Controlar as próprias emoções é muito fácil quando o
gatilho não está na sua frente.
Você se sente forte, capaz de superar e seguir com a vida
sem olhar para trás. É como se seu autocontrole e sua
autoestima se recarregassem. Demoramos dias, semanas,
para ter essa sensação de força, mas destruí-la demora
apenas um segundo.
No momento em que a pessoa aparece na sua frente seu
estômago fica embrulhado, suas mãos suam, sua respiração
acelera, sua fortaleza desmorona, e isso é muito injusto
depois do tanto que custou construí-la.
— O que você está fazendo aqui? — A frieza da minha voz
me surpreende, e a ele também.
Ares ergue as sobrancelhas.
— Não vai me deixar entrar?
— Por que eu deveria?
Ele desvia o olhar, sorrindo.
— Eu… só… Posso entrar, por favor?
— O que você está fazendo aqui, Ares? — repito, com os
braços cruzados.
Ele volta a me encarar.
— Eu precisava te ver.
Meu coração dispara, mas eu o ignoro.
— Bom, então já me viu.
Ele põe um pé no batente da porta.
— Só… me deixa entrar um segundo.
— Não, Ares.
Tento fechar a porta, mas não sou rápida o bastante e ele
entra, obrigando-me a dar dois passos para trás. Ele fecha a porta e, em pânico, só me ocorre dizer algo que acho que o
fará ir embora.
— Minha mãe está lá em cima. É só eu chamar que ela
vem aqui te botar para fora — ameaço.
Ele ri, senta no sofá e põe o celular na mesinha em frente,
então apoia os cotovelos nos joelhos.
— Sua mãe está de plantão.
Franzo a testa.
— Como você sabe?
Ele ergue o olhar e me lança um sorriso atrevido.
— Você acha que é a única obcecada aqui?
Como assim?
Decido ignorar e foco em tentar tirá-lo daqui antes que
Yoshi decida me visitar ou minha mãe volte mais cedo e
comece a Terceira Guerra Mundial. Talvez se ele disser logo
o que veio me dizer vá embora de uma vez.
— Ok. Agora já está aqui dentro. O que você quer?
Ares passa a mão pelo rosto, parecendo insone e exausto.
— Quero falar com você.
— Então fala.
Ele abre a boca, mas logo a fecha, como se não tivesse
certeza do que dizer. Estou prestes a mandá-lo embora
quando esses lábios que beijei se abrem de novo para
pronunciar duas palavras que me deixam sem fôlego: as
duas palavras que eu menos esperava escutar dele, nem
agora nem nunca.
— Te odeio.
Seu tom é sério; sua expressão, fria.
A afirmação me pega de surpresa, meu coração afunda e
meus olhos ardem, mas ajo como se não tivesse me
afetado.
— Ok, você me odeia. Entendi. É só isso?
Ele balança a cabeça e dá um sorriso triste.
— Minha vida era tão ridiculamente fácil antes de você,
estava tudo sob controle e agora… — Ele aponta para mim.
— Você complicou tudo, você… estragou tudo. Meu coração já está apertado, e as lágrimas turvam
minha visão.
— Uau! Você realmente sabe fazer alguém se sentir mal.
Veio até minha casa para dizer isso? Acho melhor ir embora.
Ele aponta o dedo para mim.
— Não terminei.
Não quero chorar na frente dele.
— Mas eu, sim. Vai embora.
— Não quer saber por quê?
— Destruí sua vida, acho que você já mostrou isso. Agora
sai da minha casa.
— Não.
— Ares…
— Não vou embora! — Ele eleva a voz, levantando-se, e
isso atiça minha raiva. — Preciso disso. Preciso te dizer!
Preciso que saiba por que te odeio.
Aperto as mãos.
— Por que você me odeia, Ares?
— Porque você me faz sentir. Você me faz sentir e eu não
quero isso.
Sua resposta me deixa sem palavras, mas não demonstro.
Ele continua:
— Não quero ser frágil, jurei não ser como meu pai e aqui
estou eu, sendo frágil diante de uma mulher. Você me faz
ser como ele, me faz fraquejar, e eu odeio isso.
Deixo a raiva dominar minhas palavras.
