41 Um novo despertar

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Uma sensação de conforto e plenitude me preenche quando
abro os olhos e vejo Ares dormindo ao meu lado. Algo tão
simples como ele ser a primeira pessoa que vejo ao acordar
consegue causar tantas emoções em mim que me faz
suspirar e sorrir como uma idiota.
Ele está deitado de costas, o rosto levemente voltado
para mim. Seu cabelo preto está bagunçado, os longos cílios
acariciam as maçãs do rosto. Ele é tão lindo, mas sinto que
não enxergo mais só sua aparência, vi o garoto por trás
desse físico tão perfeito. O garoto que não sabe controlar
suas emoções, que tenta não demostrar fraqueza para
ninguém, que se mostra brincalhão quando não tem certeza
do que fazer e frio quando se sente propenso a se
machucar.
Qualquer um que conhecesse Ares diria que ele é um cara
perfeito. Quando na verdade, para mim, ele tem sido como
uma cebola.
Eu sei, é uma escolha de palavras estranha, mas muito
apropriada. Ares tem várias camadas, assim como uma
cebola, e eu, com tempo e paciência, fui tirando-as até
chegar ao garoto doce que ontem à noite disse que me
amava.
Não consegui dizer que o amava também. Por quê? Esta
luta interminável para chegar ao coração de Ares me
causou muito sofrimento. A cada camada que descascava,
perdia um pedaço de mim, das minhas crenças, do meu
amor-próprio. Ainda tenho feridas que não cicatrizaram.
Uma parte de mim permanece muito chateada, não com Ares, mas comigo mesma por tudo que me permiti perder
para ele.
Ele não deveria estar aqui; eu deveria tê-lo mandado à
merda há muito tempo. Porém, não consigo controlar meu
coração, não consigo mentir e dizer que não sinto nada por
ele, que não sinto um frio na barriga e paro de respirar
quando ele me olha com aqueles olhos incríveis. Não posso
dizer que não me sinto completa e feliz acordando ao seu
lado.
O amor é estúpido.
A tatuagem de dragão fica linda em sua pele lisa.
Inquieta, levanto a mão e traço o desenho com o dedo.
Meus olhos descem para seu braço, e não consigo evitar
observar seu abdômen. Em algum momento da noite, Ares
tirou o roupão e ficou apenas de boxer, e, para ser sincera,
não estou reclamando. O cobertor o cobre apenas da cintura
para baixo, e me sinto como uma pervertida lambendo os
lábios.
Meus hormônios estão à flor da pele. Não fosse pelo fato
de Ares ter parecido muito triste na noite anterior, eu não o
teria deixado passar a noite, porque é tentação demais para
meu pobre ser. Fico olhando para os lábios dele e me
lembrando daquela noite em que me fez sexo oral em sua
cama, como apertei o lençol, como gemi, qual foi a
sensação.
Chega, Raquel! Você vai acabar atacando o garoto.
1… 2… 3.
Vamos, autocontrole, preciso que você recarregue.
Fazendo muito esforço para conter meus hormônios, tiro
minha mão de seu corpo e suspiro. Isso vai ser mais difícil
do que eu pensava. Ares é provocante demais para o meu
gosto, mesmo dormindo, sem precisar fazer nada.
Acomodo-me e descanso a cabeça sobre a mão para
observá-lo como a obcecada que sou.
E então ele abre os olhos, surpreendendo-me. Meu Deus,
que olhos grandes. A luz do dia se reflete neles, e, com ele tão próximo, consigo ver o quão profundo e bonito é o azul
de seus olhos.
Fico parada, esperando sua reação. No quesito acordar
juntos, Ares não tem sido o melhor, fugiu nas duas vezes
em que isso aconteceu. É a primeira vez que acordamos
assim, literalmente um de frente para o outro. Por esse
motivo, eu me preparo para o pior.
Minha mãe costuma dizer que os pessimistas vivem
melhor porque estão sempre preparados para o pior, e,
quando o pior passa, a felicidade vem em dobro. Nunca
