O Caso

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Uma semana se passou e eu sentia que não estávamos chegando a lugar nenhum.

Com o meu dia sendo ocupado pelo trabalho e minha noite com os livros dos Guardiões, o tempo passou pelos meus olhos. Não descobrimos muitas coisas em relação a nossa missão.

Começamos também a trabalhar na minha teoria sobre um Guia estar causando isso. Pedi para Nathan contatar os outros Guardiões, já que o avô dele costumava guardar uma lista com os contatos dos outros seis Guardiões, porém até o momento, nenhum deles retornou suas mensagens.

Trenton me contou sobre um capítulo do livro de um dos Bassford que falava sobre espíritos vingativos.

— Eles são capazes de romper a barreira entre os mundos se estiverem com muita raiva. Um serial killer de Londres foi morto por uma das mulheres que sequestrou, ele foi mandado embora pelo Guia da época, mas conseguiu voltar para assombrar essa mesma mulher.

Mas eu descartei a hipótese de isso ser obra de alguém irritado. Jessamine saberia se fosse, afinal ela conseguia enxergar outras almas no Outro Lado, mas a Coisa em si estava em uma camada mais profunda.

Jessamine não apareceu tanto nesta semana. Ela me disse que precisava guardar um pouco de energia. Às vezes, eu a via em um canto da minha sala, encarando a janela. E havia algo estranhamente reconfortante em vê-la ali.

— Você deveria ler isso: o Outro Lado não tem matéria, mas Joseph Hester, um Guardião muito antigo, escreveu uma teoria e acredita que as almas vejam coisas reais lá dentro como a própria casa ou um hospital. Ele crê que esse último é o mais comum. É como se fosse uma forma de lidar com o que há, ou, na realidade, não há no Outro Lado — Trenton começou a falar enquanto olhava para as páginas que a Capitã nos entregou essa manhã para a reunião. Mas entre as páginas havia uma página menor escaneada.

Ergui a cabeça em direção a capitã Owston que fazia seu discurso motivacional de sempre. Estávamos muito afastados dos outros detetives e policias na sala de reunião para qualquer um perceber que Trenton lia sobre fantasmas e mundos que não existiam, mas, ainda sim, eu podia ver que ele estava se dedicando demais a esse assunto e esquecendo os problemas reais.

Em reuniões assim, Trenton estaria anotando tudo no seu bloco de notas e fazendo perguntas.

— Trenton, guarde essa droga — sussurrei de volta.

— Isso é importante — ele rebateu, irritado, mas mesmo assim escondeu a página em sua pasta — Eu mandarei uma mensagem para Nate para atualizá-lo.

— Desde quando vocês trocam mensagens? — semicerrei os olhos.

Trenton arrumou a postura e, por alguns segundos, suas bochechas ficaram vermelhas. Ele afastou o cabelo escuro do rosto e deu de ombros.

— É mais fácil do que esperar o fim de semana para trocar informações.

— Shhhh! — Rhodes se virou no seu assento e nos encarou por detrás dos óculos de grau. Isso encerrou o assunto.

Quando saímos da reunião, corri para alcançar Rhodes que foi direto para sua mesa.

— Ei, Carey, como estão as coisas? — sorri.

Ela organizava algumas pastas num suporte de madeira, mas parou quando eu comecei a falar.

— O que você quer, Montague? Você e Coleman estão planejando alguma coisa? — ela semicerrou os olhos verdes e quase me arrependi de abordá-la dessa forma ao ver as bolsas escuras debaixo dos seus olhos.

Carey estava cansada, mais cansada que o normal e eu não podia dizer se era o trabalho ou seu divórcio.

— Nada demais. Apenas bebidas, mulheres... — falei casualmente — Eu soube que você está ajudando o 87º distrito com um caso de desaparecidos... Eles acham que está tudo interligado? Eu poderia ajudar.

Rhodes riu.

— Uau. Você realmente não muda, né?

— O quê?