— Se me odeia tanto, que diabos está fazendo aqui? Por
que não me deixa em paz?
Ares volta a elevar a voz.
— Acha que não tentei? — Ele deixa escapar um riso
sarcástico. — Eu tentei, Raquel, mas não consigo!
— Por que não? — provoco, me aproximando dele.
Ares é logo dominado pela hesitação: abre e fecha a boca,
trincando os dentes. Sua respiração está acelerada, e a
minha também. Eu me perco na intensidade dos seus olhos,
e ele me dá as costas, bagunçando o cabelo de novo. — Ares, você tem que ir embora.
Ele fica de perfil, olhando para o chão.
— Pensei que essa merda nunca aconteceria comigo. Eu
evitei tanto e mesmo assim está acontecendo, e não sei se
é isso que todo mundo sente, mas já não tenho como
negar… — Então ele se vira completamente para mim, com
os ombros um pouco caídos, parecendo derrotado, e os
olhos azuis cheios de emoção: — Estou apaixonado, Raquel.
Perco o fôlego e fico boquiaberta.
Ele sorri com o olhar perdido, feito um bobo.
— Estou perdidamente apaixonado por você.
Meu coração dá um salto, e uma sensação eletrizante
toma minha barriga. Será que ouvi direito? Ares Hidalgo
acabou de dizer que está apaixonado por mim? Não disse
que me desejava, não disse que me queria em sua cama,
disse que estava apaixonado por mim. Não consigo falar
nada, não consigo me mexer, apenas observá-lo. Só consigo
ver seus muros de frieza desmoronando diante de mim.
E então eu me lembro…
Da história…
Da história dele…
A lembrança é nebulosa, mas suas palavras são certeiras.
Ele tinha encontrado a mãe na cama com um homem, e seu
pai havia perdoado a infidelidade. Ares vivenciou isso tudo,
viu tudo. O pai era seu pilar; vê-lo frágil e chorando deve ter
sido um golpe forte demais para ele.
Não quero ser frágil, jurei não ser como meu pai…
Agora entendo, sei que não justifica, mas pelo menos
explica um pouco o comportamento dele. Minha mãe
sempre me disse que tudo que somos é reflexo da nossa
criação e do que vivemos na infância e na primeira fase da
adolescência. Nesses anos, somos como esponjas que
absorvem tudo.
E então eu vejo…
O garoto que está na minha frente não é o idiota frio e
arrogante com quem falei pela primeira vez pela minha janela; é só um garoto que teve um começo difícil. Um
garoto que não quer ser como a pessoa que ele mais
admirava, que não quer ser frágil.
Um garoto vulnerável.
Um garoto atormentado, porque não quer ser vulnerável.
E quem quer? Apaixonar-se é estar nessa posição de
vulnerabilidade
Ares ri, balançando a cabeça, mas seus olhos não
transparecem alegria.
— Agora você não diz nada.
Não sei o que dizer.
Estou em choque com a reviravolta da conversa. Meu
coração está à beira de um colapso, e minha respiração não
está muito melhor.
Ares vira as costas, murmurando:
— Merda.
Ele encosta a testa na parede.
Minha reação é soltar uma gargalhada. Ares se vira para
mim de novo, parecendo confuso.
— Você está… louco… — digo, morrendo de rir. Nem eu
mesma sei por que estou rindo. — Até sua declaração tinha
que ser tão controversa; ele é tão instável…
— Para de rir — ordena ele, aproximando-se de mim,
sério.
Não consigo.
— Você me odeia porque me ama? Está escutando o que
diz?
Ele não responde nada, apenas massageia a ponte do
nariz, frustrado.
— Não entendo você. Finalmente tenho coragem de dizer
o que sinto e você ri?
Pigarreio.
— Desculpa, sério, é que…
Acho que foi de nervoso.
Sua seriedade oscila, e ele dá um sorriso torto.
— Você conseguiu.Franzo a testa.
— O quê?
— Lembra o que você me disse no cemitério aquela vez?
— O que você quer, então?
— Uma coisa muito simples, que você se apaixone por
mim.
Não consigo conter o sorriso.
— Sim, e você riu de mim. Quem está rindo agora, deus
grego?
Ele inclina a cabeça, me observando.
