VII - Carma

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— Putz... — Juro que tentei ser irônica, mas é osso quando você acaba de acordar. O mais perto disso que cheguei foi com risadas debochadas, incrédula. 

— Ai, e-eu... — A voz dela ia vacilando às vezes. Situação mais bisonha que essa não deve haver, supera tudo que vi até hoje.

— Não, eu não quero saber. Eu tava dormindo, porra, tem tanto lugar pra isso. — Ficou em completo silêncio, engolindo em seco. O cabelo estava todo bagunçado, e ela estava ofegante, como se tivesse corrido uma maratona. Abriu a boca e inspirou fundo, mas logo interrompeu o que queria dizer — Tô fora. 

— Não, não! É que se for por minha culpa, eu mesma saio daqui.

— Nem esquenta. — Levantei e calcei chinelos. Seis e quarenta da tarde segundo o relógio. Ainda dá tempo.

Desci pelas escadas, precisava acordar de vez. Mesmo estando mais escuro, havia mais movimento, principalmente na entrada do prédio. Olhei em volta, procurando pelos volumosos cabelos de Vitória, mas nada. Deve estar do lado de fora.

Fui pedido licença entre as pessoas na entrada, numa tentativa de chegar mais rápido ao pátio, avistando a monitora e os seus amigos com algumas cervejas no chão, sentados em volta da sequoia centenária. Assim que me viu, ela pediu desculpas pra eles e veio ter comigo em passo acelerado. Seu penteado parecia uma marioneta sendo usada pelo vento, se movendo de forma hipnotizante de cima a baixo.

— Srta. Roberto, em que...

— Chama de Luana mesmo. Ou só Lu.

— Beleza. Fala aí, no que eu posso ajudar?

— Como você sabia que eu vinha ter com você?

— Você tava procurando alguém, e mal chegou. Duvido que tenha feito amigos tão rapidamente. — Se aquela maluca for minha amiga, não preciso de inimigos, de jeito nenhum.

— Posso mudar de quarto? — Perguntei com um tom simpático para ver se conseguia convencer ela.

— Não. Seu quarto é adequado às suas preferências e necessidades. E seus companheiros também são parecidos com você.

— Acho que vocês se enganaram.

— Por quê?

— Não bati o santo com minha colega de quarto.

— Mas você só conheceu uma delas. Além disso, trocando de quarto você estaria tirando a oportunidade de alguém de estar num quarto adequado a essa pessoa.

— Ah, mas tem uma renca de gente por aí no mundo, alguém deve pensar o mesmo que eu, ou muito parecido.

— Mas não tem uma renca de gente dentro da universidade. Para além disso, perder um companheiro mais... um minuto, deixe pegar a minha prancheta. — E me deixou lá apreciando a fogueira que eles estavam fazendo. Parecia interessante, pelo menos. Chamaram pela Vitória, mas gritaram pra mim. Pediram desculpa e acenaram todos quase imediatamente, caindo na gargalhada — Voltei. Como dizia, perder um companheiro "que não seja bagunçado ou muito bagunçado" para um companheiro aleatório é de boas pra você? — E é por isso que fazem tantas questões.

— Acho que sim.

— Procure alguém que goste do que você gosta, tenha as mesmas preferências de companheiro e a mesma alergia que você, que não se importe de trocar de quarto. E que seja do sexo feminino, claro.

— Por quê não masculino?

— Por algum motivo esse bloco é exclusivamente feminino, calhou que atendemos às suas expectativas. "Confirme na caixa abaixo se há algum problema em partilhar o dormitório com homens", e pelos vistos tá confirmado. Blocos mistos são o P e o R.

Olho de ÂmbarOnde histórias criam vida. Descubra agora