Alguns minutos após o surto, o homem, que seus amigos disseram se chamar Trevor, estava deitado em um dos sofás no fundo do bar. Eu disse para eles que eu e Jessamine éramos médicos e eles deixaram que a gente se aproximasse.
— Eu juro que ele não estava respirando! E ele nem bebeu tanto — Um dos amigos de Trevor dizia, desesperado.
Bati de leve na bochecha de Trevor. Olhei para Jessamine ao meu lado que balançou a cabeça. Entendi imediatamente. Aquele não era mais Trevor, o contador. Diante dos nossos olhos, Carrie trocou o espectro daquele rapaz por outra coisa.
E o local, a pessoa... Não podia ser uma coincidência. Ela sabe.
Trevor respirou fundo e abriu os olhos. Ele me encarou e recuou, assustado. Claramente estava confuso por ter acordado ali, mas não parecia ser o mesmo tipo de confusão que testemunhei nos olhos de Reed na manhã passada.
— Oi... hã... Encontramos você desacordado. Preciso do seu nome e nascimento para o registro policial — eu murmurei baixo, esperando que os amigos de Trevor não me escutassem.
Trevor piscou os olhos. Ele ficou assustado, mas assentiu.OK, pelo menos, ele é da nossa época.
— Me chamo Gerard. Eu... hã... bebi um pouco e meus amigos me desafiaram a pular da ponte, eu juro — Gerard disse enquanto gaguejava — Por favor, não fale com meus pais.
Aquele podia ser o corpo de um homem mais velho, mas a súplica e a maneira como falava era a mesma que os garotos que chegavam na delegacia depois de aprontar alguma.
— Por que você pularia de uma ponte, idiota? — perguntei. Essa brincadeira estúpida claramente custou sua vida e ele não fazia ideia.
— Eles me desafiaram! — ele exclamou e os amigos de Trevor pareceram confusos. Jessamine percebeu e pediu para que eles se afastassem por um instante — Você vai ligar para meus pais...? Ah, merda, que horas são? Eu estou de castigo.
— Que dia é hoje? — perguntei.
Gerard franziu o cenho no corpo de Trevor, mas respondeu e a data batia, então perguntei do ano. Gerard tinha acabado de morrer, provavelmente não devia ter passado mais de duas horas.— Por que está perguntando essas coisas? Eu não bebi tanto assim.
— Protocolo médico — Jessamine respondeu atrás de mim — Você se lembra de alguma coisa depois de ter pulado da ponte? Só precisamos garantir que não sofreu uma concussão ou algo do tipo.
— Eu sei lá. Eu acho que desmaiei, porque, tipo, eu tive um sonho muito louco. Tinha um cara e ele dizia para eu me render...? — Trevor semicerrou os olhos, confuso.
— Um cara?
— Sim, tinha quase certeza que era um cara. Se fosse uma garota, eu saberia.
Troquei um olhar com Jessie.
— Vou ligar para a polícia e eles te levarão para um hospital, está bem?
— Pensei que você fosse da polícia — Gerard disse com toda bravata de um adolescente de dezesseis anos.
— Nah, sou apenas um curioso.
— O que vai acontecer com o garoto? — perguntei.
Estávamos do lado de fora, agarrados aos nossos casacos, observando enquanto Gerard/Trevor era levado em uma ambulância. Aparentemente, ele sentia dores no corpo, da mesma forma que Marcus sentiu a dor de uma bala que nunca atravessou aquele corpo.
De alguma forma. eles conseguiram trazer consigo o jeito que morreu para o novo corpo. Isso era estranho. Eu realmente duvidei do que um espectro era capaz de fazer, mas, novamente, eu também duvidei do que eu era capaz de fazer.
— Tenho um amigo no hospital do centro da época da faculdade. Ele pode interná-lo até encontrarmos uma forma de trazer Trevor de volta.
— É possível trazê-lo de volta? — perguntei.
— Mesmo o Outro Lado tem regras. Trevor e Marcus não pertencem àquele lugar. Se outros espectros conseguiram possuir seus corpos foi porque eles estão presos — Jessamine disse.
— No Outro Lado? — Trent perguntou e Jessie assentiu — Então, Russell não tem que apenas enfrentar a coisa maligna que está rompendo as leis naturais, mas precisa libertar os espectros dessas pessoas?
— Não é tão difícil assim — ela falou e eu franzi o cenho — Você é um Guia. O Outro Lado obedece a você.
— Enquanto isso, o que faremos com os corpos e... os espectros dentro deles? — Nathan questiona, encarando a ambulância do lado do bar.
— Bom, os amigos de Trevor acham que ele enlouqueceu. Não é difícil mantê-lo em uma clínica psiquiátrica por enquanto. Marcus vai acabar em uma cela de qualquer forma e quanto a garota russa, os pais a levaram para um convento... Há lugares piores — Trenton disse.
— Eu não teria tanta certeza — Jessie disse com uma careta — Mas, contanto que os corpos fiquem a salvo, Trevor, Marcus e a garota voltarão ao lugar que pertence.
Trenton passou a mão pelo cabelo escuro. Sua pele estava mais clara que o normal nos últimos dias. Ele havia perdido aquele bronzeado depois que tirou "férias" da polícia. Ao mesmo tempo, ele também não se comparava nenhum pouco ao garoto perdido e nervoso que se sentava do outro lado da minha mesa.
Inconscientemente, eu sempre vi Trenton como um irmão, porque, de alguma forma, toda vez que eu o olhava e ele estava com a cara enfiada nos livros, eu o via. Era como se Sam ainda estivesse ali.
Claro, não fazia o menor sentido, porque Sam era dez anos mais velho que eu. Se Sam tivesse sobrevivido àquele acidente, ele teria quarenta e três, e seria detetive. Ele sempre disse para mim como, um dia, seria um policial. Acho que, de alguma forma, segui o sonho dele sem perceber.
Talvez ele tivesse uma esposa ou um esposo. Ele moraria em uma casa no Brooklyn e eu o veria nos fins de semana. Ou não. Ele poderia apenas se cansar de mim.
Eram muitas possibilidades e, sinceramente, nenhuma delas terminava em um bom lugar.
O fato é — eu queria Trenton feliz e, agora, eu percebi que ele estava feliz.
— Acho que eu e Nate podemos cuidar deles. Vamos torcer pra que ninguém mais seja possuído pelas redondezas — ele suspirou — Preciso pedir para o motorista levá-lo até o hospital do meu amigo.
— Eu vou com você — Nate e ele saíram em direção a ambulância que agora estava cercada de caras de terno, amigos de Trevor.
— Ele está brincando com a gente — falei e, antes que Jessamine pudesse perguntar quem, eu continuei — Marcus teve o ataque um pouco depois que eu cheguei no local. Trevor estava conversando com você antes de ser raptado. Carrie sabe de nós.
Eu me virei para Jessie que me olhava com um ar de preocupação. Seus cachos dourados que costumavam brilhar com a luz do sol estavam escuros e opacos agora.
— Você acha que ele é o homem dos sonhos de Gerard?
— Ele disse para ele se render, a mesma coisa que Eddie me disse quando apertava meu pescoço — disse — O que ele quer, afinal de contas? Por que está fazendo isso? Por que matou os Guias?
Jessamine girou o anel no seu dedo.
— Eu não sei, Russell.

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O Guia dos Mortos
FantasíaUm fantasma de outro século e um detetive que não confia em ninguém estão prestes a entrar em uma missão arriscada e se envolver em uma relação impossível. Fantasmas existem. Russell T. Montague é capaz de ver fantasmas desde o acidente que matou t...