ARES HIDALGOA primeira coisa que sinto ao acordar é algo quente ao meu
lado; o contato da pele no meu braço me pega de surpresa,
então me viro e a vejo.
Os olhos fechados, os longos cílios repousando nas maçãs
do rosto, a boca fechada enquanto respira lentamente pelo
nariz. Ela parece tão delicada e frágil. Um nó fecha minha
garganta, tornando impossível respirar. Eu me levanto da
cama, me afastando dela, quase hiperventilando.
Eu preciso sair daqui.
Eu preciso ficar longe dela.
O que eu tinha na cabeça?
Pegando minhas roupas do chão, rapidamente coloco
minha boxer e o short. Saio do meu quarto com cuidado
para não acordá-la, não quero encará-la, não posso
enfrentar suas expectativas e partir seu coração de novo.
Não posso fazê-la chorar e vê-la se afastar de mim, não
outra vez.
Então volta lá.
A voz da minha consciência me censura, mas também
não posso fazer isso. Não sou o que ela espera ou o que ela
precisa. Não posso brincar de relacionamento com alguém
quando não acredito nessa merda, porque mais cedo ou
mais tarde vou acabar machucando essa garota, vou fazê-la
sofrer, e ela não merece isso.
Se eu sei que não posso dar o que ela quer, por que
continuo a atraindo para perto de mim? Por que não a deixo
ir? Porque eu sou um egocêntrico maldito, é por isso, porque
só de imaginá-la com outra pessoa meu sangue ferve. Não posso ficar com ela, mas também não quero que ela fique
com mais ninguém. Desço as escadas correndo e pego as
chaves do carro.
Corra, seja o covarde egoísta que você é.
Estou prestes a agarrar a maçaneta da porta quando ouço
alguém pigarrear. Eu me viro e vejo Ártemis sentado com
roupas esportivas. Ele deve ter ido fazer exercícios cedo.
— Aonde você está indo vestido desse jeito?
E é então que percebo que estou apenas de short, não
coloquei nem os sapatos.
— A lugar nenhum — respondo rapidamente, devolvendo
as chaves ao lugar. Não quero parecer idiota.
— Fugindo?
— Não, só estou meio dormindo ainda.
Ártemis me lança um olhar incrédulo, mas não diz mais
nada, e quando Claudia me pergunta o que dizer a Raquel,
só consigo sussurrar:
— Diga a ela que eu tive que sair e só volto tarde. —
Aperto as chaves na mão. — Fala para ela ir para casa.
Dou as costas para os dois e saio de casa, entro no carro,
mas não dou a partida, só apoio a testa no volante. Não sei
quanto tempo passa, mas quando ergo o olhar, eu a vejo.
Raquel…
Saindo da casa, o vestido amassado e ainda úmido da
noite anterior, o cabelo em um coque bagunçado. Meu
coração se despedaça. Ela estremece, enxugando as
bochechas molhadas. Está chorando.
Ah, Deus, o que você está fazendo, Ares?
Meus olhos descem até os pés dela e noto que está
descalça, provavelmente não encontrou as sandálias e não
quis ficar para procurá-las. Não consigo parar de observá-la
enquanto ela se afasta devagar. Aperto minhas mãos.
Quase saio e corro até ela, mas minha mão fica paralisada
na maçaneta da caminhonete. O que vou dizer a ela? Como
me explicar? Eu sei que se a perseguir, só vou machucá-la
ainda mais com minhas palavras.Fico parado, sem me mexer, sem falar nada. Não sei
quanto tempo se passa até eu finalmente sair do carro, com
os olhos na rua vazia por onde Raquel foi embora. Por que
não consigo dizer nada? Por que não falo o que sinto por
ela? Por que todas as palavras ficam presas na minha
garganta? Por que estou tão ferrado?
Como se a vida quisesse me dar respostas, um veículo
preto blindado surge ao meu lado, o vidro traseiro está
abaixado e o cheiro de perfume caro atinge meu nariz.
— O que está fazendo aqui fora, querido? — pergunta
minha mãe, e respondo com um sorriso falso.
— Eu só fui correr.
— Esportista como sempre. Venha para casa, senti
saudade de vocês.
— Óbvio que sentiu.
Ela decide ignorar meu sarcasmo.
— Vamos.
O vidro sobe e o carro continua seu caminho até a
garagem. Com o coração pesado, dou uma última olhada na
rua por onde Raquel seguiu e volto para casa.
É o melhor, repito mil vezes na minha cabeça.
Tenho que cumprimentar meus pais, as pessoas que me
fizeram ser quem eu sou, os culpados de eu não poder dizer
à garota que acabei de perder o que sinto por ela e que é a
primeira vez que me sinto assim.
— Que merda! — Soco o ar de tanta frustração e entro em
casa.