— Preciso que você seja meu freio de mão.
Dani me olha espantada.
— Seu o quê?
— Meu freio de mão… como o dos carros, um último
recurso de segurança para quando eu perder o controle, ou
melhor: o autocontrole…
— Ah, para — interrompe Dani. — Em primeiro lugar, essa
é a pior analogia que você já fez, sério mesmo, e olha que
você já fez várias péssimas. — Abro a boca para me
defender, mas ela continua: — Segundo, você quer que eu
te controle toda vez que te der vontade de abrir as pernas
para o Ares, certo, já entendi. Não precisa de tantos rodeios
ou analogias ruins para me pedir isso.
— Minhas analogias são as melhores.
Ela revira os olhos, levantando-se. Estamos no seu quarto,
viemos aqui para bater papo depois da escola. Hoje é
segunda-feira, e a semana já começou com tudo. Estou
exausta. Por que preciso estudar? Por quê?
Para o seu futuro, quase posso escutar na cabeça a voz
mal-humorada da minha mãe. Dani volta para a cama com
seu celular na mão.
— Já sei toda a história do Ares, mas tem uma coisa que
não entendo.
— O quê?
— Hoje você ficou o tempo todo evitando o Yoshi na
escola, como se ele tivesse uma doença contagiosa. Por
quê?
Desabo na cama, ainda abraçada com o travesseiro.
— Essa parte do fim de semana eu talvez tenha omitido.Dani se deita junto comigo e se vira para mim.
— O que houve?
Fico encarando o teto por um momento, sem dizer nada, e
Dani parece entender tudo.
— Ele finalmente te contou que gosta de você?
Eu viro para ela tão depressa que meu pescoço chega a
doer um pouco.
— Você sabia?
— Todo mundo sabia, menos você.
Dou um soco no travesseiro.
— Mas como assim? Por que você não me contou?
— O segredo não era meu para eu contar.
Volto a olhar para o teto.
— Bom, ele me contou ontem à noite e… me beijou.
— Ahhhhh! — Dani se senta na cama de um pulo. — Por
essa eu não esperava! Como é que foi? Você gostou?
Retribuiu o beijo? Foi de língua? O que você sentiu? Quero
detalhes, Raquel, detalhes!
Reviro os olhos, sentando-me também.
— Foi… tudo bem.
Dani ergue a sobrancelha.
— Tudo bem? Só isso?
— O que você quer que eu diga? Ele… Ele esteve aqui
esse tempo todo… cheguei a ter uns sentimentos platônicos
por ele. Nunca imaginei que ele gostasse de mim… e beijá-
lo foi gostoso, mas foi… irreal. Não sei explicar direito.
— Você gostou, mas não foi tão incrível quanto beijar
Ares.
— Foi diferente…
— Você está ferrada, Raquel. Está completamente
apaixonada pelo Ares.
Baixo a cabeça sem poder negar. Dani passa o braço
pelos meus ombros para me dar um abraço.
— Está tudo bem. Sei que dá medo gostar tanto de
alguém, mas vai dar tudo certo.
— Não sei o que dizer ao Yoshi. — A verdade. Diga que neste momento você não está
pronta para tentar nada com ninguém. Conta que gosta de
outra pessoa e talvez não seja correspondida, mas nem por
isso pode mudar seus sentimentos de uma hora para outra.
Diga que não quer usá-lo.
— Eu não deveria ter retribuído o beijo.
— E eu não deveria ter comido aquele hambúrguer tão
tarde, mas todo mundo comete erros.
Desato a rir, me afastando dela.
— Você comeu hambúrguer sem mim?
Seu celular apita com uma mensagem. Empolgada, ela vai
conferir de quem é, e um sorriso bobo a invade.
— Ok, esse sorriso é suspeito.
Ela pigarreia.
— Não é, não.
— Com quem você está falando?
Ela põe o celular no colo com a tela virada para baixo.
— Só um amigo.
Luto com ela e arranco o celular de suas mãos. Tento ler
as mensagens, mas ela me ataca e eu saio correndo do
quarto. Descalça, atravesso o corredor e esbarro em seu
irmão, Daniel, na escada. Ele está de uniforme da escola.
— Raquel, o que…?
Escuto a voz de Dani longe do corredor.
— Daniel! Segura ela!
Desço a escada ainda mais depressa e paro de repente lá
embaixo, de forma tão abrupta que quase caio.
Ares.
Ele fica igualmente surpreso ao me ver.