— Você me capturou, mas também acabou se
apaixonando por mim.
— Quem disse que estou apaixonada?
Ele se aproxima, me obrigando a recuar até encostar na
porta. Sem me dar chance de escapar, ele se inclina, pondo
as mãos na madeira e me encurralando entre seus braços.
Exala essa mistura deliciosa de perfume caro com seu
próprio cheiro. Engulo em seco, tendo diante de mim esse
rosto tão perfeito.
— Se não está apaixonada, por que parou de respirar?
Solto a respiração, que eu não havia percebido que estava
prendendo. Não tenho resposta, e ele sabe disso.
— Então por que seu coração bate tão depressa sem eu
nem encostar em você?
— Como sabe que meu coração está acelerado?
Ele pega minha mão e a coloca em seu peito.
— Porque o meu está. — Sentir seus batimentos
acelerados faz meu coração estremecer. — Era isso que eu
estava tentando mostrar na última vez que estivemos
juntos: o que eu sinto por você.
Ele apoia a testa na minha, e eu fecho os olhos, sentindo
seus batimentos tão perto de mim. Quando Ares fala de
novo, sua voz é doce:
— Desculpa.
Abro os olhos e encontro o mar infinito dos dele.
— Pelo quê?— Por demorar tanto para te contar o que sinto.
Ele pega minha mão que está no seu peito e a beija.
— Desculpa mesmo.
Ares se aproxima ainda mais, sua respiração se mescla à
minha e sei que está esperando minha aprovação; como eu
não recuo, seus lábios doces encontram os meus. O beijo é
suave, delicado, mas tão cheio de sentimentos e emoções
que sinto aquele famoso frio na barriga. Ele pega meu rosto
com as mãos e me beija mais intensamente, inclinando a
cabeça para o lado. Nossos lábios se movem em perfeita
sincronia, roçando, molhados. Meu Deus, eu amo esse
garoto. Estou ferrada.
Ele para, mas mantém o rosto colado ao meu. Eu respiro e
falo:
— Primeira vez.
Ele se afasta um pouco para me olhar.
— De quê?
— É a primeira vez que você me beija e não é algo sexual.
Ele me dá seu sorriso ridículo, algo tão dele.
— Quem disse que não é sexual?
Lanço um olhar fulminante, e seu sorriso é substituído por
uma expressão sombria.
— Não tenho a menor ideia do que estou fazendo. Só sei
que quero ficar com você. Você quer ficar comigo?
Ele observa em detalhes meu rosto, com medo da minha
resposta. E isso de algum modo faz com que eu me sinta
poderosa.
Ares veio até aqui e se expôs. Posso fazê-lo feliz ou
destruí-lo com minhas palavras. Abro a boca para
responder, mas o som da campainha me interrompe.
Não sei como, mas tenho certeza de que é Yoshi.
Merda!
Ares me olha espantado.
— Está esperando alguém?
— Shhhhh! — Cubro sua boca com a mão e o puxo para
longe da porta.A campainha toca de novo e agora Yoshi grita. Eu sabia.
— Raquel!
Merda, merda, mil vezes merda!
— Você precisa se esconder — sussurro, tirando a mão da
boca dele e levando-o pelo braço até a escada.
Ares se solta.
— Por quê? Quem é?
O tom acusatório não passa despercebido.
— Não é hora para ter ciúmes. Vem logo.
Alguma vez já tentaram mover alguém mais alto e mais
forte? É como empurrar uma pedra imensa.
— Ares, por favor — suplico, antes que Yoshi ligue para
minha mãe e ela me ligue e então a catástrofe esteja
formada. — Depois te explico, mas, por favor, vai lá para
cima e não faz barulho.
— Estou me sentindo o amante quando o marido chega —
brinca ele, mas sobe, e eu fico aliviada.
Quando Ares enfim desaparece, não sei por que ajeito o
cabelo antes de ir até a porta.
Espero que dê tudo certo, mas Yoshi me conhece muito
bem e sabe quando estou nervosa ou mentindo. E me dou
conta tarde demais de que o celular de Ares está na
mesinha de centro. Cruzo os dedos para que Yoshi não o
veja.
Nossa Senhora dos Músculos, me ajude, por favor!