26 a história

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ARES HIDALGO
Faço cara de nojo quando Raquel vomita. Seguro sua
cabeça, porque pelo visto ela já não consegue se manter de
pé, sentada ou de qualquer outra forma. Seguro o rosto dela
com as mãos e assopro para refrescá-la. Seus olhos estão
quase fechando, e ela me dá um sorriso bobo.
— Seu hálito tem cheiro de cigarro e chiclete de menta —
diz, soltando uma risadinha. — Tão você…
Tiro algumas mechas de cabelo que grudaram no seu
rosto com o suor. Ela tenta bater na minha mão, mas seus
braços não respondem.
— Não precisa me ajudar, deus grego, estou bem.
Ergo a sobrancelha.
— Ah, é? Então fica de pé.
— Só vai embora e me deixa aqui, vou ficar bem.
Não posso deixá-la aqui, ainda que ela não seja minha
pessoa favorita no momento, depois que a vi beijando
aquele nerd.
Não pense nisso, Ares.
Soltando um suspiro de cansaço, eu a ajudo a se levantar
e, quando ela já está de pé, me agacho um pouco e apoio
seu braço no meu ombro para carregá-la. Quando saímos da
varanda, ela não consegue fazer nada além de soltar
sussurros.
Carregá-la pelo corredor não é difícil, ela não é pesada e
estou acostumado a levantar mais peso nos treinos do time.
Entro no único quarto que não foi usado como motel hoje.
Como sei disso? Porque meus amigos estão lá dentro,jogando videogame e bebendo. O primeiro que me vê é
Marco.
— Deixa eu adivinhar — diz ele, e finge estar pensando. —
Raquel?
A garota de cabelos escuros que eu trouxe há pouco está
sentada no colo de Gregory e indaga:
— Quem é ela?
Luis levanta as mãos, mostrando não saber.
— Pergunte ao Ares. Eu ainda não entendi qual é a desses
dois.
Dando uma olhada séria em todos, respondo:
— Todo mundo para fora, já.
Depois que todos saem, levo Raquel ao banheiro, coloco-a
na banheira e ela fica ali sentada, com a cabeça recostada
na lateral.
— Você vomitou na sua roupa — aviso, começando a
levantar sua camiseta branca florida.
Ela protesta, mas consigo tirar. Seus seios ficam nus, tão
perfeitos como eu lembrava, nem tão grandes nem tão
pequenos, o tamanho ideal para seu corpo.
Não é hora disso, Ares.
Abaixo a saia dela até os calcanhares, meus olhos
percorrendo suas pernas. Raquel está usando uma lingerie
preta, que contrasta com sua pele. Engulo em seco,
tentando me concentrar. Abro a torneira, e ela dá um grito
com o jato de água fria na cabeça.
— F-friiiiiiiiio — gagueja ela, os cabelos molhados
grudando no rosto.
Sem encará-la, ensaboo seu corpo, fitando a parede. A
carne é fraca, e eu sempre desejei Raquel mais do que me
permito admitir. Depois de deixá-la escovar os dentes ainda
meio desajeitada, eu a enrolo na toalha e a coloco sentada
na cama.
— Ares…
— Hmm?
— Estou com frio.Deve estar mesmo, porque o ar-condicionado está ligado
na menor temperatura para manter a casa fresca com tanta
gente. Raquel parece ter recuperado um pouco mais de
força depois do banho, pelo menos já consegue ficar
sentada sozinha. Eu a ajudo a se enxugar e jogo a toalha
molhada no chão.
Meus olhos viajam por seu corpo despido, e eu preciso de
todo meu autocontrole para não abraçá-la. Senti tanto a
falta dela…
Ela está bêbada, Ares.
Tenho que me forçar a lembrar disso. Desabotoo a camisa
rapidamente. Raquel ri.
— O que você está fazendo?
