O aroma de guloseimas invadiu seus sentidos.
Letícia ergueu a cabeça em sobressalto, seu cotovelo batendo contra o acolchoado de uma poltrona. Luzes coloridas brilhavam sobre sua cabeça, fazendo seus olhos lacrimejarem.
Conforme sua visão focalizava, a moça se viu diante de uma longa mesa de madeira, coberta por uma toalha vermelha de renda e abarrotada de doces dos mais diversos tipos. Bolos, pudins, biscoitos, eram tantos que já perdia a conta. Havia um prato de porcelana na frente dela, elegante e de aparência cara, contendo uma fatia generosa de bolo de chocolate.
Letícia se sentiu enjoada. O ar cheirava a açúcar, se tornando grudento em seus pulmões.
"Faz um tempo que não tenho esse cenário..."
Ela olhou em volta. A mesa estava contida no interior de uma tenda de circo, seu teto sendo tão alto que se escondia em sombras. Lâmpadas coloridas estavam penduradas pelo ambiente, cintilando feito vagalumes, dando um ar fantasioso ao local. O chão era de terra batida, simples mas ainda charmoso, perfurado pelas diversas estacas que mantinham aquela tenda de pé.
E pensar que já achou aquele lugar lindo.
— Sem fome?
Letícia enrijeceu. Se virou em direção à voz, um chamado que vinha do outro lado da mesa, distante das luzes e das sobremesas.
Sentado em uma poltrona vermelha, os olhos pousados diretamente sobre ela, estava o homem que a assombrava já fazia tantos meses. Não havia comida na frente dele, nada a não ser uma pequena xícara de porcelana, tão elegante quanto todo o resto, parecendo conter algum líquido fumegante.
Mas não era o vapor de um copo de café fresco ou de uma caneca de chocolate quente. Era a fumaça escura de algo queimando.
O parasita sorriu, o rosto escondido pela aba da cartola. Seus dedos longos deslizavam pela borda da xícara.
— Vai ficar encarando o prato a noite toda?
Letícia apertou os lábios. A vontade de responder de forma grosseira era gigante, mas não queria prolongar aquela tortura por mais tempo do que o necessário.
Era apenas um filme ruim que seu cérebro não conseguia largar; odiava o roteiro, mas o seguiria à risca até que seu corpo decidisse acordar.
Deu uma garfada agressiva no bolo, o enfiando dentro da boca. Era bom que ao menos tivesse algo para ocupar a língua.
O gosto era tão maravilhoso que chegava a ser mágico.
Odiava o quanto sentia falta daquele sabor.
— Você está quieta hoje.
Letícia suspirou, brincando com o bolo em seu prato. O que era doce se tornou amargo.
— Beto, eu não tô afim de conversar.
— ...e você está afim de alguma coisa hoje em dia?
A moça rangeu os dentes. Era impossível manter a calma com um ser feito aquele.
— Faça-me um favor e cale a boca.
Beto soltou uma gargalhada. O parasita se apoiou em um braço da poltrona, uma postura bastante casual, a jaqueta vermelha escorregando de seus ombros. Levou a xícara aos lábios sorridentes, tomando um longo gole. Mesmo sem ver direito, Letícia sabia do que a bebida era feita.
Desejou que ele engasgasse.
— Querida, estamos em nosso horário de folga. Não vamos deixar as coisas mais desagradáveis do que já estão.
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Oneirofobia
HorrorOneirofobia: o medo extremo de sonhar. Três jovens adultos, atormentados por pesadelos terríveis, se juntam para investigar e deter as estranhas entidades que assombram seus sonhos. No processo, eles aprendem que seus medos podem ser muito mais pr...