Do lado de lá (romance gay)

8 - Desejos Ocultos

— Havia um cara que tinha a vida perfeita. Ele tinha a garota perfeita, o emprego perfeito e a saúde perfeita. Tinha amigos, família e todas essas coisas que tornam alguém completo. Mas faltava alguma coisa.

Samuel começou a contar a história, e eu confesso que me perdi um pouco imaginando se a barba dele seria macia ou dura ao toque.

— Esse cara hipotético seria você, Samuel?

— Apenas me escute um pouco. Fui bem generoso pagando você pra me ouvir.

Fiquei quieto. Minha vontade era dizer a ele que existia alguém chamado "terapeuta" que faria esse trabalho muito melhor do que eu e provavelmente sairia mais barato. De qualquer maneira, isso era bem melhor do que ficar girando a língua para uma mulher atrás de uma tela.

— Enfim... a vida dele foi permeada de vontades ocultas não correspondidas. Ele não conversava a respeito, também não ia atrás do que tinha vontade, e isso virou uma bola de neve que começou a corroer suas relações.

— Já falou pra ele do meu perfil? Posso ver se consigo ajudar o cara com suas "vontades ocultas". 

Claramente eu pensei que ele estava se referindo a si mesmo e ao fato de ser um enrustido lindo vivendo dentro de um armário muito cheio e pendurado a uma loira gostosa.

Parecia que eu estava me descrevendo, só que no meu caso, era uma morena gostosa.

— O que te faz pensar que é capaz de realizar os desejos ocultos de alguém? Por acaso consegue realizar os seus próprios?

Porra! O cara era bom! Não me considerava um idiota que não sabia conversar e sempre fui bom no flerte... embora soubesse que boa parte do trabalho ficava mais fácil quando eu abria um sorriso. Droga!

— Eu estou aqui, não? O que te faz pensar que este não é meu desejo oculto?

— Está na cara que não é, Josh. Você não consegue esconder o que sente e tem muito mais essência do que um cara de cabeça vazia com um pênis bonito.

Eu fiquei tentando entender como ele chegou a essa conclusão. Ele definitivamente não me conhecia e eu reduzia meu vocabulário inteiro a três curtas frases: "Como vai você?", "O que posso fazer por você hoje?" e "Até breve!".

— O que te faz pensar que me conhece, Samuel? Pelo que me lembro, você fez questão de deixar claro que não fazia ideia de quem eu era quando me viu há uma semana. Mas se quer conversar, eu estou aqui pra ouvir enquanto fala de si mesmo como se fosse de outra pessoa.

Ele estagnou, encarando-me com uma expressão estranha. Baixou a cabeça e deu um longo suspiro, e eu fiquei preocupado de ter cruzado alguma linha entre a grosseria e a estupidez. O cara estava pagando para ter esse tempo comigo e eu estava dando uma de cretino, ridiculamente levando pro lado pessoal. Depois de poucos instantes, ele ergueu os olhos para mim.

— Estou falando do meu irmão, Josh. Ele faleceu esta manhã. Há uma semana ele tentou o suicídio, passou os últimos dias em coma enquanto os médicos tentavam trazê-lo de volta, mas isso não foi possível.

Puta merda! Eu fiquei sem reação. Não tinha como reagir a isso porque meu peito ficou pesado como se tivesse uma van em cima dele. Só podia pensar: "porra, porra e porra!"

Um bom tempo se passou, muito mais do que eu daria a qualquer acompanhante online. Samuel não poderia mensurar o quanto o assunto era delicado para mim. Na verdade, eu que me segurei absurdamente para não encerrar a chamada.  Quando notei que ele não diria mais nada, perguntei, pela primeira vez, de maneira honesta e com a real intenção de cumprir o papel.

— O que você realmente precisa que eu faça por você hoje, Samuel?

Ele me olhou de um jeito que nunca vou esquecer. Dessa vez eu tive certeza de que havia lágrimas nos olhos dele. Foi a primeira vez na noite em que eu o vi de fato: olheiras profundas, barba desalinhada, rosto encovado, sofrimento evidente.

— O que eu preciso é que em dez minutos você esteja me esperando na porta do seu prédio.

E encerrou a chamada.

Puta que pariu!