XXXVI - Ácaros e parentes

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Acordei sendo cutucada insistentemente na costela. Aliás, estava completamente torta, a coxa da Madalena por baixo da minha omoplata, Sandra me abraçando e eu meio que tinha o meu braço em volta do seu pescoço.

— Lu, preciso de respirar. — Reclamou Sandra. Com muito esforço, levantei totalmente.

— Que horas são?

— Duas. — Passei a mão pela cara. Meu sono estava destruído — Como eu vou dormir agora?

— Até agora não consegui dormir.

— Então feche os olhos e tente outra vez.

— Estive pensando...

— Não é a melhor hora.

— ...no que você contou. — Sandra, agora? — A abertura para falar sobre esse negócio... não queria agradecer você por confiar na gente.

— Então não agradeça. — Tentei cortar várias vezes, mas ela insistia em manter essa conversa. Inspirei fundo silenciosamente e deixei seguir.

— Imaginando como você se sentiu, o que pode ter passado por você enquanto falava, penso que também posso falar algo que sempre me incomodou também.

— Fala aí, Sandra. — Liguei o candeeiro e me ajeitei na cama. Ela estava ajoelhada, com as mãos na cabeça — Tudo bem?

— Minha mãe não queria que eu me casasse muito precocemente, queria se livrar de mim.

— Como assim?! — Perguntei, com o que restou do sono deixando que isso me pegasse de surpresa.

— Ela dizia coisas como "a piada já tinha acabado, você tinha que voltar para a sua mãe". Foi levada ao hospício, e lá os médicos conseguiram provar a sua debilidade mental, mas quando dizia isso ela era tão lúcida... eu tinha medo que eu fosse apenas adotada, mesmo que isso explicasse muito.

— Você nunca fez um teste de DNA?

— Nenhum acusava nada fora do comum.

— Nem com o seu pai?

— Eu nunca consegui interagir muito com ele, justamente porque ela proibia. Mas a gente sempre se deu super bem, eu sei que ele é meu pai. Ela não.

— Eu não sei o que dizer...

— Eu não espero que você entenda. Não é todo o dia que alguém partilha uma teoria de conspiração dentro da própria família. É o suficiente você escutar, mais ainda pra mim por saber que tem alguém escutando. — Não olhava para mim de todo, mas mexia muito nas próprias mãos, como se estivesse nervosa. O seu cabelo estava à sua frente, impedindo que eu conseguisse perceber direito, principalmente no escuro, o que havia na sua expressão.

— Tal como você, só posso agradecer por confiar em mim. — Ergueu a cara e ficou encarando me encarando nos olhos.

— Parece uma troca.

— É uma troca.

— Foi um prazer negociar com você. — Esticou a mão e eu apertei. E continuámos assim.

**

— Você precisa que seja agora?

-- Não pode?

— São oito da manhã, cara. Não era suposto você estar fora do seu quarto.

-- A gente vai para um bloco com dormitórios mistos, para você poder dormir comigo. Praticar para depois também.

— Deixe de palhaçada, Gabi. Onde é que vai ser?

-- Hmm. -- Desligou. Voltou a ligar uns segundos depois -- Você sabe onde fica a reitoria?

Olho de ÂmbarOnde histórias criam vida. Descubra agora