O Pacto

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Essa noite, eu sonhei novamente que estava sendo perseguido, mas, dessa vez, a sombra tinha um rosto. Um rosto que eu conhecia e que não envelheceu quando o tempo passou para mim. Eu tentei abrir minha boca para pedir desculpas, para falar qualquer coisa, só que eu não conseguia e ele me alcançou, colocou a mão no meu peito e arrancou meu coração.

Acordei suado e ofegante.

Eu não sabia se Carrie podia influenciar nos meus pesadelos. Mas isso só podia ser trabalho dela, porque Jessamine também conseguiu se infiltrar na minha cabeça por um tempo.

Deus, eu precisava arrumar uma forma de acabar com esse problema antes que eu enlouquecesse de vez.

Eu consegui ir para a delegacia apesar do meu corpo ainda protestar um pouco. A capitã Owston me deixou na mesa o dia inteiro e, pela primeira vez, eu não reclamei. Não estava com cabeça ou forças para resolver qualquer caso.

— Você anda tendo uma semana de azar, hein, Montague? — A capitã Owston balançou a cabeça na minha direção.

— Homens de sucesso normalmente têm — dei de ombros. Ela riu. Owston tinha mais senso de humor do que Rhodes quando se tratava das minhas piadas — Coleman não veio hoje?

— Ele pediu férias há uns dois dias — ela contou —, o que me deixou surpresa. Coleman nunca tirou férias desde que chegou aqui.

Suspirei. Sabia exatamente onde Trenton estava nesse momento.

No fim do meu turno, dirigi meu carro até a loja de antiguidade no Queens. A placa na porta indicava que ela estava fechada. Toquei a campainha mesmo assim. Alguns segundos depois, Nathan surgiu e abriu a porta.

— Você parece um zumbi.

Revirei os olhos.

— Onde está Trenton?

— Lá em cima — ele seguiu para o segundo andar que estava praticamente virando minha segunda casa. Eu fui logo atrás — Estamos lendo mais sobre o ritual de transferência de matéria... Para caso, você mude de ideia.

— Pensei que fosse contra.

— Eu era até perceber que nossa única saída é essa — Nathan se virou para mim. Avistei Trenton sentado na mesa com um copo de café na sua frente — Pessoas continuam desaparecendo e crianças vão morrer se não fizermos algo... E, além disso, não é como se tivéssemos ressuscitando Stalin. É apenas uma garota.

É apenas uma garota.

Sim, era apenas Jessamine, mas aquilo não parecia certo ou natural. Ninguém deveria ter o poder de trazer alguém a vida, especialmente um idiota como eu.

E se desse certo? E se a ideia se espalhasse para os futuros Guias? Podíamos estar cometendo um erro terrível que poderia afetar a humanidade no futuro.

Puxei uma cadeira e me sentei. Eu não era o suficiente para esse trabalho. Eu era suficiente para os casos da delegacia. Só precisava investigar, encontrar um assassino e assinar alguns papéis. Pronto. Nova York estaria salva até o próximo babaca surgir.

Agora salvar o mundo? Isso não era para mim. Eu não era um herói, eu jamais poderia ser um herói depois das coisas que fiz.

Mas Jessamine... Jessamine era uma heroína.

— Porra — bati na mesa.

— Nós vamos tentar, não vamos? — Trenton abriu um sorriso animado — Eu sabia que você ia concordar. Nós traduzimos o ritual, podemos fazer agora mesmo. Ela está por aqui?

— Ok, se acalme um pouco. Primeiro quero saber exatamente o que estou fazendo. Vocês vão me explicar de onde saiu esse ritual — falei — E, segundo, preciso achar Jessamine, porque nós tivemos uma pequena briga.

— Você é um idiota — Nathan comentou.

— Eu sei — disse baixo — Se vocês puderem me dar uma licença...

Nathan e Trenton se levantaram e desceram para o andar debaixo.

Engoli em seco. Jessamine estava em algum lugar e ela podia me ouvir e ver. Conhecendo como a conhecia, sabia que ela não iria embora assim tão facilmente.

— Jessie? — chamei — Você está aí...? Eu... — respirei fundo.

Como diabos eu fazia as pazes com um fantasma?

Jessamine estava aqui. Podia sentir algo no ar, a presença gelada e o desconforto no estômago. Ela me ouvia.

— Sei que agi como um idiota na outra noite... Mas, bem, você devia estar acostumada, já que nunca concordamos em nada — Tirei o seu anel do bolso (eu vinha carregando comigo desde que ela me deu) e girei com meus dedos. Olhei para a jóia no meio que, sem dúvidas, era verdadeira. Pelo que ela havia me falado sua família tinha dinheiro apesar de não ter um título — Você ouviu a conversa, certo? Nós vamos tentar.

Nada.

Eu não sabia se Jessamine estava se fazendo de difícil ou eu estava dizendo as coisas erradas.

Esfreguei meu rosto.

— Olhe, eu estou receoso, mas, veja bem, não sabemos com o que estamos mexendo nesse cenário. Eu tenho medo de trazer uma coisa a mais para nosso mundo e então... Eu quebrarei a promessa que fiz quando me juntei à polícia de sempre proteger as pessoas. Posso não ligar para muitas idiotices do meu trabalho, mas não isso — admiti — E, sendo sincero, também temo por você, Jessamine. Temo que você acabe tenho esperanças de algo que pode não acontecer... Você pode negar, mas trezentos anos é muita coisa e eu duvido que você não tenha pensado uma vez na possibilidade de voltar... Eu só não quero decepcionar o mundo... e você — disse por fim.

Quando se passou mais tempo do que o necessário para Jessamine aparecer, eu guardei o anel e me levantei.

Foi quando ergui os olhos e a vi, parada perto da estante de livros com o mesmo vestido azul. Era engraçado como olhar para ela sempre com o vestido azul me trazia uma sensação de calma, como se ela fosse um ponto que nunca mudaria.

— Oi — eu disse.

— Oi.

Nós nos encaramos. Ela não estava mais irritada. Eu podia dizer pelo jeito como as pontas dos seus lábios não estavam para baixo e sua testa não estava enrugada.

— Vamos logo.

Abri um pequeno sorriso.

— Vou chamar Nate e Trent.

— Russell? — Jessie me chamou e eu parei no topo da escada — Obrigada por se preocupar comigo... Obviamente é uma preocupação idiota, porque eu já morri, mas ainda sim... Poucas pessoas se preocuparam comigo em vida.

Assenti.

O Guia dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora