Nunca antes tinha experienciado uma angústia tão grande. Estava andando aos círculos, focando no cinza-azulado do assoalho, olhando de vez em quando para as paredes, iluminados por uma luz fraca. O constante cheiro a fármacos estava me deixando com náuseas, mas recusei sair daquele lugar até saber o que estava acontecendo com o meu Gabriel. Comprei café no refeitório e bebi como se fosse água. Um cara com um jaleco branco como as nuvens saiu da sala de bloco operatório.
— Alguém vem em nome de Gabriel Ater? — Levantei e fui ter com ele num raio.
— Sou eu.
— Boa noite, senhorita...?
— Luana.
— Eu sou Leandro, médico cirurgião deste hospital e estive com o seu irmão durante a operação.
— Irmão? Quem disse que era meu irmão?
— Primo? — Creio que somos diferentes o suficiente para dizer com segurança que qualquer um desses palpites foi horroroso.
— Namorado, na verdade.
— Interessante. — Riscou qualquer coisa do papel que tinha na prancheta — Adiante. Só você veio acompanhar ele?
— Bem, sim. Seus pais estão a caminho.
— Entendo. Eu queria começar passando logo o relatório, mas queria saber se você tem conhecimento de algum inimigo dele? — Perguntou se inclinando mais para mim, num tom mais restrito. Abanei a cabeça.
"Efetuamos poucas cirurgias interventivas, foram mais exploratórias. O caso de Gabriel foi muito específico. Comecemos com a parte de cima. O paciente em causa sofreu um traumatismo nasal que desviou levemente o seu septo."
"Detetámos por meio de uma TC uma lesão no LCM de segundo grau, que é o ligamento aqui na lateral externa do joelho. Geralmente causadas por esportes de contacto físico. Não vai precisar de intervenção cirúrgica, mas vai ficar bem parado durante quatro a oito semanas". Levei a mão para a boca. Ele não foi simplesmente esfaqueado, foi agredido também!
"Agora o esfaqueamento... temos a hemorragia interna, que foi a primeira preocupação da gente no bloco. Tentámos realizar estancamentos provisórios, que vão ser acompanhados com o tempo, provocando alguns choques hipovolêmicos, mas que não passou disso. Pela perda significativa de sangue chegando ao coração, tivemos de repor o volume sanguíneo com soro, mas houve um déficit na distribuição de oxigénio, por isso pusemos a máscara, mas o septo agora desviado estava dificultando a nossa tarefa."
"O ferimento não foi nada superficial, cortando, para além da pele, o fígado, uma artéria e uma parte do baço. Não sei quanto tempo Gabriel esteve 'ao léu', mas foi demais". Ele batia com uma caneta na prancheta e nos lábios a um ritmo rápido, meneando sempre a cabeça e sem olhar para mim uma única vez.
"Infectou tanto o baço como o fígado. Embora não exija transplante, será feito um corte para evitar que a infeção se alastre pelo resto do órgão, comprometendo os mesmos. Mas infelizmente não acaba aqui."
"É bem possível que desenvolva a síndrome compartimental, que é como se um órgão fosse fominha e comesse o que quer, mas não permitia que os outros se desenvolvessem normalmente. A este ponto, não podemos intervir cirurgicamente por causa do septo desviado, devemos esperar até amanhã com vigilância absoluta para verificar se há a diminuição natural do inchaço nasal para poder trabalhar com a máscara dosadora de oxigênio e assim poder intervir. O que representa um risco."
— Não tem como dosar o oxigênio diluído numa solução e aplicar de forma intravenosa? — Perguntei.
— Não. O corpo precisa de sangue. Devemos agora consultar um banco de sangue para doações, já que os pais não estão disponíveis.
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Olho de Âmbar
Storie d'amoreQual o efeito de uma promessa quebrada numa pessoa? Para Gabriel, uma promessa quebrada significou a perda de uma estrela. Significou a modificação dos seus laços com todos que o rodeavam, tanto através do afastamento como da aproximação. Para Luan...