ARES HIDALGO
Observá-la dormindo me relaxa.
Me traz uma sensação de paz, de segurança, que nunca
pensei que alguém pudesse me proporcionar. Passo com
delicadeza as costas da mão por sua bochecha, não quero
acordá-la, embora eu saiba que para isso ela precisaria de
muito mais do que um simples toque. Raquel está esgotada.
Eu a deixei exausta. Um sorriso arrogante se forma em
meus lábios, e eu gostaria que ela pudesse vê-lo para
debochar de mim, como sempre faz.
Sei que diria algo como “deus grego arrogante”.
Ela é tão linda e indefesa quando está dormindo… Sua
transparência, a facilidade com que posso lê-la, é uma das
coisas que mais me atraem nela. Não tenho que me
preocupar com motivos ocultos, mentiras ou falsidade. Ela é
verdadeira e muito sincera sobre tudo que sente. É
exatamente disso que sempre precisei.
Clareza, honestidade.
É o único jeito de eu confiar e me expor dessa maneira,
que me permitiu seguir meus sentimentos, libertá-los e abrir
meu coração para ela.
Chego mais perto e dou um beijo em sua testa.
— Te amo.
Ela se mexe um pouco, mas continua dormindo. Observá-
la dormir faz com que eu me sinta meio perseguidor, e isso
me faz lembrar nosso início.
Minha bruxinha obcecada.
A menina que achava que me perseguia em segredo,
todas aquelas vezes que fingi não saber que ela estava me observando.
Uma batida na porta me traz de volta à realidade. Cubro
Raquel com o lençol e vou me vestir depressa, mas não
encontro minha blusa. Então abro a porta assim mesmo.
Duas meninas. Sei que são primas da Raquel, mas não
lembro os nomes. Ficam petrificadas quando me veem. Elas
me examinam de cima a baixo descaradamente.
— É, bem… — Uma delas enrubesce, trocando um olhar
com a outra. — Meu Deus, que gato!
— Cecilia!
Cecilia morde o lábio.
— Só estou dizendo a verdade, Camila, ele sabe que é
gato, então por que fingir que não estamos deslumbradas?
Ignoro o elogio.
— Imagino que vocês sejam as primas que dormiriam no
quarto da Raquel.
Camila assente.
— Sim, desculpa interromper.
Sorrio para ela.
— Tudo bem, podem entrar. — Chego para o lado, dando
passagem. — Eu já estava indo embora, só preciso
encontrar minha camisa.
Cecilia me segue dentro do quarto.
— Para quê? Você está ótimo assim.
Camila a segura.
— Cecilia! — exclama, e me dá uma olhada pedindo
desculpa. — Foi mal, a Ceci bebeu muito.
— Sem problemas.
Pego minha camisa no chão e dou um beijinho na
bochecha da Raquel. Visto a roupa e olho para as duas
garotas.
— Não a acordem, ela está exausta. Foi um dia agitado
para ela.
Camila faz que sim.
— Pode deixar.
— Boa noite. — Saio e desço a escada.— Ares.
Paro e me viro para ver quem me chama.
Cecilia vem lentamente na minha direção, sorrindo.
— Eu…
Minha voz assume seu tom gélido usual, defensivo.
— O quê?
— Não entendo… Você e ela, não faz sentido.
Essa garota não tem ideia do quanto posso ser frio e
brutalmente sincero. Ela só viu meu lado gentil, que aparece
apenas com Raquel e ninguém mais.
— Você não tem que entender nada, não é da sua conta.
— Eu sei… — Ela dá outro passo em minha direção. — Mas
é que você é tão perfeito… e ela é tão…
— Para — interrompo. — Muito cuidado com o que você
vai dizer sobre ela.
— Eu não ia dizer nada de ruim.
— Sinceramente, não tenho o menor interesse na sua
opinião. Boa noite.
Eu a deixo boquiaberta e vou embora.***
— Por que você não me contou? — pergunta Raquel,
irritada, as mãos na cintura. — Ares?
— Não sei.
As más notícias haviam chegado de várias formas: e-mails
e cartas de recusa. A principal razão era que já tinha
acabado o prazo e as bolsas de estudo haviam sido
preenchidas por outros alunos que cumpriram o
procedimento a tempo.
Raquel ficou sabendo por Apolo, porque eu não contei a
ela quando comecei a receber as respostas. Não sabia como
dizer isso; eu já tinha perdido a esperança, mas ela não, e
eu não queria deixá-la frustrada.Não posso mentir, fiquei muito triste com a recusa. Meu
único consolo é saber que pelo menos poderei estar na
mesma universidade que ela. Serei infeliz estudando algo
que não quero, mas pelo menos estarei a seu lado.
— Está chateada comigo?
Raquel suspira e põe as mãos ao redor do meu pescoço.
— Não — responde e me dá um beijo rápido. — Sinto
muito que não tenha dado certo, mas ainda temos o que
reunimos nos últimos meses, logo vamos pensar em alguma
coisa.
— Raquel…
Ela me encara.
— Não, nem pense em desistir.
— Acha que quero desistir? Mas também não podemos
nos agarrar a falsas esperanças.
— Tentou falar com seu avô?
— Para quê? Ele já me disse que não se intrometeria entre
mim e meu pai.
— Fala com ele de novo.
— Não.
— Ares, é seu último recurso. Por favor, tenta de novo.
Suspiro.
— Não quero ser rejeitado mais uma vez — admito,
baixando a cabeça.
Raquel segura meu rosto, forçando-me a olhar para ela.
— Vai ficar tudo bem. É uma última tentativa.
Eu a beijo novamente, com meus dedos deslizando
devagar por suas bochechas. Quando me afasto, abro um
sorriso.
— Última tentativa.
Saio da casa dela e vou para minha.
* * *