A volta não é tão desconfortável quanto eu esperava, mas,
mesmo assim, estou nervosa, com as mãos tremendo. Parte
de mim ainda não consegue acreditar que estou
caminhando ao lado de Ares. Me mantenho um passo atrás
dele para não ter que enfrentar seu lindo rosto que me
desarma. No entanto, meus olhos curiosos percorrem seus
braços definidos e suas pernas torneadas. Jogar futebol faz
bem para ele, deixa Ares com um porte atlético, uma
aparência forte. Fico admirando que nem boba e, quando
ele me pega olhando, baixo o rosto, envergonhada.
Ares se vira para me espiar com um sorriso atrevido que
me deixa sem ar.
Por que ele tem que ser tão absurdamente atraente? Por
quê?
Resmungando, passo o restante do caminho com o rosto
virado para a rua, e Ares, mexendo no celular. Ao
chegarmos à porta da minha casa, o clima fica meio
desconfortável. Ele para do meu lado e passa a mão no meu
cabelo.
— Você chegou à sua caverna, bruxa.
— Para de me chamar assim.
— É só você se pentear com mais frequência.
Golpe baixo.
Imediatamente passo os dedos por meus cabelos
embaraçados, tentando penteá-los.
— É culpa do clima.
Ares apenas sorri.
— Como queira — ele faz uma pausa —, bruxa.
— Muito engraçadinho.
Ares checa o celular como se estivesse vendo a hora.
— Entra logo, antes que sua mãe apareça e arraste você
para dentro.
— Minha mãe não faria isso. Ela sabe como eu sou —
rebato com arrogância. — Confia em mim.
E, como se tivesse me escutado, minha mãe grita lá de
dentro:
— Raquel? É você?
— Merda! — Entro em pânico. — Bem… foi divertido, boa
noite, tchau. — E saio andando.
— Não acabou de dizer que sua mãe sabe como você é?
— Raquel?
Eu me viro novamente para ele.
— Shhhh! — Faço um gesto com as mãos para que ele vá
embora. — Vai logo! Se manda!
Ares ri, mostrando seus dentes perfeitos. Tem um sorriso
lindo, que eu poderia ficar olhando a noite inteira, mas
minha mãe está a ponto de sair e armar um barraco. Ares
faz um joinha.
— Está bem. Vou indo, bruxa obcecada.
— Apelido composto agora?
Ele abre um sorriso arrogante.
— Sou muito criativo, eu sei.
— Eu também sou, deus grego. — Assim que o suposto
apelido sai da minha boca, eu me arrependo. Deus grego?
Sério, Raquel?
— Gostei.
Óbvio que gostou, seu arrogante!
— Raquel!
Viro de costas novamente, e desta vez ele não diz nada,
apenas se afasta enquanto eu abro a porta. Entro e me
encosto na porta, um sorriso estúpido invadindo meu rosto.
Passei um bom tempo com Ares, o garoto dos meus sonhos.
Ainda não consigo acreditar.
— Raquel Margarita Mendoza Álvarez!Você sabe que está ferrada quando sua mãe te chama
pelo nome completo.
— Oi, mãezinha linda — respondo com o sorriso mais
meigo que consigo esboçar.
Rosa María Álvarez é uma mulher trabalhadora, instruída
e dedicada, é a melhor pessoa que conheço, mas como mãe
pode ser bem rígida. Apesar de não passar muito tempo em
casa por conta do trabalho — é enfermeira —, quando está
gosta de controlar tudo e manter a ordem.
— Nada de mãezinha linda — diz ela, com o dedo
apontado. — São dez da noite. Posso saber onde você
estava?
— Pensei que tivéssemos combinado que eu poderia
chegar até as onze durante o verão.
— Só no fim de semana — recorda ela. — Desde que você
me diga onde e com quem está.
— Passei na padaria para comer um donut e…
— A padaria fecha às nove.
Pigarreio.
— Você não me deixou terminar. Fiquei do lado de fora da
padaria, comendo o donut.
— E espera mesmo que eu acredite nisso?
Ponho as mãos na cintura.
— Foi isso que aconteceu, mãe. Você me conhece. O que
mais eu poderia estar fazendo?
Deixando um garoto beijar meu pescoço no cemitério.
Minha mãe estreita os olhos, deixando-os bem
pequenininhos.
— É bom que você não esteja mentindo para mim, Raquel.
— Jamais faria isso, mãezinha. — Dou um abraço e um
beijo nela.
— Seu jantar está no micro-ondas.
— Você é a melhor mãe do mundo.
— E suba para dar um pouco de atenção ao seu cachorro.
Ele está se arrastando pela casa, deprimido.
— Ownnn! Está sentindo minha falta.— Ou com fome.
As duas coisas são possíveis.
Depois de esquentar e devorar minha comida, subo para o
quarto e Rocky sai correndo para me receber, quase me
derrubando. Ele não para de crescer.
— Oi, cachorrinho lindo, maravilhoso e peludinho. — Faço
carinho em sua cabeça. — Quem é o cachorrinho mais lindo
deste mundo? — Rocky lambe minha mão. — Isso mesmo, é
você.