Está usando o elegante uniforme preto de sua escola,
assim como Daniel. Está sentado no sofá, com os cotovelos
apoiados nos joelhos, inclinado para a frente.
Reaja, Raquel.
Recupero a compostura e dou um sorriso simpático.
— Oi. Ele retribui o sorriso, mas não é apenas simpático, é
aquele sorriso encantador de sempre.
— Oi, bruxa.
E logo meu coração dispara feito louco.
— Raquel! — Dani aparece atrás de mim e congela como
eu ao ver nossa visita inesperada. — Ah, oi, Ares.
Ele apenas sorri.
Daniel chega para nos salvar do clima pesado.
— Aqui estão as anotações — diz ele, entregando um
caderno para Ares.
Sua mera presença faz estragos em mim. Ares aperta a
mão de Daniel.
— Obrigado, já estou indo. — Seus olhos me encontram e
eu engulo em seco. — Você vai agora, Raquel?
— Eu?
— Posso te levar, se você quiser.
Esses olhos lindos…
Esses lábios…
Quero gritar que não, quero rejeitá-lo, mas as palavras
ficam entaladas. Dani se mete na minha frente.
— Não, ela não vai agora, vamos terminar umas coisas.
Eu olho para ela confusa, e ela me diz, baixinho:
— Freio de mão.
Isso me faz sorrir.
Ares me dá uma olhada antes de sair.
— Uau, isso foi interessante — comenta Daniel, virando-se
para nós duas. — Que tensão.
Dani assente.
— Tensão sexual pesada, maninho. Acho que todo mundo
ficou meio constrangido.
Daniel ri, e eu lanço para os dois um olhar fulminante.
O celular nas minhas mãos apita com uma mensagem, e
eu me lembro do que estava fazendo antes de o deus grego
aparecer e me tirar dos eixos. Corro escada acima, com
Dani me perseguindo. Tranco-me no banheiro do quarto dela, o que faz com que eu me sinta estúpida, porque
deveria ter feito isso desde o início.
Confiro as mensagens e meu queixo quase cai no chão.
São de Apolo. Pelo visto, faz tempo que eles estão se
falando, trocando mensagens de bom-dia e boa-noite.
— Posso explicar.
Caio na gargalhada.
— Apolo? Ai, Deus, eu realmente amo o carma.
Dani cruza os braços.
— Não sei o que você está pensando, mas está enganada.
— Você está flertando com ele! Está gostando dele!
— Óbvio que não! Está vendo? Por isso não queria te
contar, sabia que você teria uma ideia errada. Ele é uma
criança.
— Não é criança nada, Dani, e você sabe disso, mas gosta
de instigá-lo. Quer que ele te prove que já é homem — digo,
segurando-a pelos ombros. — E que te agarre e te beije com
tanta paixão que sua calcinha chegue a deslizar até o chão.
Ela dá um tapa nas minhas mãos, tirando-as de seus
ombros.
— Para de falar bobagem. Eu não gosto dele e fim de
papo.
— Um mês.
— O quê?
— Dou um mês para você chegar aqui com o rabo entre
as pernas, admitindo que não resistiu. Não é fácil dizer não
aos Hidalgo, pode acreditar.
— Eu me recuso a continuar falando disso.
— Pois então não fale, só escute — digo, pondo as mãos
na cintura. — Apolo não é uma criança. Você só é dois anos
mais velha que ele. E Apolo é muito maduro para a idade
que tem. Se você gosta dele, por que vai ter esses
preconceitos? Nunca ouviu que no amor não existe isso de
idade?
— Sim. Sabe de quem escutei isso? Do pedófilo lá da
esquina. — Não exagera.
— Chega… vamos esquecer essa história.
— Não precisa mentir para mim. Você sabe disso, não
sabe? Consigo sacar com muita clareza o que está
acontecendo com você.
— Eu sei, mas não quero falar sobre isso… Não quero
tornar essa situação real.
— Ah, minha querida freio de mão, já é real.
Dani joga um travesseiro em mim e logo parece se
lembrar de algo.
— Ah! Olha, encontrei o celular antigo de que falei.
Ela me dá um aparelho pequeno, a tela é de luz verde e
só mostra a hora. Dani solta uma risada nervosa.
— Só serve para ligações e mensagens, mas já é alguma
coisa.
— Está ótimo!