— Você acha que eu não sei que você esteve aqui no dia de folga para procurar sobre os desaparecidos? Geralt me contou tudo. E, agora, você e Coleman vivem sussurrando pelos cantos. Não ache que eu sou burra, Montague, você claramente tem algum interesse nesse caso e vindo de você, tenho certeza que é apenas você querendo dar uma de herói para o 87º distrito.

— Eu não tenho nenhum interesse. Só queria oferecer minha ajuda.

Rhodes bufou e voltou a organizar seus papéis.

Eu não quis insistir, porque ela começaria a desconfiar que eu estava escondendo informações dela e, como eu tinha dito a Trenton, não pretendia envolver Rhodes no caso. 

— Mas só para você saber — ela parou e me encarou — O 87º concluiu que os desaparecimentos não têm relação. Um dos desaparecidos estava, na verdade, na China. Ele matou duas irmãs e fugiu.

— China? — franzi o cenho.

— Está bem longe da nossa área de cobertura — Rhodes disse.

China. Duas irmãs.

Uma das pessoas que foi dada como desaparecida estava, na realidade, do outro lado do mundo? É claro que há a possibilidade de alguns daqueles desaparecidos não terem ligação com o Outro Lado, ainda sim...

— Você sabe o nome das irmãs?

— Não, claro que não — Rhodes rebateu — Mas deve estar na internet. Por quê?

Do outro lado da mesa de Rhodes, eu cruzei o olhar com Jessamine. Fazia um tempo que ela não aparecia fora da minha casa. Nós entendemos o que estava acontecendo na mesma hora.

— Nada demais.

— Russell. O que está planejando?

— Não sei do que está falando. Te vejo depois — pisquei e fui procurar Trenton. Ele estava na cozinha e eu pedi para que ele chamasse Nathan para vir à delegacia depois do nosso turno.


— Desculpe, mas você realmente precisava me fazer sair do Queens para vir até aqui? — Nathan reclamou quando chegou no estacionamento da delegacia — A não ser que a velha da tia Olga tenha ressuscitado para puxar meu pé, não imagino o que pode ser tão urgente.

Estava de noite. O estacionamento estava quase vazio, exceto pelo meu carro, o de Trenton e de dois detetives do turno noturno. O ar gelado fazia meus pelos arrepiarem, mesmo vestindo o meu casaco de couro.

A atmosfera me lembrou a noite em que fui atacado por aqueles fantasmas de olhos brancos. Meu coração ainda acelerava ao lembrar do ataque. Se não fosse por Jessamine, eu não sei o que teria acontecido, porque, agora, sabemos que eles são capazes de raptar vivos.

Nathan cruzou os braços. Ele não vestia o avental da loja, apenas uma blusa de mangas e calça jeans. Assim, ele até parecia um universitário comum.

— Acho que temos um problema sério.

— Além de todos que já estamos enfrentando? — Trenton ergueu as sobrancelhas ao meu lado.

Russell — Ouvi a voz de Jessamine ao meu ouvido. Eu tomei um susto e  me virei — Tem alguém ali.

Ela apontou para a delegacia e eu vi uma sombra perto da árvore. Parecia um homem com um sobretudo largo... Ele olhava diretamente para a gente.

— Não é alguém comum — ela murmurou. Ela tinha razão. Não era mesmo. Quando ele ergueu a cabeça, eu pude ver dois olhos brilhantes e brancos. De novo, não.

— Russ? — Trenton me chamou — Quem é aquele?

— Você também está vendo?

— Tem obviamente um cara ali... Ele está usando alguma coisa? — Nathan balançou a cabeça — Primeiro me chama até aqui e agora enlouqueceu de vez. Deus, eu sabia que dar o cargo de Guia para alguém com problemas psicológicos não daria certo.

Ignorei Nathan. O homem do outro lado começou a andar. Ele vinha na nossa direção e os olhos brancos pareciam mais e mais brilhantes. Atrás dele, eu avistei outras sombras e, dessa vez, eu sabia que era o único que podia vê-las.

Eu me virei para Trenton:

Corram.

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