Tiro-a e a coloco em Raquel, abotoando-a e afastando a
tentação de seu corpo diante dos meus olhos. Minha camisa
fica bem nela.
— Deita, vai se sentir melhor depois de dormir um pouco.
— Não, estou sem sono — responde ela, e cruza os braços
como uma menina malcriada. — Me conta uma história.
— Deita logo.
— Não.
Ela está determinada, então eu a obrigo a se deitar e me
sento a seu lado, me recostando na cabeceira da cama.
— Me conta uma história — insiste ela, virando para mim
e abraçando minha barriga.
Eu deixo, porque é bom demais tê-la junto de mim depois
de sentir tanta saudade. Faço cafuné, pensando no que
dizer.
Raquel não vai se lembrar disso amanhã; a liberdade de
poder lhe falar qualquer coisa me motiva, então começo:
— Era uma vez um menino que acreditava que seus pais
fossem o casal perfeito, que sua casa era o melhor lar do
mundo. — Sorrio. — Um garoto muito ingênuo.
O que estou dizendo? Por que é tão fácil me abrir com
ela?
Raquel se aproxima, roçando o nariz nas minhas costelas.— E o que aconteceu com ele?
— O menino admirava o pai. Ele era seu pilar, seu maior
exemplo. Um homem forte, bem-sucedido. Tudo era
perfeito, talvez até demais. O pai viajava muito a trabalho,
deixando os filhos e a esposa sozinhos com frequência. —
Fecho os olhos, respirando fundo. — Um dia, o garoto voltou
mais cedo da escola, depois de tirar uma excelente nota
numa prova difícil de matemática. Subiu correndo à procura
da mãe, queria que ela ficasse orgulhosa dele, mas quando
entrou no quarto dela…
Lençóis brancos, corpos nus.
Afasto essas imagens da mente.
— A mãe estava na cama com outro homem. Depois
disso, tudo virou explicações sem sentido, súplicas e
lágrimas, mas para o menino tudo soava muito distante; sua
mente estava em outro lugar, a imagem do seu lar, da
família perfeita, desvaneceu-se diante de seus olhos,
independentemente do que a mãe lhe dissesse.
Eu me detenho, com esperança de que Raquel já tenha
adormecido, mas não.
— Continue, quero saber o que aconteceu depois.
— Ele contou o que viu a seu irmão mais velho, e os dois
esperaram que o pai chegasse para lhe contar. Depois de
muitas discussões e ameaças vazias, o pai perdoou a
esposa. Os dois meninos viram o pai ceder, esquecer o
orgulho, chorar desiludido na escuridão de seu escritório.
Aquele homem tão forte, um herói para seus filhos, estava
ali tão frágil e ferido. Desde aquele dia, o pai os fez lembrar
incansavelmente de que a paixão os torna fracos. O menino
aprendeu a não confiar em ninguém, a não se apegar, a não
dar a ninguém o poder de fragilizá-lo, e assim cresceu e
espera ficar sozinho para sempre. Fim.
Olho para a garota ao meu lado, e seus olhos estão
fechados. Ainda assim, ela responde:
— Que final triste.
— A vida pode ser mais triste do que parece.— Não gostei desse final — diz ela, grunhindo. — No meu
final, vou imaginar que ele conheceu alguém, se apaixonou
e viveu feliz para sempre.
Caio na risada.
— Lógico que você ia imaginar isso, bruxa.
— Estou com sono.
— Durma.
— Ares?
— Quê?
— Você acha que o amor é uma fraqueza?
Sua pergunta não me surpreende.
— Tenho certeza.
— É por isso que nunca se apaixonou?
— Quem disse que nunca me apaixonei?
— Já se apaixonou?
Suspiro e olho para ela.
— Acho que sim.
A respiração dela fica mais fraca, os olhos se fecham.
Raquel adormece, e eu sorrio feito um idiota, observando-a.
Vê-la dormir me enche de paz.
O que você está fazendo comigo, bruxa obcecada?

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