O Bar

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— Três casos de espectros trocados. Todos em Nova York. Isso é claramente uma provocação. De alguma forma, ela tem consciência e sabe que estamos atrás dela. Sem contar a tentativa de te assassinar — Nate dizia.

Estávamos nós quatro sentados em uma mesa redonda no segundo andar da loja de antiguidades. Era fim da tarde. Uma luz fraca entrava pela janela e refletia nos cachos dourados de Jessie. Havia livros espalhados pela mesa e uma vela pela metade.

Desse jeito, pareciamos uma seita muito disfuncional. Eu me peguei pensando no que Rhodes diria. Ela me ligou essa manhã, mas não atendi. Era melhor não colocá-la nessa confusão, as coisas começaram a ficar perigosas demais.

Se Nate estava certo sobre as provocações, quanto tempo demoraria para Carrie vir atrás das pessoas que eu gostava? Olhei para Trenton que folheava um livro e suspirei.

— Por que ela desistiu de te matar? — Trenton ergueu os olhos do livro.

— As proteções devem estar funcionando — Jessie respondeu.

— Não me parece que algumas proteções impediriam Carrie de chegar até Russell. Deve ter algo a mais.

— Impossível saber até abrirmos o portal — Nate disse, encostando contra o assento. Nós tínhamos combinado uma data na próxima semana. Seria o suficiente para eu me preparar mentalmente e recuperar minhas forças — E o seu trabalho? Você realmente se afastou?

— Era o melhor a se fazer no momento.

— Você vai deixá-lo para... bem... se dedicar a isso? — ele apontou para as estantes de livro ao nosso redor. Estavam bem mais organizadas do que da primeira vez que entrei nesse cômodo. Os créditos deviam ser todos de Trenton e Jessamine — Estou perguntando, porque talvez tenha encontrado uma forma de transferir seu dom.

Brinquei com um pedaço de lápis na mesa, evitando os olhares dos outros. Eu sentia a atenção de Jessie e Trenton nas palavras que eu diria a seguir.

— Não posso deixar meu trabalho — respondi.

Nate assentiu.

Trenton fechou o livro que lia com força.

— Não há nada que possamos adiantar agora, então por que não fazemos algo mais divertido do que lamentar por nossas vidas aqui? — Trent sugeriu.

— O que poderíamos fazer tão tarde da noite? — Jessamine perguntou, erguendo uma sobrancelha.

— Ah, Jess, você deveria saber que Nova York nunca dorme.


Eu já esperava que Trenton nos arrastaria para um lugar tão sujo quanto o Pinpoint na décima avenida. Eu costumava vir aqui nas noites de sexta, me sentava no bar, pedia alguns copos de uísque e observava quando as pessoas chegavam para o happy hour, especialmente as mulheres.

Era exatamente o que eu fazia agora. Mas, ao invés de escolher um alvo, eu observava Nate e Trenton ensinando Jessie a jogar sinuca enquanto bebiam shots que, com certeza, fariam Trenton passar mal daqui a trinta minutos.

Eu também não levaria ninguém para casa essa noite, aliás já fazia um tempo que eu não levava, seja porque Jessamine morava lá agora, seja pelos pesadelos a noite que ficavam cada vez mais constantes. Eu me pergunto se Jessie sabia que eu acordava no meio da noite, suado e sem conseguir respirar. Faz mais de um mês que eu não tenho uma boa noite de sono.

Virei o uísque do meu copo e pedi mais um.

Os minutos se passaram e quando fui checar eles novamente, os três haviam sumido da mesa de sinuca. Girei a cabeça até meu olhar encontrar alguns caras na casa dos vinte e cinco que gritavam em uma mesa e, então, vi Jessie sair do banheiro.

Um dos caras da mesa se levantou e caminhou na sua direção. Ele disse alguma coisa que Jessamine respondeu com um sorriso curto. Nossos olhares se encontraram nesse momento. Ela falou o que pareceu ser uma despedida e veio se sentar ao meu lado no bar.

— O que foi aquilo? — perguntei com um pequeno sorriso.

— As pessoas são mais desinibidas atualmente — Ela disse ao invés de responder minha pergunta. Sua testa se franziu de leve. Eu ri, porque Jessie era estranhamente adorável quando tinha algum problema anacrônico.

— O que você esperava? Que ele pedisse seu endereço para lhe enviar cartas por dois anos e, então, te propor em casamento? — brinquei, tomando um gole do uísque.

Ela revirou os olhos.

— Apenas para você saber, Jane Austen idealiza muito nossa época... Homens eram homens e continuam sendo homens — Jessie apoiou a cabeça na mão. Eu ofereci o resto do meu uísque e ela sorveu um gole grande — E a bebida é mais fraca.

— Não quero tentar defender meu sexo, porque sinceramente, eu não consigo achar motivos para isso, mas nem todos os homens são como ele — falei e Jessie me encarou.

— Eu sei que não. Thomas... Ele não era como os outros — Jessie se apoiou na cadeira. Era a primeira vez que citava Thomas tão abertamente assim. Nunca soube o que aconteceu entre ela e esse rapaz, ainda que conseguisse enxergar nos seus olhos que ele significou alguma coisa.

— Você e ele...?

— Não — ela me cortou — Meu pai nunca permitiria e, bem, eu não tinha tempo para isso. Ou eu focava em ser o que nasci para ser ou eu corria atrás do amor como as meninas da vila. E, acredite, eu não superestimava o amor tanto assim... — Jessie suspirou — Ele é ainda menos interessante quando você percebe o quão frágil é.

— Belo ponto, mas nunca foi um crime se divertir — dei de ombros — E agora ninguém liga para sua honra... Ainda que entregá-la para um contador seja levemente degradante.

— Obrigada por se preocupar com minha honra, Montague — ela disse e nós rimos — Não é tão ruim aqui... essa vida...

— Não, não é — admiti, sem quebrar o contato com os seus olhos. Jessie abriu um pequeno sorriso.

Ergui a mão e tirei um fio loiro do seu rosto. Minha mão continuou pairando perto da sua bochecha e eu a senti quente debaixo da minha pele. Jessie segurou meu braço e ergueu o queixo.

Nossos rostos se aproximaram e quando estava chegando perto o suficiente, um grito nos afastou.

O homem com quem Jessamine conversava antes se remexia no chão enquanto seus amigos o encaravam, sem saber se riam ou o ajudavam.

— Ainda bem que você o dispensou — brinquei e voltei para meu copo de uísque, porque algo quase aconteceu entre nós dois, bem ali.

Jessamine, no entanto, continuou estática fitando o contador.

— Russell — ela pulou do banco. O homem parou de se remexer. Um dos amigos se agachou e o sacudiu — É Carrie.

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