O Detetive

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Eu o vi antes que ele pudesse me ver.

— E aí?

O velho levantou os olhos da enorme poça de sangue aos seus pés e me encarou com o cenho franzido.

Ele era velho, muito velho, tinha alguns tufos de cabelo e sobrancelhas brancas como a neve. Sua aparência também não era das melhores, estava pálido e desnutrido. Mas todos eles tinham essa aparência doentia.

— Você... você pode me ver?

— Claro, por que não?

Arrisquei entrar no cômodo. Tinha um cheiro metálico de sangue que sempre me deixava tonto, mesmo depois de todos os anos trabalhando para a polícia de Nova York e lidando com coisas grotescas doze horas por dias.

— O que aconteceu aqui, Leonard?

Leonard continuou me encarando, confuso. Eles sempre ficam confusos no começo, por isso era importante manter a calma e a tranquilidade. Qualquer coisa podia assustá-los, então eles se tornavam agressivos e depois disso... Eu não poderia fazer nada para ajudá-los.

Walter. Meu Walter estava aqui — ele disse, apontando para a cama no canto do quarto. Estava bagunçada e tinha respingos de sangue por todo o colchão.

Análise de cena: tiro no peito, provavelmente uma Taurus RT85. Barata. Leve. Qualquer amador consegue usar. Bala pequena, mas com uma boa mira é capaz de fazer um estrago.

— Ele é uma criança encrenqueira. Puxou a mãe.

Eu assenti e tentei sorrir como se falasse com um dos idosos que viviam no meu prédio. Não era fácil. Quanto mais tempo fora de seu corpo, mais a imagem de Leonard ficava doentia.

Walter, o filho de Leonard, tinha mais de trinta anos. Eu o vi chegando para prestar depoimento na delegacia essa tarde. Não era uma criança. Eles costumam se confundir com as datas.

— Leonard, você se lembra da última vez que viu o seu Walter neste quarto?

Dei um passo à frente. Para evitar pisar na poça e criar marcas no chão, eu desviei para a esquerda, mas esbarrei o pé em um copo de vidro que partiu ao meio.

Rhodes vai me matar.

— Ele segurava uma... — disse Leonard — Uma arma...? — repetiu.

Seu corpo começou a se agitar, mas ele não saía do lugar.

Ah, não.. O choque da situação sempre vinha uma hora ou outra. Eu pensei que, por Leonard ser tão velho, talvez conseguisse ir em paz, sem se lembrar do que o seu Walter fez.

— Está tudo bem, Leonard. Está tudo bem — Eu o acalmei enquanto ele gritava, sem emitir nenhum som. Seu corpo se encolheu e sua pele estava mais velha, mais antiga, como se ele estivesse se decompondo ali na minha frente — Você pode ir agora.

Um último grito silencioso e, então, Leonard desapareceu.

— Que porra você está fazendo aqui, Montague? — Uma voz me chamou.

Não era Leonard.

Era uma voz mais jovem e viva.

— Os peritos ainda não chegaram e você já quebrou evidências. Rhodes vai ficar puta!

Eu ainda estava recuperando meus batimentos cardíacos. Assim como o cheiro do sangue embrulha meu estômago toda vez, conversar com espíritos confusos me deixavam ansioso, mesmo que eu soubesse que a maioria não queria fazer mal.

Apenas espíritos que sofreram mortes violentas se tornam ameaças após um tempo vagando pela terra. Leonard não teve tempo para isso. Ainda bem. Não sabia lidar com fantasmas violentos.

O Guia dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora