62 - Queria que as coisas tivessem sido diferentes

160 19 10
                                    


LXII


Rabicho, Aluado, Almofadinhas e Pontas possuíam o hábito de deixar a Casa dos Gritos nas noites em que Aluado estava mais agitado. Era difícil brincar com ele dentro daquela casa escura e apertada — nada mais justo do que dar uma volta na Floresta Proibida naquela bela noite de lua cheia.

Almofadinhas, em especial, adorava brincar de pega-pega com Aluado. Era algo quase primal entre eles, que corriam alegremente circundando as árvores e se escondendo; apenas para se encontrar e pular um no outro, abanando o rabo e levantando as orelhas.

Pontas entrava na brincadeira, mas ele era muito sem graça. Corria bem mais rápido que ambos, já Rabicho se escondia com facilidade, embora Almofadinhas conseguisse farejar seu rastro na terra úmida de neve.

O aroma noturno da Floresta Proibida raramente mudava. Almofadinhas capturava as notas de folhagem morta, podridão, criaturas mágicas, algum tipo antigo de magia e...

Um odor diferente. Almofadinhas sabia exatamente o cheiro que cada um de seus amigos exalava — Aluado era algo parecido com verbena, Pontas a canela e Rabicho, torta de maçã.

Porém, aquela coisa... fedia. Não era um fedor de vísceras ou excrementos, mas havia toques de pelos e terra molhada e...

A floresta foi cortada por um longo e agudo uivo. Almofadinhas, instintivamente, levantou a cabeça e uivou, seguido de Aluado. Pontas comia alguns arbustos e Rabicho contraia o nariz sem parar, como se também tivesse notado o aroma.

Almofadinhas empurrou Aluado, atraindo-o mais uma vez na brincadeira inofensiva. O lobo o seguiu e eles correram novamente, atravessando o lago que refletia perfeitamente o céu; a enorme lua navegando na superfície tranquila e brilhando na pelagem negra do cachorro. Ele se aproximou e bebericou a água, assim como Pontas. Rabicho e Aluado continuavam correndo para lá e para cá, a respiração alta do lobo virando vapor.

Uma fina camada de névoa permeava a floresta, transformando Aluado em um vulto quando ele se embrenhou entre as árvores. Pontas olhou para Almofadinhas, movimentando a cabeça para que eles continuassem. Ele saltou do pequeno declive e parou próximo à Aluado.

Almofadinhas farejou o ar. Outro cheiro diferente, inconfundível, invadiu seu focinho: sangue. Aluado sentiu o mesmo, porque disparou em direção à fonte num impulso. Almofadinhas foi em seu encalço.

Conforme avançavam, um som de briga se tornava mais alto. Eles alcançaram uma clareira e se depararam com dois lobos atacando dois gatos. Ele não conseguiu discernir muita coisa da confusão, pois focou em trombar violentamente com Aluado; atrapalhando o reflexo de manada dele. Os aromas se misturaram, mas havia um resquício de baunilha e um frescor que ele conhecia.

Pontas saltou entre eles, empurrando Aluado com os chifres no instante em que Almofadinhas rosnou e mordeu o pescoço do lobo marrom-claro, obrigando-o a soltar o gato. Isso fez com que o outro lobo, cuja pelagem era tão preta quanto a de Almofadinhas, avançasse nele.

Ele se chacoalhou quando sentiu a mandíbula do lobo preto fechar em sua pata esquerda. Almofadinhas rosnou e largou o lobo marrom, agarrando o couro da outra criatura com os dentes, desvencilhando-se antes de recuar, ofegante e eriçado. Os animais, surpresos com o contra-ataque repentino, também hesitaram, permitindo que os gatos escapassem.

Almofadinhas sabia muito bem que não eram lobos comuns. Possuíam o mesmo tamanho de Aluado e perseguiam o cheiro de sangue com o mesmo ímpeto que ele. Eram Lobisomens — cuja atenção, agora, estava focada neles. Aluado, desconcertado pelo senso de manada que as outras criaturas o enveredou, não sabia se atacava Almofadinhas e Pontas ou se avançava nos lobos.

Scarius | Sirius Black (Ato I)Onde histórias criam vida. Descubra agora