Pelo menos vou poder me comunicar, embora parte de
mim fique triste por ter perdido meu iPhone. Trabalhei e fiz
tantas horas extras para juntar dinheiro para comprá-lo… Eu
me lembro das palavras de Ares quando fui lhe devolver o
telefone: Sei que foi você que comprou, com o seu dinheiro,
trabalhando. Sinto muito não ter conseguido evitar que te
roubassem, mas posso te dar outro. Deixa eu te dar outro,
não seja orgulhosa.
Seu gesto foi tão lindo…
E logo depois ele foi tão idiota…
Nunca pensei que existisse alguém que pudesse ser as
duas coisas ao mesmo tempo, mas Ares conseguiu me
surpreender.
Me despeço de Dani para ir à operadora colocar meu
número nesse aparelho. Acho essas burocracias chatas, mas
não tenho escolha. Todo mundo tem esse número, não
quero trocar.
Ares tem esse número.
Mas isso não importa, certo? Depois de desperdiçar duas horas da minha vida, volto
para casa. Já está anoitecendo, e meu celular não parou de
apitar com todas as mensagens recebidas. Sorrio ao ver
uma de Apolo me convidando para a festa em sua casa há
quase duas semanas. Como eu gostaria de ter lido essa
mensagem no dia…
Há várias mensagens dramáticas de Carlos, como sempre,
e algumas antigas de Dani e Yoshi, de antes de saberem
que eu tinha perdido o celular.
Nada de Ares…
E você esperava o quê, Raquel? Ele foi o primeiro a saber
que roubaram seu telefone.
Fecho a porta, bocejando.
— Cheguei!
Silêncio.
Ponho os pés na sala e me surpreendo ao encontrar Yoshi
e minha mãe sentados no sofá. Yoshi ainda está de
uniforme. Veio direto da escola? Por quê?
— Ah, oi, não esperava te ver aqui — digo com
sinceridade.
Mamãe está com um semblante extremamente sério.
— Onde você estava?
— Na casa da Dani, e depois fui à loja da operadora de…
— Paro de falar porque a expressão deles me assusta. —
Está acontecendo alguma coisa?
Yoshi baixa a cabeça, e minha mãe se levanta.
— Joshua, pode ir. Tenho que conversar com minha filha.
Minha expressão confusa faz Yoshi murmurar algo ao
passar a meu lado.
— Desculpa.
Fico olhando enquanto ele sai. Ao me virar, minha mãe
está bem na minha frente.
— Mãe, o que está acon…?
A bofetada me pega de surpresa, ecoando por toda a
pequena sala. Atordoada, ponho a mão na bochecha latejante. Meus olhos se enchem de lágrimas. Minha mãe
nunca tinha me batido.
Seus olhos estão vermelhos, segurando o choro.
— Estou tão decepcionada… O que passou pela sua
cabeça?
— Do que você está falando? O que Yoshi te contou?
— Do que estou falando? De minha filha sair por aí
transando sem responsabilidade nenhuma!
— Mãe…
Os olhos dela se enchem de lágrimas, e isso parte meu
coração. Ver minha mãe chorar é simplesmente devastador.
— Te dei tanta confiança e liberdade, e é assim que você
retribui?
Não sei o que dizer, apenas baixo a cabeça,
envergonhada. Eu a escuto respirar fundo.
— Você melhor do que ninguém sabe o que passei com
seu pai. Viveu isso comigo! Pensei que ao menos tiraríamos
uma coisa boa dessa situação, que com meus erros você
aprenderia a ser uma jovem inteligente que sabe se
valorizar. — Sua voz falha. — Que não seria como eu.
Irrompo em soluços, porque realmente não tenho como
me justificar. Levanto o rosto e sinto um aperto no coração.
Minha mãe está com a mão no peito, como se tentasse
aliviar a dor.
— Desculpa, mãe… mil desculpas.
Ela balança a cabeça, enxugando as lágrimas.
— Estou tão decepcionada, filha…
Eu também, mãe, eu também estou decepcionada comigo
mesma.
Ela se senta na poltrona.
— Isso me dói tanto… Pensei que havia te educado
melhor, pensei que éramos unidas.
— Somos unidas, mamãe.
— Onde foi que eu errei? — pergunta ela, e algo dentro de
mim se despedaça. — Onde falhei? Eu me ajoelho diante dela e seguro seu rosto com as
mãos.
— Você não errou em nada, mamãe, em nada. É culpa
minha.
Ela me puxa e me abraça.
— Ah, minha menina.
Ela beija minha cabeça e continua chorando.
Meu coração está tão apertado que só me resta chorar
junto.