Frio.
Os calafrios e os tremores me acordam; grunhindo, abro
os olhos devagar. A luz golpeia minha vista com força, me
obrigando a estreitar os olhos. Por que está tão gelado? Não
me lembro de ter ligado o ar-condicionado. A primeira coisa
que vejo é uma estante cheia de troféus e medalhas
esportivas.
Fico confusa. Não tenho isso no meu quarto. Conforme
vou analisando melhor o lugar, me dou conta de que este
não é meu quarto.
Como assim?
Sento-me de uma vez só e minha cabeça lateja.
— Ai!
Ponho a mão na testa, e meu estômago ronca,
embrulhado. Onde diabos eu estou? Como se o carma
quisesse responder, algo ou alguém se move um pouco ao
meu lado.
Apavorada, viro para olhar, e um guincho abafado escapa
da minha boca, enquanto volto para a frente e caio no chão.
Ai outra vez!
Merda, merda.
Levanto somente o rosto por cima da cama e confirmo o
que eu suspeitava.
Ares Hidalgo, em toda a sua glória, deitado de barriga
para cima, com o antebraço sobre o rosto. Ele está sem
camisa, coberto pelos lençóis até a cintura, deixando o belo
peito e a barriga de fora.
Instintivamente, dou uma conferida em mim mesma e
reparo que estou com a blusa dele. Coloco as mãos no rosto, desolada.
— Puta merda!
O que aconteceu aqui? Desta vez, eu estava tão decidida
a não ceder… O que será que houve comigo?
Hmm, pensa bem, Raquel.
Tenta se lembrar, vai.
Tudo está embaralhado na minha mente como um quebra-
cabeça, com as peças apagadas ou perdidas. A última coisa
de que me lembro é estar na mesa com Dani, Apolo, Carlos
e Yoshi. Depois Yoshi e eu subimos. Íamos ao banheiro?
Aff!
E depois Ares… Na varanda…
E depois nada, vazio, escuridão.
Que frustrante!
Surpreendentemente, cair em suas garras de novo não é
o que mais me incomoda, mas sim essa sensação tão
desagradável de não me lembrar de nada. Transamos? Para
ser sincera, duvido que Ares tenha feito alguma coisa
comigo neste estado. De qualquer forma, preciso sair daqui.
Levanto-me e me sinto enjoada, então respiro fundo. Ares
não move nem um dedo, ainda cobrindo os olhos, os lábios
entreabertos e o peito nu.
Meus sapatos…
Minha roupa…
Têm que estar por aqui. Que horas são?
Dani deve estar muito preocupada! Foi uma decisão sábia
dizer à minha mãe que eu dormiria na casa da Dani, senão
estaria ferrada. A parte ainda adormecida do meu cérebro
procura o celular, mas logo desperta e me dá uma bofetada.
Roubaram seu celular há semanas, Raquel, acorda!
Engatinho ao redor, e nada da minha roupa, mas que…?
Onde eu a enfiei? Se nos despimos aqui, deve estar em
algum lugar. Ou será que fiquei pelada em outro cômodo e
depois vim para cá? Meu Deus! Vejo uma porta entreaberta
à direita que parece ser de um banheiro e entro. Minha
roupa está no chão ao lado da banheira. Meu corpo é dominado por uma sensação de alívio: não
vou precisar sair na rua apenas com essa camisa. Fecho a
porta e pego minha camiseta branca florida, mas faço uma
cara de nojo quando um cheiro de vômito invade meu nariz.
Vômito?
Eu vomitei? Ai, meu Deus. Que merda aconteceu ontem à
noite?
Não posso vestir essa camisa de jeito nenhum. A saia não
está muito melhor, mas me limito a lavar na pia os
pequenos pontos vomitados. Não posso ir embora com a
blusa do Ares e sem nada embaixo. Mesmo toda molhada,
visto a saia. Agora estou tremendo de frio, mas consigo
escovar os dentes com os dedos.
Yoshi, ah, não, a lembrança de tentar usá-lo ontem à noite
surge em fragmentos na minha mente. Preciso me
desculpar com ele.
De volta ao quarto, me permito olhar para Ares. Seu
peitoral branco contrasta com o azul dos lençóis. Mordo o
lábio, controlando a vontade de pular nele, beijar cada parte
nua de seu corpo, sentir sua pele.
Foco, Raquel.
