RAQUEL
Vocês se lembram do desconforto que senti no café da
manhã daquele dia com os amigos de Ares?
Bom, estou sentindo algo parecido, mas muito pior.
Samy passa do meu lado e vai cumprimentando todo
mundo. Com as mãos na frente do corpo, entrelaço os
dedos e dou uma olhada em Ares, que agora também está
cumprimentando todo mundo.
E eu?
Odeio essa sensação de ser invisível, de as pessoas
agirem como se eu não existisse ou não estivesse parada
diante delas. Principalmente esse bando de riquinhos
acostumados a olhar os outros com ar de superioridade, a
julgar a roupa que você usa, se é de marca ou se está na
moda. E não, não estou generalizando, há muitas pessoas
com dinheiro que são humildes, como Dani e Apolo, mas
uma olhada superficial já basta para eu perceber como as
garotas desse grupo avaliam em detalhes minha roupa e
fazem caretas. E os garotos? Só me observam julgando se
sou bonita o suficiente para eles falarem comigo. Ser a
única menina latina entre todos só piora meu
constrangimento.
Sinto como se tivessem se passado anos, quando na
verdade foram só alguns segundos em que estou parada
aqui feito uma idiota. Tenho que me obrigar a não sair
correndo, para fugir de todos esses olhares inquisidores, e
aperto minhas mãos de nervoso.
Queria poder dizer que é Ares quem se vira e vem até
mim, mas não é. Samy foi a única que se comoveu com minha situação lamentável.
— Vem, Raquel, deixa eu te apresentar.
Forço um sorriso simpático enquanto ela me apresenta a
todos. Há três garotas, a de cabelos pretos se chama
Nathaly, a loura a seu lado é Darla, e a outra é aquela
menina que vi na festa do time de Ares e que tomou café da
manhã conosco há algumas semanas. O nome dela é
Andrea. Há outros dois garotos, além de Gregory, Luis e
Marco. Um louro de feições árabes, que se apresenta como
Zahid, e um menino de óculos que se chama Óscar. Sei que
é possível que eu não vá lembrar esses nomes todos, mas
não importa.
Dou uma olhada em Ares, que foi se sentar perto de
Nathaly do outro lado da mesa. Tenho que me contentar em
ficar ao lado de Samy, que foi a última a se sentar; antes
dela está Óscar, e eles parecem estar falando sobre algum
show. Fico igual a uma trouxa olhando Ares, que continua
conversando animadamente com Nathaly.
Meu estômago se contrai com o peso da decepção. Foi
para isso que você me trouxe aqui, deus grego? Para me
deixar de lado e se divertir com crushes do passado?
Baixando os olhos, vejo um copo na mesa à minha frente e
luto contra a amargura em meu peito, um sentimento que
me causa um aperto e muita angústia.
Dói muito…
Criei tantas expectativas para esse encontro, meu
primeiro com ele. Pintei tantos cenários diferentes na
cabeça, desde cenas românticas até uma simples ida ao
cinema, quem sabe até só ficar no carro dando umas voltas
pela cidade e conversando.
Mas não foi nada disso que aconteceu.
Aqui estou, sentada, e ele lá do outro lado da mesa,
distante de mim como no início de tudo. Quanto mais perto
eu chego dele, mais a distância aumenta.
A tristeza é devastadora, e eu me esforço para impedir
que lágrimas brotem em meus olhos. Todos ao redor estão conversando, rindo, compartilhando histórias, e eu estou
sozinha. É como se estivesse apenas assistindo à cena de
fora.
Este é o mundo dele, a zona de conforto dele, não a
minha. E Ares me deixou sozinha, sem a menor
preocupação. Ele nem me olha, nem sequer uma vez. Já não
consigo conter as lágrimas. Com a visão borrada, olho para
minhas mãos no colo, a saia que escolhi com tanto cuidado.
Para quê?
Levanto-me e Samy se vira para mim, mas apenas
sussurro:
— Vou ao banheiro.
Passando em meio a uma multidão dançando, deixo as
lágrimas escorrerem pelo rosto. Sei que todos estão muito
ocupados se divertindo e nem vão reparar em mim. A
música vibra e só diminui quando chego ao banheiro. Entro
numa cabine e me permito chorar em silêncio. Preciso me
acalmar, não quero ser a dramática que faz cena pelo que
considerariam ser uma bobagem. A questão é que esse
encontro significava muito para mim, e a decepção me dói
demais.
Eu devia ir embora.
Mas como?
O lugar fica afastado da cidade. Um táxi seria uma
fortuna, e não quero incomodar a Dani de novo. Sei que ela
viria sem se queixar, mas não quero atrapalhar sua noite, já
a incomodei demais. Talvez eu só deva aguentar até todo
mundo se cansar e logo iremos embora.
