CAPÍTULO SEIS

36 12 70
                                    

"Paranoia é tudo o que me resta
eu não sei o que me estreçou primeiro
ou como a pressão foi alimentada,
mas eu sei exatamente como é ter uma voz no fundo da minha cabeça".

- Papercut, Linkin Park. -

°°°°°°




Alina achava graça depois de tanto tempo. pois aos 14 anos ela tinha certeza de que perdera toda a esperança depois que se convenceu que as lendas não passavam de histórias trágicas, mas mesmo assim ela tivera esperança o bastante para ir até lá uma última vez e tentar arrancar a força algo de que ela pudesse ter proveito.
Mas ela não ganhara nada além de um ombro machucado e mais recentemento, algo de que ela não precisava depois de três anos da morte do pai, uma irmã mais nova em casa e uma mãe que se desintegrava mais a cada dia enquanto o dinheiro acabava.

Alina respirou fundo. estivera tão abssorta nas próprias lembranças que não notara quando Olívi soltara a mão dela e se dirigira para o altar, onde todos estavam se encaminhando e ouvindo o que o guia dizia em voz rouca, as palavras embaralhadas chegando com estranhamento aos ouvidos dela.
Houve um tempo em que ela se preocuparia em entender o que aquelas palavras estavam dizendo, mas naquele momento nem se esforçou para isso enquanto andava até a irmã de joelhos no altar, com as pálpebras fechadas de concentração e a Palma levantada na frente do corpo, uma única e pequena moeda cintilando ali.

Alina sentiu aquela pontada no peito de novo e se ajoelhou ao lado dela, forçando-se a estender a mão também com uma moeda e respirou fundo novamente, procurando a esperança que lhe escapara antes, porém não encontrou nada a não ser o cheiro dos incensos que estavam sendo acesos entre eles e o aroma típico da capela que nem os incensos podiam disfarçar: areia, água doce, veneno. e tinha sempre outra coisa que Alina nunca conseguia identificar, independente dos incensos ou não.

Ela imitou Olívi e fechou as pálpebras, abaixando a cabeça e fingindo rezar com os outros só para o caso de Olívi espiar O que estava fazendo, até que a pontada dolorosa no peito dela foi afrouxando, apenas para ser substituída repentinamente por um batimento errático, um Pânico de repente correndo por suas veias e acelerando sua pulsação. Um arrepio a percorreu do pescoço a coluna e ela teve aquela sensação alerta de sempre, como se houvesse uma respiração, fria e paralisante em sua nuca, aguardando que ela se virasse.

Alina estremeceu, tensionando os músculos e resistindo à vontade de se virar, de olhar para trás de si com o canto do olho. Mas a respiração em sua nuca parecia ficar se aproximando a cada batimento assustado dela, e Alina não pôde mais lutar contra aquele ímpeto e abriu as pálpebras, olhando por cima do ombro.
Esperando encontrar apenas o vento como sempre, esperando ver somente a mão estendida de alguém rezando ou talvez ela só se deparasse com as costas da garota serpente, a presença da estátua imponente e tão magnética que estaria brincando com suas paranoias.

Porém, no lugar de qualquer uma dessas coisas, Alina se deparou com um par de olhos verdes, famintos e completamente focados nela.

Alina Empalideceu, engolindo o grito que ameaçou subir por sua garganta e tentando acalmar o coração que passara a bater em suas costelas também, uma formigação na parte de trás do joelhos que parecia impulsionar Alina para que ela levantasse e corresse. Mas não foi isso o que ela fez. reprimiu as reações estranhas de seu corpo e observou o garoto atrás de se, os olhos que a assustaram agora com um brilho divertido e um sorriso estreito, como se ele estivesse se esforçando para não cair na gargalhada.
Um cacho loiro caía na testa dele e sua postura era confiante, altiva, e Alína poderia tê-lo considerado bonito se não estivesse se recuperando do susto.

Ainda assim, havia algo no Belo garoto que fazia Alína pensar na palavra "perigo" repetidas vezes.

- Desculpa. - o garoto fez em silêncio com os lábios, que eram grossos e escuros como o rubi sob eles, e Alina só conseguiu a sentir.
O susto de antes estava passando e dando lugar a uma leve vergonha que corou suas bochechas, os lábios daquele garoto desconhecido revirando seu estômago de um jeito que era novo a Alina. Ela se surpreendeu com aquilo, o corpo reagindo de forma embaraçosa aos olhares e sorrisos daquele rapaz que nem conhecia, e mesmo resignada não conseguiu fazer as bochechas coradas E o frio na barriga irem embora.

Alína se obrigou a desviar a atenção e se voltou para frente de novo, mas as pessoas em sua volta começaram a se levantar e a se dirigirem a entrada na lateral do altar que levava a mais um lance de escadas, que agora possuíam um corrimão de cada lado que pareciam ser do mesmo material que revestiam as paredes escamosas, por isso ninguém se atrevia a encostar neles. Alina se ergueu depressa para acompanhar a irmã, que seguira o grupo com tamanha admiração que nem sequer olhava para trás em busca dela.

Alina sorriu para si mesma pela primeira vez desde que entrara ali, satisfeita ao observar a irmã tão feliz com algo que também deixara Alina encantada no passado.

- Você fica linda quando sorri. - uma voz grave, atrevida e fria cochichou no ouvido dela, fazendo sua coluna se retesar e os pelos da nuca se arrepiarem, o que fez com que quase caísse ao pisar em falso no degrau seguinte. Ela agarrou o corrimão para impedir a queda, e largou no mesmo instante quando um choque inesperado atravessou seu braço, por pouco não derrubando a vela que segurava na outra mão.

- Caramba. - o garoto desconhecido murmurou quando ela esbarrou no peito dele por acidente, os dedos gelados dele envolvendo seu pulso que estava disparado pelo choque do corrimão, mas se anuviou com o toque firme do rapaz.

- Você se assusta com facilidade, não é? - Alína abriu a boca para responder que não, que convivia com aquela sensação de medo há anos, mas sabia que seu comportamento dizia o contrário.
Ela não sabia dizer qual era o seu problema, o por que de suas entranhas estarem se contorcendo por um simples contato físico, de alguém que ela nunca vira antes.

Alína se afastou devagar, aproximando mais a vela para que iluminasse o rosto do estranho que a tocara, que sob a luz da chama broxuleando em suas feições aparentava ser muito mais jovem do que ela deduzira. Ele talvez fosse só alguns anos mais velho que ela, e quando ele deixou que Alína analisasse seu rosto detalhadamente, sorriu, uma covinha surgindo na bochecha esquerda que fez suas entranhas agirem de modo peculiar mais uma vez.

- Você fala? - ele juntou as sobrancelhas com um olhar debochado e ela abaixou a vela, a palavra "problema" pairando em sua mente assim que ela devolveu o olhar que ele lhe lançava.

A cidade das Lendas. (Darkfalls Número 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora