52 - Queria ter me esquecido de você

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LII


— Você ainda não me contou o que aconteceu no natal. — Scarlett rachou o silêncio entre eles, intervalado pelo som das ondas quebrando-se na estrutura de Azkaban que ecoava pela cela.

Sirius passou a mão no rosto ossudo, naquela letargia que ele tão comumente demonstrava depois de anos na prisão.

— Não quero atrair os dementadores. — Sirius piscou, umedecendo os lábios.

Scarlett vagueou entre o significado mais implícito e profundo das palavras de Sirius. Se não queria atraí-los, então por que quis que ela se lembrasse?

— Eles não vão vir. — Ela replicou, o olhar divagando até as barras de ferro, esperando enxergar a luminescência característica de seus fantasmas. Mas tudo o que via era a luz do dia irradiada pelo corredor; amarelada e tórrida. Scarlett apertou os olhos.

— Como pode ter tanta certeza? — Sirius pigarreou, virando a cabeça para os lados, alongando o pescoço.

Scarlett sentiu a tensão tremeluzir seus ombros.

— Eles não vão vir. Confia em mim. — Scar argumentou baixinho.

— Confiar em você? — Ele sibilou com escárnio. — Só porque estamos presos na mesma cela... só porque vários anos se passaram... não apaga as coisas que você fez, Gaunt.

Ela sentiu o peito ser dilacerado pelo aço que envolveu os olhos dele, endurecendo sua feição e contorcendo seus lábios. Lembrando-a de Regulus. Sirius sabia como fazê-la se sentir mal, especialmente com o desprezo que ele lhe lançava com tanta facilidade.

— Não quero pagar para ver. — Sirius prosseguiu, ríspido. — Além do mais... você já me traiu uma vez.

— Orfy...

— Orfy não justifica o Reggie! — Sirius cuspiu a frase ao tentar gritar, a voz rouca quebrou-se em vários pedaços.

Scarlett estremeceu, encolhendo-se, a voz dele reverberando em seu corpo uma centena de sentimentos perniciosos; um calafrio percorrendo sua coluna. Ela encostou na parede fria, a respiração entrecortada e o medo minando o pouco de sanidade que ainda lhe restava. Não queria pensar nisso, não podia pensar...

Sirius soltou todo o ar dos pulmões, afundando o rosto nas mãos magras e tatuadas.

— Eu me esqueci... esqueci de muita coisa. — Ele murmurou, a voz abafada em suas palmas. — Queria ter me esquecido de você. — Sirius não teve a intenção de que a sentença tivesse soado amarga, mas aquela dor que esfolava seu coração era forte demais.

— Também queria ter me esquecido de você. — Ouviu-se falar, embora não soubesse o motivo. Seu lábio inferior tremeu. — Não houve instante em que você não me assombrou nesse inferno... — Scarlett sussurrou, apertando o maxilar. — Não houve um dia em que eu não tenha me arrependido de ter ido embora... de ter te deixado... de tudo o que aconteceu... você devia ter me deixado morrer, Sirius. Devia ter me deixado sangrar na sua porta até eu morrer! — Ela elevou o tom de voz, as palavras vibrando nas paredes caliginosas da cela.

— Talvez. — Sirius respondeu, devagar. Soltando o ar pela boca. — Mas eu não deixei... e aqui estamos.

Ali estavam. Na ironia cruel do destino, costurado no dia em que eles se encontraram e no dia que Scarlett foi embora, no dia que Sirius a salvou e no dia que o Ministério a condenou.

— Eu sinto muito. — Scarlett já não tinha mais lágrimas para chorar, embora a voz estivesse embargada. — Eu sinto muito.

Sirius fungou com força, deitando-se no chão úmido, encarando o teto com aquela expressão que não deixava nada escapar. Houve um tempo em que Scarlett sabia muito bem ler as íris cinzentas, extraindo delas cada sentimento que inundava o coração de Sirius, os bons e ruins, os doces e os sórdidos.

Scarius | Sirius Black (Ato I)Onde histórias criam vida. Descubra agora