar durante horas sem qualquer tipo de pausa ou iluminação que pudesse deixar claro o que estava acontecendo de fato, até que, tão de repente quanto quando começou, os tremores pararam, engolindo o mundo em um silêncio perturbador, como se todos estivessem prendendo a respiração no aguardo de algo mais.
E Alina fazia o mesmo, prendendo o fôlego e esperando que mais alguma coisa acontecesse ou que os tremores recomeçassem apesar de ainda sentir seus ossos tremerem depois que já haviam cessado.
Quando ficou claro que mais nada aconteceria ela se atreveu a dar um suspiro de alívio, doloroso e audível em meio ao silêncio e ela tentou se sentar, ainda com Olivi em seus braços que tremia sem dizer ou fazer ruído nenhum, como se temesse que uma palavra sequer fizesse tudo desmoronar de novo.
Alina hesitou em meio a tentativa de se erguer, os músculos tomados por uma fadiga tão pesada que ela imediatamente fechou os olhos, escorregou de volta para o chão e afrouxou os braços em volta da irmã, que parecia ter sentido o mesmo cansaço esmagador, o tipo de cansaço que não se pode ignorar. Era como se Alina não dormisse a décadas e o sono estivesse cobrando o preço naquele instante.
Alina permitiu que aquele torpor novo a prendesse no chão, o silêncio e a escuridão antes perturbadores agora eram bem-vindos e ela logo adormeceu sob esses pensamentos, se afundando na sensação da mente vazia e dos membros, pesados e leves, se desfazendo sobre o piso de pedra que absorvia cada gota de sua energia e a fazia esquecer dos motivos que poderia ter para querer se levantar, para resistir ao descanso tão desejado.
E foi assim que Alina mergulhou nas sombras, se entregando a mente enevoada e ao silêncio... Silêncio... Silêncio...
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A cidade das Lendas. (Darkfalls Número 1)
FantasyHá três séculos atrás, a mãe natureza teve sua vingança. Há trezentos anos, fogo subiu pela Terra e consumiu o que queria, destruiu continentes inteiros, mas, por algum motivo, deixou sobreviventes. Deixou também lendas, histórias marcadas a fogo es...