concordei com ela, mas hoje posso dizer que vejo algum
sentido nisso. Estou tão preparada para ver Ares se
levantando e dando desculpas para ir embora que, quando
ele não o faz, meu coração acelera.
E então o idiota do deus grego faz o que eu menos
espero.
Ele sorri.
Como se não fosse lindo o suficiente apenas se
levantando com o cabelo desgrenhado, parecendo
vulnerável, o tonto me oferece um sorriso tão genuíno que
sinto que vai me dar algo.
Felicidade em dobro.
— Bom dia, bruxa — sussurra ele, espreguiçando-se.
Fico olhando como uma tonta enquanto os músculos de
seus braços se contraem.
Nossa Senhora dos Músculos, criadora deste ser, tenha
piedade de mim.
Ares tira a coberta e se levanta. Ele está apenas de boxer,
então consigo ver muito mais do que deveria.
Ele se volta para mim, despenteando o cabelo.
— Posso usar seu banheiro?
Pode me usar, gato.
Raquel, se controla!
Apenas assinto enquanto meus olhos inquietos descem
até sua cueca e percebo que ele está duro.
— Meu Deus. — Eu coro, desviando olhar. Ares dá uma risada.
— É só a ereção matinal, relaxa.
Engulo em seco.
— Tudo bem.
— Por que você está vermelha?
— É sério que você está me perguntando isso? — Olho
para ele, mas fixo meu olhar em seu rosto.
Ele dá de ombros.
— É, você já viu ele antes, já sentiu dentro de você.
Fico sem saliva de tanto engolir.
— Ares, nem vem com essa.
Ele dá um sorriso torto.
— Por quê? Você fica excitada quando falo assim?
Fico.
— Óbvio que não, é só… inapropriado.
Os dedos dele brincam com o elástico da sua boxer na
cintura.
— Inapropriado? — Ele lambe o lábio inferior. —
Inapropriado é o que eu quero fazer com você. Que saudade
de te ouvir gemendo meu nome.
— Ares!
Ele levanta as mãos em sinal de paz.
— Está bem, vou ao banheiro.
Quando ele entra no banheiro e fecha a porta, finalmente
respiro. Depois de usar o do corredor e tentar arrumar o
desastre em que meu cabelo se transformou durante a
noite, volto para o quarto com a roupa seca de Ares nas
mãos e o encontro sentado na cama. Entrego-a para ele e
tento não olhar enquanto ele se veste, mas quando ele
puxa a calça, vejo aquela bunda e mordo o lábio.
— Gosto de te deixar sem graça, você fica tão fofa com o
rosto vermelho.
Eu coro ainda mais.
— Ainda me surpreende o quão instável você pode ser.
— Instável? De novo com isso?
— Sim. — E eu posso saber o que fiz hoje pra você me chamar
assim?
Listo com os dedos.
— Ontem à noite: romântico. De manhã: safado e zoeiro.
Agora: fofo.
Ele ri e se senta na cama para calçar os sapatos.
— Entendi seu ponto, mas a culpa é sua, você me faz
sentir muitas coisas. Então, eu reajo de forma diferente a
cada vez. Você me deixa instável.
Levanto uma sobrancelha, apontando para mim mesma.
— Como sempre, você vira o jogo.
Ele termina de ajeitar os sapatos e se levanta.
— Vai fazer alguma coisa hoje?
— Deixa eu ver na minha agenda.
— Ah, lógico.
— Eu realmente sou uma pessoa muito ocupada.
Ele caminha em minha direção, e eu dou um passo para
trás.
— Ah, é?
— Aham. — Ele passa o braço por minhas costas e me
puxa. Seu cheiro me envolve. — Não vou aceitar um não
como resposta. Se disser que não, vou te seduzir bem aqui
e vamos acabar ali. — Ele aponta para a cama.
— Que convencido. Você está muito confiante nas suas
habilidades de sedução.
— Não estou, só sei bem que você me quer tanto quanto
eu te quero.
Umedeço os lábios.
— Tanto faz, agora me solta, não tenho planos.
Ele dá um sorriso vitorioso e me solta.
— Venho te buscar à noite. — Ele me dá um beijo na testa
e se vira.
Solto um longo suspiro enquanto o observo sair pela
minha janela.
  
               
                               ***

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