Capítulo 8

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André se retraiu ao sentir o sol atingindo seu rosto. Tanto tempo enfurnado em sua casa fez o rapaz se desacostumar com a claridade do lado de fora; quase fechou a porta de novo para proteger a própria visão.  

Mas, mesmo que quisesse continuar escondido entre quatro paredes, haviam tarefas a serem feitas. E quanto mais cedo elas fossem feitas, melhor.

Assim que Letícia lhe passou as instruções que deveria seguir, prometendo que ligaria mais tarde para ver como estavam as coisas, André se viu obrigado a andar pela cidade pela primeira vez em semanas. Havia uma lista extensa de itens que ele devia ter comprado há muito tempo, além de algumas adições que sua informante havia sugerido.

Contudo, o rapaz não tinha mais a desculpa de ser tarde da noite e ninguém ligar para o que estava vestindo. Em plena luz do dia, à vista de tudo e de todos, ele precisava se vestir como alguém que realmente tinha a vida nos trilhos.

Tomou um banho gelado e escolheu as roupas mais decentes que tinha: uma regata branca com o desenho de uma palmeira, bermudas jeans escuras e um par de chinelos laranjas. Com o calor do meio-dia se aproximando, o rapaz ajeitou seu cabelo em um rabo de cavalo frouxo.  

Por fim, estudou seu reflexo no espelho.

Parecia um turista. Um turista bastante acabado, mas pronto para explorar a cidade e suas ruas ensolaradas.

"Mais praiano do que isso, impossível..."

Engoliu um prato de miojo, o mais próximo de um almoço que poderia ter, e saltou porta afora, desejando terminar aquilo o mais rápido possível.

Nova Maria estava em polvorosa como sempre. Carros equipados com caixas de som atravessavam as avenidas, o ar estremecendo graças a um funk pesadão, um sertanejo melancólico, ou mesmo anúncios de verduras e outras mercadorias em promoção. Pássaros cortavam o céu sem nuvens, assustados pela barulheira, guardando seus cantos para o entardecer. Moradores gritavam entre si sobre dramas familiares ou decepções românticas que o rapaz não estava interessado em saber.

Mesmo assim, caminhando pela calçada desgastada pelo sol constante, ele não conseguiu evitar examinar os rostos das pessoas ao seu redor, estudando suas feições e expressões.

A quantidade de olheiras que viu fez seu coração bater de forma agressiva.

Sem o devido contexto, André teria assumido que era apenas o cansaço de suas rotinas, a exaustão que a vida adulta inevitavelmente trazia.

Mas, depois de sua conversa com Letícia, ele via a cidade e seus moradores com novos olhos.

"Cada morador de Nova Maria teve ao menos um pesadelo desse tipo. Se não foi com Bob, então foi com outro, e assim por diante..."

André sentiu pena de todos eles. Via neles a fadiga que via em si mesmo todas as manhãs. Não importava o quão tarde acordasse, o cansaço estava sempre ali, pesando cada membro de seu corpo e enevoando seus pensamentos.

Quem imaginaria que sonhos causavam tanto estrago?

Pensou no pai, no quanto ele amava aquela cidade. Em todas as vezes que a visitou, teria o homem sonhado com algo que nunca sonhou antes? Teria tido seu descanso interrompido por visões tão horripilantes que sua mente se forçou a esquecê-las, incapaz de processar os horrores que vivenciou?

Seu pai havia comprado a casa de praia logo após o casamento, quando a lua de mel o fez se apaixonar por aquele refúgio litorâneo. A moradia estava à venda por um preço irresistível; o homem brincava que a viagem até Nova Maria era mais cara do que a casa em si.

Aquele era outro detalhe bizarro sobre a cidade: o aluguel em geral era ridiculamente baixo. Mesmo comprar uma casa não era algo tão difícil. Várias pessoas conseguiam comprar à vista.

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