XXXI - Homem para homem

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Precisei de algum tempo para perceber se aquilo era um elogio indireto, um conselho bastante retorcido ou uma ameaça. Cheguei a conclusão nenhuma.

— Entretanto, ele não era o que parecia. Seria suspeito se eu dissesse que sou o que pareço... — Tentei começar.

— Conheci gente parecida com você, e eles não eram de conduta louvável. — Cortou imediatamente. Fingi não saber do que estava falando para que ele completasse o seu raciocínio — Não tô disposto a confiar em você, eu tive melhor opção de escolha e me fodi, a verdade é essa.

— Você tá na mesa! — Repreendeu Julieta. Luana começou a se servir e pegou no prato da mãe dela para servir também.

— O que eu posso fazer? — Perguntei retoricamente, abanando a cabeça de olhos fechados e levantando os ombros — Confie em Luana, não em mim.

— Nela eu confio, mas a confiança dela também foi traída. O que muda dessa vez?

— Você gosta de feijoada, certo? — Perguntou Luana com o meu prato na mão, querendo claramente acabar com aquela conversa. Acenei com a cabeça e ela piscou o olho pra mim.

— Eu vou bater um papo com você mais tarde. Bom apetite até então. — Largou, inspirando fundo depois de sentir o aroma das panelas.

Fechou os olhos por um instante e direcionou o seu olhar para Luana em seguida, que estava servindo o prato dele, e depois para mim. Depois de um leve suspiro, começou a comer.

Nesse instante, foi realmente morta a noite: Julieta tentava incansavelmente trazer a gente para a mesa, fazendo perguntas sobre o que hobbies que eu achava legais, sobre como era passar tanto tempo com Luana, mas esfriava sempre que Will olhasse pra mim. Mesmo assim, ela não desistia: continuou fazendo perguntas sobre a minha recuperação do acidente, sobre o tipo de relação que queria construir com a filha, perguntas mais inocentes por mera vontade de manter a conversa viva... mostrando ser o membro da família aliado até agora. Valeu a pena por perceber que Lu sorria genuinamente, ria com a alma com as piadas de Julieta e as lembranças trazidas à mesa. Sury e Thays lacrimejavam de tanto gargalharem. E Will? Will fitava tudo que fizesse com um olhar julgador.

Foi o primeiro a sair da mesa. Com ele, foram Lu e Thays, que levaram os pratos para a cozinha.

— E aí? Gostou? — Perguntou Julieta.

— Sim, muito. Obrigado pelo jantar.

— Quê isso. Sury, a mesa. — A filha acenou com a cabeça e começou a tirar tudo.

— Eu ajudo.

— Não precisa, a gente faz isso num instante. — Julieta negou prontamente, sem nem olhar para mim.

— Eu insisto.

— Não! — Quase gritou, com as sobrancelhas franzidas. — Trate de ir ficar tranquilo no sofá. — Disse, tentando disfarçar a tensão que surgiu por ter "gritado" assim repentinamente. Agora sei de onde Luana puxou a paciência.

No sofá, as conversas ficaram mais seccionadas: Will, Lu e Thays falavam sobre a seleção brasileira, e eu, Suryana e Julieta falávamos sobre os melhores filmes que tínhamos visto na vida. A sala parecia um escritório de uma corretora de bolsa, um falando mais alto que o outro, tentando provar o seu ponto, até que uma chamada parou tudo.

— Gabi, atrás de você, por favor. Se for desconhecido, só desligue. — Pediu Luana. Peguei o celular, exibindo justamente um número estranho. Depois, a tela mostrava as dez e quarenta e cinco, bem fora do que combinei com a mamãe. — E? Quem é? — Perguntou.

— Ninguém, é só que já...

— É tarde, verdade! Cara, tava esquecendo disso já. — Bateu com a mão na testa.

Olho de ÂmbarOnde histórias criam vida. Descubra agora