O refeitório parecia um enorme cubo mágico: tanto de aparência, porque havia várias faces de vidro do mesmo lado como de dificuldade para resolver, já que foi preciso alguém sair de lá para podermos distinguir a porta de uma vidraça comum.
Uma vez lá dentro, era impossível ignorar as conversas altas, música e gente andando com bandejas de comida. O cheiro de carne, ervilha, feijão... deu aquela mexida no meu estômago. Eu nem sabia que estava com uma fome tão grande até meu bucho gritar isso.
Denilson foi nos guiando entre as mesas até a gente chegar ao balcão.
— Escolha à vontade.
— Vou comer até explodir, hehe. — Disse a Viviane, me cutucando com o cotovelo.
Do lado direito de todo aquele espaço, tinha um dispensador de senhas digital. A tela mostrava quatro opções: Café da Manhã, Almoço, Jantar e Outros. Tirei uma de almoço e uma senhora de touca descartável e bata azul deu alguns toques no seu computador antes de perguntar o que eu quereria.
Para o menu de hoje, eles tinham filetes de peixe com arroz de legumes, salada fria vegana, purê de batata com carne de boi... vou escolher o que chega mais perto do rocambole, né.
Pediu que eu continuasse a andar até o outro lado. Virei a esquina para direita, e havia um vidro enorme bem translúcido, com uma cavidade quadrada no meio. Lá, outra senhora vestida do mesmo jeito esticou o braço na minha cara segurando um prato, e antes que visse o que era, o satisfatório cheiro de leite e batata, o aroma da carne estufada entranharam meu estômago, limitando o meu pensamento.
Desde ontem de manhã que eu não boto nada na barriga. Estava exigindo mentalmente que a baba que estava na minha boca ficasse na boca, mas sem muito sucesso. Lambia os beiços para disfarçar.
— Ô Gabriel, acorda aí! Tá na hora de comer, viu? — Viviane me tirou do transe.
— Quanta indecência, Viviane. Na mesa. — Tentou brincar o Denilson.
— Entrega o seu currículo lá no Patati, seu idiota. Olha para ele, tá comendo somente com o olhar.
— Acho que tá pensando na namorada dele. Eu também ficaria se pensasse na distância entre a gente. Olha que ele vive em Niterói.
— Não. — Respondi.
— Não? Você não vive em Niterói?
— Ele não tem namorada. — O choque na cara dele seria engraçado se eu estivesse dando a mínima.
— O quê?! — Quase gritou. Geral ficou encarando a gente. Denilson deu um sorriso tímido e começou a sussurrar — Como não? Olha para você, cara. De certeza não é porque não pode.
— Verdade. O que impede você? — Viviane usou um tom agudo, de curiosidade.
— O que impede as pessoas. Ser invisível, se sentir incapaz, e...
— Nem vem! — Cortou o Denilson — Invisibilidade? Isso...
— Então você nunca namorou? — Interrompeu a Viviane. Balancei a cabeça, focando no meu prato — Interessante.
— Vai rolar uma festa aqui na universidade, uma festa de boas-vindas aos novatos. É a chance de você sair dessa. — Senti a estranheza quase me fazer engasgar. Ergui os olhos bem na direção dos dele.
— Por quê acha que eu quereria sair "dessa"? — Enfatizei o dessa.
— Porque não vai querer entrar na minha, cara. Vai por mim.
— Talvez não. — Despachei, tentando a todo o custo deixar claro que minha prioridade era a comida. Se tentar entrar no discurso, talvez descubra onde isso vai dar. Mas eu apenas quero comer.

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Olho de Âmbar
Storie d'amoreQual o efeito de uma promessa quebrada numa pessoa? Para Gabriel, uma promessa quebrada significou a perda de uma estrela. Significou a modificação dos seus laços com todos que o rodeavam, tanto através do afastamento como da aproximação. Para Luan...