Com todo o cuidado, seguro a maçaneta da porta, mas ela
não gira. Como assim? Tento com mais força, mas não
adianta. Verifico a maçaneta e reparo que não tem botão, é
de chave.
Está trancada. Por quê?
— Está procurando isto?
A voz dele me faz dar um pulo. Eu me viro e, para minha
surpresa, Ares está sentado na cama com a mão para cima,
empunhando a chave. Seu rosto é tão lindo que me faz
estremecer. Que ódio! Seus lábios esboçam um sorriso
debochado.
— Por que está trancado?
— Rolou uma festa aqui ontem à noite, lembra? —
pergunta ele, com certa cautela. — Eu não queria que
ninguém entrasse e nos incomodasse.Tento engolir, mas minha garganta está seca.
— Você… Eu… Quer dizer… Você sabe…
— Transamos? — Sempre tão direto. — Você não se
lembra de nada?
Há certa tristeza em sua voz, como se ele quisesse que eu
me recordasse de alguma coisa; envergonhada, confirmo.
— Não lembro.
Noto uma decepção em seu semblante.
— Não aconteceu nada. Você vomitou, eu te dei um banho
e te botei para dormir.
Acredito nele.
— Obrigada.
Ares se levanta. E de novo me sinto pequena diante dele.
— Abre a porta pra mim — peço, porque estar com ele
num quarto, os dois com pouca roupa, é demais.
Ele enfia a chave no bolso da frente da calça.
— Não.
Tento protestar, mas ele entra no banheiro e fecha a
porta. Mas como assim?! Frustrada, cruzo os braços,
esperando que ele saia. O que Ares pretende me mantendo
trancada aqui? Escuto o chuveiro. Foi tomar banho? É sério
isso? E eu desesperada para sair.
Passam alguns minutos, que parecem anos, e ele enfim
sai do banheiro, apenas com uma toalha enrolada na
cintura. Gotas de água escorrem pela barriga, e seu cabelo
úmido gruda no rosto. Imagino que ele não esteja com frio.
Pigarreio.
— Abre a porta pra mim, Ares.
— Não.
— Por que não?
— Porque não quero.
Solto uma risada sarcástica.
— Nossa, que maduro.
Ele se senta na cama e me observa, seus olhos descendo
do meu peito até minhas pernas. Engulo em seco.
— É sério, preciso ir.— Você vai depois que a gente conversar.
— Tudo bem. O que você quer agora?
— Você.
Sua resposta me surpreende e faz meu corpo ferver, mas
tento agir com naturalidade.
— Você está mesmo louco.
— Por quê? Por te dizer o que eu quero? Sempre fui
sincero.
— Pois é, sincero até demais, eu diria — rebato, me
lembrando daquela vez que disse que não queria nada sério
comigo.
— Vem cá.
O calor sobe até minhas bochechas.
— Ah, não, não vou cair no seu joguinho.
— Meu joguinho? Pensei que você que era a adepta dos
joguinhos aqui.
— Do que você está falando?
— Gostou de beijar outro?
A raiva fica evidente em seus lindos olhos, e eu perco a
coragem por um momento, me sentindo encurralada, mas
ainda assim levanto o queixo.
— Para ser honesta, sim, ele beija muito bem, além disso
ele…
— Cala a boca.
Um sorriso de vitória invade meus lábios: me sinto
poderosa por conseguir desestabilizá-lo. Ele sempre
manteve essa pose fria e indiferente comigo, mas agora
posso ler bem sua expressão, e isso é revigorante.
— Foi você que perguntou — retruco, dando de ombros.
— Admiro sua tentativa de me substituir, mas nós dois
sabemos que é de mim que você gosta.
Ele chega ainda mais perto, o cheiro de sabonete acaricia
meu nariz, enquanto sinto o calor de seu corpo me
invadindo. Encaro-o, e meu coração bate enlouquecido, mas
não quero lhe dar o gostinho de saber que tem razão.
— Isso é o que você acha. Yoshi beija tão bem que…— Para de falar dele. Não brinca com fogo, Raquel.
— Está com ciúmes, deus grego?
— Estou.
Sua resposta me pega de surpresa, e eu fico sem ar. Ares
Hidalgo admitindo que está com ciúmes? Será que fui parar
em outra dimensão?
Ele passa a mão pelo rosto.
