Letícia sempre gostou de cozinhar.
Havia algo mágico em todo o processo, na maneira que combinava ingredientes tão diferentes para alcançar um sabor agradável e prazeroso. Cozinhar era um mar de infinitas possibilidades: ela podia seguir receitas, mas também podia criar algo totalmente novo. Culinária era arte em sua mais pura forma.
E Letícia era uma artista bem empenhada.
Terminou o almoço em tempo recorde, escondidinho de carne com arroz, fez até um jarro de suco de manga para acompanhar. As frutas ficaram mais caras nos últimos meses, mas a moça simplesmente odiava suco de caixinha; aquilo era água suja em uma embalagem bonita.
"Não posso torturar meu novo hóspede assim."
Letícia deu um sorriso torto, afeiçoado.
"Essa casa realmente encheu, em?"
Era difícil acreditar que eram três agora. Por muito tempo havia sido apenas ela e Vera Lúcia entre aquelas paredes, discutindo assuntos que a maioria das pessoas acharia loucura. Imersas em sua investigação do sobrenatural, as perguntas que as duas faziam pela cidade eram... questionáveis, para se dizer o mínimo. Elas haviam se tornado uma dupla um tanto infame, atraindo olhares julgadores por onde quer que passassem, especialmente dos moradores mais conservadores e religiosos.
A ideia de parasitas dos sonhos infestando a cidade não os agradava muito.
Não quando muitos deles já sonharam com um misterioso par de olhos dourados.
"É uma verdade difícil de engolir."
Letícia provou um pouco da comida, satisfeita com o resultado.
"Mas tudo tem seu jeito!"
André era prova concreta disso.
Admitia que o primeiro encontro entre eles não havia sido dos melhores... mas vejam onde estavam agora, juntos sob o mesmo teto, unidos contra os perigos que rondavam durante a noite. Lidar com uma ameaça em comum era uma ótima maneira de construir laços; foi assim que ela e Vera Lúcia se conheceram, afinal de contas.
O rapaz não falou muito desde que chegou ali, o que era compreensível, ele e Vera haviam passado por um sufoco e tanto. Letícia estava disposta a transformar aquela casa no lugar mais seguro e aconchegante possível. Era o que eles mereciam.
"Melhor chamá-los antes que desmaiem de fome!"
Botou os pratos e os talheres sobre a mesa, se apressando até a sala de estar. Ouviu a voz de André antes de entrar, o que a fez parar nos trilhos, espiando o que quer que seus amigos estariam fazendo.
André e Vera Lúcia estavam sentados sobre o tapete cor-de-rosa, rodeados pelas almofadas que antes decoravam os sofás. O rapaz exibia uma expressão concentrada no rosto.
— Deixa eu ver se entendi...
André fez um círculo com a mão direita, deixando apenas o mindinho de fora. Ele sacudiu a mão de leve.
— Esse é o sinal para "oi"?
Vera Lúcia afirmou com a cabeça.
André então abriu a mão por completo, acenando para os lados.
— E esse é o sinal para "tchau"?
Vera Lúcia sorriu, afirmando com a cabeça de novo.
— ...uh, não é tão difícil quanto achei que seria — o rapaz se ajeitou sobre o tapete. — Há mais algum sinal importante que eu precise saber?
A moça afirmou com a cabeça.
— E qual é?
Ela lhe mostrou o dedo do meio. André fechou a cara no mesmo instante, o rosto tão vermelho quanto um pimentão.
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Oneirofobia
HorrorOneirofobia: o medo extremo de sonhar. Três jovens adultos, atormentados por pesadelos terríveis, se juntam para investigar e deter as estranhas entidades que assombram seus sonhos. No processo, eles aprendem que seus medos podem ser muito mais pr...