Meu celular apita no bolso da jaqueta e, fechando a porta
do quarto com o pé, abro a mensagem. É de Joshua, meu
melhor amigo. Faz dias que não o vejo porque passei muito
tempo com a Dani, e os dois não se suportam.
Joshua BFF
Está acordada?
Sim. O que houve?
Ouço o toque de chamada e atendo depressa.
— Oi, Rochi — diz ele num tom empolgado.
Joshua sempre me chamou de Rochi, um apelido
carinhoso.
— Oi, Yoshi. — E eu o chamo pelo nome do dinossauro de
Super Mario.
Ele se parece com Joshua e é fofo. Não são os apelidos
mais adultos do mundo, mas em minha defesa devo dizer
que os escolhemos quando ainda éramos crianças.
— Antes de mais nada, a louca não está com você, né?
— Não, a Dani deve estar em casa.
— Finalmente. Você me abandonou, já estou até me
esquecendo da sua cara.
— Foram só quatro dias, Yoshi.
— É muito tempo. Enfim, o que acha de amanhã a gente
maratonar The Walking Dead?
— Só se você jurar que não viu os novos episódios sem
mim.
— Você tem minha palavra.
Ando pelo quarto.
— Combinado, então.
— Na minha casa ou na sua?
Olho o calendário na parede.
— Na minha. Minha mãe tem dois turnos seguidos
amanhã, e a minha TV é maior.
— Tudo bem, então. A gente se vê amanhã, Rochi.
— Até amanhã.
Sorrio para o telefone e me lembro daqueles momentos
em que eu pensava ter um crush em Joshua. Ele sempre foi
o único garoto com quem interagi e compartilhei as coisas.
Mas jamais me atreveria a pôr nossa amizade em risco, sem
nem ter certeza do que sentia. Joshua é um garoto
carinhoso, tímido e lindo; não extraordinário como Ares,
mas lindo do seu próprio jeito. Usa óculos e um boné virado
para trás que não tira nunca. Seu cabelo castanho rebelde
fica escondido ali.
Distraidamente, eu me aproximo da janela. Será que Ares
está ali no quintal roubando meu wi-fi? Meu coração dispara
só de imaginá-lo sentado na cadeira, com o notebook no
colo e aquele estúpido sorriso arrogante que lhe cai tão
bem. Mas, quando abro as cortinas, só vejo a cadeira vazia,
um pouco molhada da chuva da tarde.
Olho para a casa de Ares. Da minha janela, consigo vê-la
muito bem, já que ele sempre deixa as cortinas abertas, e
às vezes até acho que faz isso de propósito. Dou uma
olhada para sua janela. A luz está acesa, mas não o vejo.
Suspiro, decepcionada. Estou prestes a desistir quando ele
enfim aparece, tirando a camisa. Enrubesço imediatamente
ao ver aquele corpo definido.
Esse tanquinho sarado…Esses braços fortes…
Essas tatuagens…
Esse “V” saindo da calça…
De repente fico com muito calor.
Baixo os olhos, envergonhada, mas me pego dando uma
última olhada. Para minha surpresa, Ares está parado em
frente à janela, me encarando.
Merda!
Eu me jogo no chão e me arrasto constrangida para longe
da janela. Rocky inclina a cabeça, confuso.
— Não me julgue — digo, seriamente.
Meu celular apita, me dando um susto. Torço para que não
seja Ares, zombando de mim.
Nervosa, abro a mensagem.Ares <3
Gostou do que viu?Sorrio e respondo:
Não, só estava olhando a lua.
Não dá para ver a lua, está nublado.
Como sou idiota!
Só queria confirmar que nenhum
vizinho está roubando meu wi-fi.Seu sinal não chega aqui.
Mas, gente, ele sabe de tudo?Só estava conferindo.
Passa um tempo, e imagino que ele não responderá mais,
então tomo um banho e visto o pijama. Saio do banheiro,
seco o cabelo com a toalha e vejo uma nova mensagem no
meu celular.Ares <3
Por que não vem aqui para conferir melhor?A mensagem é de cinco minutos atrás e me pega de
surpresa. Ares quer que eu vá até a casa dele? A essa hora?
Por acaso ele… está me convidando para…
A toalha cai das minhas mãos.
Não.
Sou virgem, mas não sou estúpida, sei ler as entrelinhas.
Chega outra mensagem, me fazendo pular.Ares <3
É divertido assustar você. Boa noite, bruxinha
obcecada.Foi uma brincadeira?
Não acredito! Ares Hidalgo acaba de me chamar para ir
até seu quarto fazer sabe-se lá o quê. Foi um convite sutil,
mas mesmo assim. E o que mais me deixa confusa é o fato
de eu ter hesitado em vez de sair correndo até lá. Pelo visto,
sou muita falação e pouca ação, como diria Dani. Só falo,
falo, mas, quando chega a hora, dou para trás.
Ah, Raquel, sua idiota!
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