— Não te entendo, Raquel. Eu te dedico um gol e você
beija outro. Por que está fazendo esse joguinho?
— Não estou fazendo joguinho. Eu que não te entendo.
Ares sorri e balança a cabeça.
— Parece que a gente não se entende. — Ele me segura
pelo pulso e prende delicadamente meus braços no alto,
contra a porta. Com a outra mão, passa o dedo pelo meu
pescoço e meu decote. Uma onda de prazer percorre meu
corpo. — Mas nossos corpos, sim.
Estou prestes a sucumbir, mas me lembro de como ele foi
frio depois de tirar minha virgindade e de como mandou a
funcionária da casa dele me expulsar de seu quarto na
segunda vez que estivemos juntos. Eu o desejo com toda a
minha alma, mas meu coração não suportaria outra
decepção, tenho certeza disso. Não quero essa sensação
horrível que me domina depois que ele me possui e me
descarta como se eu fosse um objeto.
Não posso.
Não quero.
Não vou mais me entregar.
Sei que ele não espera nenhum movimento brusco, então
aproveito e o empurro com meu corpo, usando toda a
minha força para soltar meus pulsos. Ares fica surpreso, os
lábios vermelhos e a respiração agitada. Ele tenta se
aproximar de mim outra vez, e eu levanto a mão.
— Não.
Ares franze as sobrancelhas. É a primeira vez que eu o
rejeito, e ele fica nitidamente desconcertado.
— Por quê?— Não quero, não vou cair nessa, não desta vez.
Ele passa a mão pelos cabelos.
— Você pensa demais, fala demais. Vem aqui.
Ares estica a mão para mim, mas dou um tapa nela antes
que ele consiga me tocar.
— Não! Se acha que vou estar sempre disponível quando
te der vontade, está enganado. Não sou seu brinquedinho.
Ele faz uma careta, como se minhas palavras o ferissem
de verdade.
— Por que você sempre pensa coisas tão negativas sobre
mim?
— Porque é isso que você demonstra — respondo,
deixando escapar um suspiro de frustração. — Já tirei você
da minha vida. Então me deixa em paz.
Dói… Como me dói dizer isso.
Ele me oferece seu estúpido sorriso presunçoso.
— Me tirar da sua vida? Isso não é algo fácil, Raquel.
— Mas estou começando a fazer isso e vou conseguir.
— Não vou deixar.
Solto um grunhido de frustração.
— É isso o que eu odeio em você! Não me leva a sério,
mas também não me deixa ir embora. Por quê? Você gosta
de brincar com meus sentimentos?
— Lógico que não.
— Então o quê?
— Não entendo por que a culpa é minha. Você sabia onde
estava se metendo. Conversei com você.
— Não muda de assunto! Sim, eu sabia onde estava me
metendo, mas não quero mais isso. Quero você fora da
minha vida, e você não me deixa seguir em frente. — Meu
peito oscila com a respiração acelerada. — Por quê, Ares?
Por que não me deixa em paz?
— Não posso.
— Por quê?
Eu o vejo hesitar, franzindo os lábios, sem palavras. Deixo
escapar um risinho triste.— Você não responde porque não tem justificativa. Só não
quer perder sua diversão do mês.
— Para de dizer isso! Eu não te vejo desse jeito!
— Então como você me vê?
Silêncio de novo, uma expressão de dúvida.
— Você sabe que essa conversa não vai levar a lugar
algum. Abre a porta logo — digo, mas ele não se move. —
Abre essa maldita porta, Ares!
Ele continua parado. Então olho furiosa para a janela.
— Bom, então vou pular pela janela.
Quando passo por ele, ouço-o sussurrando:
— Preciso de você.
Paro abruptamente, de costas para ele. Essas três
palavras são suficientes para me paralisar.
Ares pega minha mão e me vira de frente para ele. Seus
olhos procuram os meus.
— Só me escuta. Eu não sou bom com as palavras, não
sei como dizer… Não consigo explicar, mas posso mostrar o
que sinto por você. — Ele aperta minha mão. — Deixa eu te
mostrar, não estou tentando te usar, juro, só quero te
mostrar. — Ares põe minha mão em seu peito, e sinto o
coração dele bater tão depressa quanto o meu.
Ele aproxima o rosto, dando tempo suficiente para rejeitá-
lo, mas, como eu não faço isso, seus lábios quentes
encontram os meus.