CAPÍTULO QUINZE

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"Algumas pessoas herdam
olhos de estrelas cintilantes
eles mandam você para a guerra, senhor
e quando você pergunta a eles
quanto devemos dar?
eles apenas respondem
mais, mais, mais."
- Fortunate son, Creedance Clearwater Revival. -

°°°°°°

A mente de Alina já tinha se acalmado quando o banco parou de balançar embaixo dela e o motor morreu, mergulhando Alina em um silêncio específico demais para estarem em qualquer outra parte da cidade que não a nobreza de Darkfalls.

Ela tentou se levantar, caindo de volta no banco, tossindo e com a cabeça zonza de um jeito deliciosamente confuso. Não conseguia pensar em nada por completo e nem falar frases inteiras, porém aquela liberdade de se esquecer de todos os horrores das últimas horas a fez aproveitar cada gota daquela estranha paz, que a fazia querer se encolher e fechar os olhos sem medo algum.

Uma porta bateu a poucos passos e ela se sobressaltou, erguendo os olhos quando a porta ao lado de sua cabeça se abriu e revelou um rosto familiar, velho e Severo que Alina conhecia muito bem.

- Thoooomas! - ela balbuciou alegremente, o homem alto e corpulento a tirando de dentro do veículo e apoiando o seu braço nos ombros largos dele, enquanto Alina cambaleava como uma bêbada na direção da casa bem cuidada.

Ele resmungou algo incompreensível para ela e entrou pela porta que já estava aberta, seu rosto se franzindo levemente ao empurrá-la para um corredor.

- Trate de se limpar. - sua voz era rígida e mandona, a voz de um soldado, então Alina tropeçou pelo corredor e ligou a luz do banheiro, rindo sozinha e se encostando na porta fechada enquanto escutava vozes do outro lado.

- Como você entrou aqui? -

Copos tilintaram ao longe.

- Você sempre esquece a porta aberta. - outra voz familiar, mas a cabeça é nevoada de Alina não conseguiu se concentrar o suficiente para identificá-la.

- Você foi a casa Fox? -

Uma risada irônica seguida de um gole.

- Como se fosse adiantar alguma coisa. - aquelas palavras atingiram-na com força, e Alina sentiu que deveria ter alguma reação a isso, mas ela ainda ria, encarando os ladrilhos que mudavam de cor toda vez que ela piscava.

- Seu irmão... -

- Não. - a voz soou cortante, agressiva, fazendo Alina levantar o olhar do chão e se deparar com um espelho, o rosto abatido e machucado refletido no vidro.

Ela abandonou a conversa a suas costas e deu passos hesitantes até a pia, abrindo a torneira e jogando água no rosto até que a visão se focasse, os pensamentos clareassem e os sentidos voltassem a reparar nas dores insistentes que cobriam seu corpo.

Alina se voltou para o espelho e suspirou, observando com cuidado as olheiras fundas e escuras, o cabelo desgrenhado e os arranhões nos dedos e nas mãos quando ela as ergueu para tocar as próprias bochechas.

Alina estremeceu quando o movimento lançou uma corrente de dor pelo seu torso, curvando-a para frente e deixando que um arquejo escapasse de sua boca antes dela se endireitar, passando os dedos pelas partes mais doloridas e mancando ao sair do banheiro, um plano já se montando em sua cabeça ao reconhecer onde estava.

Ela se jogou em uma cadeira na bancada da cozinha e suspirou ao se virar para Thomas.

- Obriga... - ele balançou a mão e fez um muxoxo com a língua, oferecendo uma taça com um líquido suspeito e ela arqueou a sobrancelhas, esticando o pescoço para conferir o relógio na parede e se certificando de que já era quase noite.

- Não, obrigada. - Thomas deu de ombros e bebeu tudo em um só gole, fingindo não notar a careta que a ruiva lhe dava.

- Você se feriu, não foi? - Alina mordeu o interior da bochecha e desviou o olhar, seu queixo caindo ao finalmente perceber o garoto pálido de cabelos loiros e olhos verdes que é observava do outro lado da cozinha.

- Você... - ele lhe lançou um sorriso fraco, e Alina reparou no quanto o garoto parecia tão cansado quanto ela.

- Alina, não é? - ela assentiu, aturdida, o nome que lhe custara lembrar antes vindo com facilidade.

- Christopher. - ela tentou retribuir o sorriso, mas os músculos de seu rosto doíam e ela desistiu, voltando sua atenção para as próprias mãos com uma repentina timidez.

- De onde vocês se conhecem? - nenhum dos dois respondeu e Thomas soltou outro som insatisfeito com a língua, servindo-se de outra taça com cheiro forte.

- Bom, nós já acabamos por aqui então. - Thomas acenou indicando a porta e Alina quase se levantou da cadeira ao pensar que ele falava com ela, mas parou no meio do movimento quando Christopher acenou em despedida e saiu, Alina não deixando de notar a mochila pequena de couro que ele levava no braço.

Alina se virou para Thomas, já com outra taça cheia e o questionou com o olhar, franzindo o nariz com o cheiro da bebida.

- O que? - ele indagou, brusco, e empurrou uma tigela com frutas que tirou da geladeira ao seu lado.

- Ele?... - Alina jogou a sugestão no ar e mordeu Um pedaço de uma das frutas, o estômago se revirando ao perceber o quanto estava com fome.

- Qual é o problema de vocês jovens? parece que não sabem falar. - Alina bufou e Thomas apontou um dedo em sua direção. - Eu não sou adivinho, criança, se quiser saber de alguma coisa, articule uma pergunta direito para que eu entenda. -

Alina rolou os olhos e ocupou a boca com mais comida, observando o sol se pôr pela janela e ouvindo os resmungos de Thomas.

- Bom, já que você não fala, eu falo. - ele bateu com força na bancada e Alina se voltou para ele de novo, os lábios contraídos em uma linha fina e a testa enrugada de irritação, já sabendo o que viria pela frente.

Ela abriu a boca para impedi-lo de começar, mas ele se inclinou sobre o mármore da bancada e balançou o dedo no rosto dela, obrigando-a a se afastar enquanto as feições duras do ex oficial se desmanchavam.

- O que você tinha na cabeça? Fazer um escândalo daqueles na frente da casa Fox, na frente de praticamente metade da cidade! O que deu em você? - ele voltou a se sentar e passou a mão da nuca até o topo da cabeça, bagunçando a mistura de fios escuros e grisalhos.

- Vou te falar o que deu em mim! - agora era ela que se levantava, parte daquela raiva de antes voltando a seus sentidos e a fazendo esquecer do estômago que reclamava audivelmente.

Mas ela já tinha pensado em um plano assim que se deu conta de onde estava, e precisaria ser muito persuasiva para convencer o homem de meia idade teimoso que, naquele momento, estava furioso com ela.

A cidade das Lendas. (Darkfalls Número 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora