25 - Sufocando

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Eu não conseguia respirar.

Havia um zumbido constante no meu ouvido, e meu corpo estava preso debaixo de uma montanha de ferro. Minha cabeça latejava e o cheiro de óleo, fumaça e borracha queimada invadia minhas narinas como um soco no rosto. Tentei mais uma vez me mover, sem sucesso.

Procurei minha voz pra pedir ajuda. Não veio. A voz não veio, o ar não veio... nada veio. Só a dor. A dor e o medo. Outro cheiro entrou pelo meu nariz, um cheiro ferroso, oleoso e salgado...

Sangue.

— M-mãe?... — foi apenas um sopro sem som. O ar entre meus dentes pareceu quente em relação à temperatura ao redor. Senti o corpo molhado e percebi que água entrava por um vão no alto na lata que me comprimia como uma sardinha.

Tentei sair dali. Tentei com todas as minhas forças, mas meus braços e pernas não se moviam e minha voz não funcionava. Senti as lágrimas começarem a correr sem controle pelo meu rosto e finalmente uma fenda de luz abriu minha compreensão, quando pude ver o pescoço da minha mãe, penso num ângulo impossível no banco da frente.

Meu peito começou a doer pela tentativa de reagir. Eu puxava o ar com força mas nada vinha, e tive certeza absoluta de que estava morrendo.

Algo quebrou o vidro perto da minha perna, não sei como minha perna foi parar ali, mas quando a janela espatifou, pude ver o asfalto molhado cheio de marcas e estilhaços de vidro, ferro e borracha. Uma poça vermelha se misturava com a água que caía do céu, e eu me perguntei se era sangue, e se era meu. Um braço numa roupa laranja neon se insinuou por dentro do vão e a mão com luvas segurou meu ombro.

— Ei, você! Consegue me ouvir? Consegue se mexer?

Eu tentei responder que não. Tentei dar qualquer sinal de vida. Tentei gritar e implorar que alguém me tirasse dali, mas eu só conseguia tremer e bater os dentes.

Vi os pés calçados de botas perto da janela amassada, depois um joelho se apoiar no asfalto. Logo em seguida, uma cabeça apareceu e me procurou no meio da confusão de ferro retorcido. Olhei para ele, os olhos da cor da fumaça e do aço, a ruga entre os olhos e a preocupação evidente na boca curvada para baixo envolta por uma barba macia...

— Sss-Sam...

— Diego!

O ar entrou. Entrou tão forte que fez meu peito doer. Meus pés chutaram sobre a cama e devo ter atingido Samuel em algum ponto, porque ele praguejou. Eu senti uma onda de náusea tão forte que quase cai da cama quando me curvei para vomitar no chão. Senti a mão no meu ombro e fui tomado de súbita consciência.

Cara, quando saquei o que tinha acontecido, quis morrer de verdade. Meu corpo inteiro tremia e se eu estivesse vestido, provavelmente minha roupa estaria toda empapada. Como eu não estava, só sentia o suor escorrendo pela pele. Eu não queria olhar para trás, não queria olhar pro rosto do Samuel testemunhando o meu colapso.

Cuidando para não pisar na poça nojenta que se espalhava pelo piso de madeira, levantei de um salto e me enfiei no banheiro. Meus músculos doíam, minha cabeça latejava e o tremor não passava. 

Abri o chuveiro e me lancei sob a água morna. Aos poucos, os nervos foram voltando a um estado de normalidade.

Puta merda! Tinha sido uma das fortes! Foi um misto de Paralisia do Sono com Terror Noturno. Foi uma reprodução do passado resgatado do meu subconsciente, muito semelhante às crises que eu tinha nos primeiros anos depois da tragédia.

Saí do banho e enrolei uma toalha na cintura. Faria qualquer coisa para que Samuel não estivesse do outro lado da porta quando eu a abrisse, mas algo me dizia que ele estaria lá. Respirei fundo, então abri.

De fato, ele estava lá. Segurava um saco de plástico e recolhia uns pedaços de papel toalha que jogara sobre meu vômito no chão. Eu quis morrer de novo.

— Deixa isso aí! — ordenei. Ele me ignorou e continuou limpando.

— Sua Paralisia do Sono é frequente?

Claro que ele sabia o que era. Inferno de homem que além de lindo, sabia das coisas!

— Tinha um tempo que não acontecia — menti e me sentei na cama. — É sério, Samuel. Deixa essa merda aí. Tá me constrangendo!

— Terminei. — Ele jogou o último papel no saco e amarrou as pontas. Foi até o banheiro lavar as mãos e eu coloquei uma cueca samba-canção. Saí do quarto na esperança de que ele me acompanhasse. Tinha um cheiro estranho lá.

Me joguei no sofá e fechei os olhos. Minha cabeça ia trincar com certeza, e meu cérebro ia vazar na almofada atrás de mim. 

Percebi a movimentação à minha volta porém não me mexi. Alguns minutos depois, senti o calor de algo na ponta dos meus dedos. Olhei para baixo e uma caneca de chá fumegava ao alcance da mão. Segurei a alça e olhei para ele, confuso.

— Eu vi uma caixinha de sachês na bancada. Imagino que você costume tomar. Eu não adocei. — Ele pareceu acanhado. Era a primeira vez que eu o via assim.

— Obrigado.

Não. Eu não tomava chá. Era a Laura quem tomava, mas eu não ia comentar isso com ele.

Levei o líquido aos lábios que, surpreendentemente, me fez bem. Era uma infusão de hortelã e algo mais. Tomei meu tempo sorvendo o chá e encolhendo sob o olhar inquisitivo do Samuel.

Ele estava vestido e calçado, e eu não queria lidar com isso. Abri minha boca para pedir para ele ir embora, mas não foi o que saiu. Para o meu completo aturdimento, as palavras que escorregaram não eram o que eu esperava falar.

— Minha mãe tentou se matar, e me matar, quando eu tinha 13 anos.

Do lado de lá (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora