Olho de Âmbar

IV - Heróis

Luana

Pegar distância, flexão dos joelhos e... puff! Uma explosão tremenda de alívio se apoderou de mim assim que deitei na cama, e instantes depois, pus a mão na cabeça. É bem feito, Luana, quem disse que antes de um dia importante tem que se ir à balada? Gemidos de dor preenchiam o quarto, para complementar o calor insuportável que fazia lá dentro. O latejar ia ficando cada vez mais violento, como se realmente tivesse alguém batendo nas paredes do crânio.

Nota pra mim mesma: nunca aceitar shots em jejum. Eu acho que aquelas garotas que chamo de amigas fizeram isso de propósito. Eu não sou muito resistente ao álcool, tenho até uma certa alergia, e elas sabem disso, mas continuam insistindo. "Ah, Lu, vai, você só vive uma vez". Mas durante esse tempo eu estou justamente vivendo, porque só se vive uma vez! Vacas. Não sei por que estou xingando tanto, sabendo que já fui enganada e pior, que permiti que me enganassem. Assumo a culpa por ter ido, mas sob a pressão manipuladora que fizeram.

 Sempre que eu dou ouvidos àquelas garotas, acabo com desentendimentos com o meu pai: Will não é do tipo que fingiria algum tipo de sentimento só para ver a filha se sentindo um pouco melhor, ele não consegue ser tão cínico, nem que fosse para o meu bem; ele deixa bem claro que as abomina por completo, desde o primeiro instante. Pensei que fosse algo que um dia passasse, mas não; e pela primeira vez, entendo o porquê. Ainda bem que não está aqui para me ouvir dizer que ele tinha razão, nem ele nem mamãe: seriam sermões intermináveis sobre responsabilidade e coisas que tenho até dificuldade em mencionar porque não tenho cabeça para isso.

Ele não faz por mal, penso eu. Mamãe diz que seu amante irreverente e inconsequente dos tempos de juventude deu lugar ao Will que a gente tem hoje por duas grandes razões: primeira, a experiência como pai reconfigurou a sua forma de enxergar o mundo, meio que como um interruptor de amadurecimento. Segundo, a experiência da juventude, porque era um empresário bastante aventureiro, por assim dizer, mas... castigo de mulherengo é ter uma filha. Ele teve logo duas, mais que selando esse arco de transformação na segunda mãe galinha que tenho aqui em casa, partilhando funções com a original. Ahh, com Julieta é outra conversa. Ela nunca foi uma mulher de saídas, até onde eu sei, convertendo as reservas de energias em intensidade na educação dos filhos quando é necessário.

Agora que a frustração acalmou, acho que também agradeço por terem me levado a essa festa. Estava começando a ficar um pouco nervosa sobre essa coisa toda de universidade e afins. Não só isso, mas era realmente muita coisa na cabeça. Expectativas geradas em torno da única filha em medicina, ficar longe de casa, ter que me virar sozinha... mas já tinha chegado a um ponto em que eu queria deixar de ser a filha da Julieta e do William e ser Luana, uma garota com objetivos maiores que o seu metro e setenta. Sinto que chegou uma altura em que já não concordo com muito que meus pais tentam impingir em mim, e talvez a distância permita que eu comece a perceber o que eu realmente quero fazer por mim própria. Noventa por cento delas não vão ser as melhores, mas é com as quedas que o pássaro aprende como não voar. 

Viro para um lado, para outro, para inutilmente ver se o desconforto diminuía, mas não adiantou de nada. Pensei em levantar pra tomar um banho e tirar o cheiro de álcool e cigarro do corpo, mas, quando tentei me manter em pé, todo o meu mundo se deitou para a direita. Desequilibrei e voltei exatamente para o mesmo sítio. Pronto, fica para amanhã. Peguei no celular pra ver se havia alguém sentindo a minha falta. Como sempre, o único número afixado no WhatsApp deixou mais de seis mensagens. Como eu amo essa garota. Talvez a única salvação que eu tenho e, por sua vez, a única má influência com poder de persuasão suficiente para fazer ela cometer uma loucura. E de certeza a única amizade aprovada pelo Will.

THAYS

» Durma. Agr. Ñ quero brigar com vc

» Vai dormir, cara. Amanhã é outro dia