Respirando fundo, saio da cabine do banheiro. Para minha
surpresa, a garota de cabelos pretos, Nathaly, está parada
em frente ao espelho, com os braços cruzados, como se
estivesse me esperando.
— Está tudo bem?
— Sim.
— Adoraria dizer que você é a primeira garota que vejo
chorando por causa do Ares. — Ela suspira com tristeza,como se já tivesse passado por isso. — Mas não seria
verdade.
— Estou bem — afirmo, lavando o rosto na pia.
— Certo, então, pequena obcecada.
Sinto um aperto no peito.
— Como foi que você me chamou?
— Pequena obcecada — repete, cruzando novamente os
braços. Fico petrificada e ela percebe. — Ah, sim, todos nós
sabemos das suas habilidades em perseguir o Ares. Ele
sempre contava, morrendo de rir, que a coitada da vizinha
tinha uma obsessão inacreditável por ele.
Ai…
Preciso sair daqui.
Fugindo do banheiro, tento mais uma vez conter as
lágrimas. Quero sair desse lugar, preciso de ar fresco, de
algo que aplaque minha tristeza. Sei que Nathaly só queria
me ferir, me tirar do seu caminho, mas isso não significa
que suas palavras não tenham me machucado, porque a
verdade é que Ares não me deu bola hoje e acho uma
crueldade ele ter contado para os amigos sobre minha
obsessão por ele.
Saio do bar e o frio do outono me atinge; com as mãos
tremendo, pego o celular e ligo para Dani. Meu coração
dispara quando me dou conta de que o telefone dela está
desligado. Há algumas pessoas do lado de fora, fumando e
conversando. Abraçando meu corpo para espantar o frio,
desço a rua e continuo tentando o número de Dani, com a
esperança de que ela me atenda logo.ARES HIDALGO
Nathaly continua me contando sobre uma de suas viagens,
mas estou distraído. Raquel está demorando muito no
banheiro. Será que ela está bem? Talvez a fila esteja
grande. Se bem que Nathaly foi ao banheiro há pouco
tempo e já voltou.
Interrompo sua história.
— Você viu a Raquel no banheiro?
Nathaly assente.
— Vi, sim. Ela estava lavando o rosto, mas logo a perdi de
vista.
Sorrio para ela, olhando para onde Raquel deveria estar
sentada. Alguma coisa está errada. Talvez eu esteja
paranoico, mas estou com uma sensação estranha no peito.
Vou até Samy.
— Pode vir comigo para ver se Raquel está bem? Ela está
demorando muito no banheiro.
— Sim, vamos. Eu estava me perguntando a mesma coisa.
Quando chegamos aos banheiros, Samy entra e eu fico
esperando do lado de fora. Então ela sai com uma cara
assustada.
— Está vazio.
Sinto um aperto no peito e sei que é preocupação.
— Então cadê ela?
Foi embora…
Essa ideia atravessa minha mente, mas eu ignoro. Por que
ela iria embora? Não, ela não iria, não teria com quem ir, e
não teria razão para isso. Ou teria?
Samy nota minha expressão confusa.
— Talvez esteja do lado de fora ou na varanda, tomando
um pouco de ar fresco.
Sem pensar duas vezes, deixo Samy e procuro Raquel por
todo canto.Não está.
O desespero me domina quando minha mente começa a
analisar cada detalhe da noite, seu olhar nervoso, a forma
como mexia os dedos, de pé diante de todo mundo. E logo
depois, quando se sentou ao lado de Samy e ficou me
procurando com o olhar, havia um evidente vislumbre de
decepção e tristeza em seus lindos olhos. Como não
percebi? Como ignorei todos esses sinais e não fiz nada?
Porque você é um idiota que não está acostumado a
pensar nos outros.
Sem fôlego, saio do bar, meus olhos procurando
desesperadamente a garota que faz meu coração disparar
dessa maneira. Fico torcendo para que ela não tenha ido
embora, mas não poderia julgar se ela tiver ido. Estraguei
tudo de novo.
Nas laterais do bar, só há duas ou três pessoas fumando.
Dou uma olhada nos dois lados da rua: está vazia.
Não…
Ela não pode ter ido embora. Com quem?
Sei que se não conseguir encontrá-la, eu a perderei. Ela já
perdoou tanta coisa que fiz… E sei que seu coração — por
maior que seja — não poderá me perdoar de novo.
Passando a mão pelos cabelos, disponho-me a dar uma
última olhada no meu entorno, procurando-a.
Raquel, onde você está?