Descobertas.

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***KARA POV***

Kara, sentada à pequena mesa da cozinha, lia a carta que recebera do advogado de “sua sócia”, notificando a intenção de Lena de iniciar um processo de transação para a compra de sua parte na Construtora. Sua tia ainda dormia, e ela agradecia por isso, porque a carta a pegara de surpresa, embora concordasse com o conteúdo. Já era hora de por um ponto final naquela sociedade, que lhe fora imposta tão contrariamente.

Mas, por que Lena só agora decidira pela compra? Teria encontrado alguém para compartilhar o resto de sua vida?

A ideia não devia machucar, mas machucou.

Amara tanto Lena no início que suspeitara até que estivesse ficando louca... Eram tão jovens, tão sonhadoras, principalmente ela, e talvez por isso tenha sido uma paixão descontrolada.

“Não pensarei mais nisso.” ordenou a si mesma e voltou a ler a carta.

O texto perguntava se ela poderia ir até São Paulo para se encontrar com a sócia. Claro, na presença dos respectivos advogados. Então, poderiam entrar num acordo à fim de conseguirem uma transação rápida e sem problemas. Poucos dias do tempo dela seriam suficientes, profetizara Tales Vergueiro, advogado e padrinho de Lena.

E, todas as suas despesas, como as de seu advogado, seriam por conta de Lena, uma vez que esta estava impossibilitada de deixar São Paulo naquele momento.

Kara fez uma pausa e se perguntou, por que Lena não poderia vir até a Inglaterra. Para uma mulher que costumava viver com uma mala na mão, era muito difícil imaginá-la sob algum tipo de restrição.

Era difícil imaginá-la de qualquer forma, decidiu, e abandonando a leitura, recostou-se no espaldar da cadeira e, fechou os olhos.

Havia apenas um problema com os detalhes que o Dr. Tales Vergeiro expusera. Não sabia como iria passar alguns dias no Brasil, porque não podia deixar sua tia sozinha.

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***LENA POV***

- Quando chega o voo dela? - Lena estava sentada à mesa no sofisticado escritório em São Paulo. Nas duas semanas de seu regresso, transformara-se em uma pessoa diferente. A mulher relaxada de San Esteban desaparecera, dando lugar à determinada mulher de negócios.

Não estava feliz com a volta daquela pessoa, outra vez, mas sua mesa se encontrava cheia de projetos e licitações que precisavam de sua atenção com máxima urgência. Ia de uma reunião à outra, mal tendo tempo para respirar entre elas.

Sua vida social, composta de refeições demoradas num restaurante em San Esteban, se transformara agora em constantes encontros sociais que a faziam rangem os dentes. Além disso tudo, seu amado irmão Lex, braço direito dela na Construtora, estava fora de órbita com os preparativos para seu casamento.

Com o falecimento de seu pai  Lionel e de Liam, seu irmão gêmeo, Lena tornara-se a cabeça da família Luthor Mendonza. Portanto, era sua responsabilidade responder no lugar do patriarca. Sua mãe se tornava mais neurótica com a proximidade do grande dia de Lex, e se desesperaria ainda mais, caso sua filha mais velha não a escutasse.

- Esta tarde. - Tales a chamou de volta.- Mas insistiu em fazer as próprias reservas. Ficará no Hotel Apolinarius.

Lena franziu o cenho.

- Mas é um hotel tão medíocre. Por que Kara preferiu ficar lá, quando poderia ter se hospedado no melhor hotel de São Paulo?

Tales deu de ombros, num gesto indiferente.

- Tudo o que sei é que recusou nosso convite de fazer os arranjos e, reservou três quartos, e não dois, um deles com solicitação de acesso para cadeira de rodas.

Acesso para cadeira de rodas?!

- Por quê? O que aconteceu com ela? Sofreu algum acidente?...está doente? - sua voz saía estrangulada pelo susto.

- Não sei se o aposento é para ela, Lena!....

- Então descubra! - interrompeu-o, zangada, trêmula....

De súbito, a ideia de sua linda feiticeira presa a uma cadeira de rodas a fez sentir-se doente. E, com certeza, devia ter ficado bastante pálida, pois seu padrinho encarava-a, assustado.

- Isso poderia mudar tudo, você não vê? Toda estrutura na qual nos baseamos para o processo da compra, pode precisar ser revisada para acrescentar uma quantia por incapacidade física.

- Acho que está bem coberta para qualquer eventualidade, Lena. - retrucou o advogado, com um pequeno sorriso cínico.

- Isso não é o bastante. - ficou um tanto furiosa com o cinismo do advogado, então levantou a voz e encarou-o, firme.

- Esse não é meu objetivo. Não quero tirar nenhuma vantagem dessa compra. Kara confiou em mim quando me emprestou quase todo o dinheiro que herdou e, você sabe que só foi possível levar adiante o projeto da Espanha e, sairmos das dívidas que tínhamos, com esse dinheiro. Então, deixarei nossa sociedade com a certeza de que a tratei com justiça até o fim...

Tales parecia perplexo diante a explosão de Lena.

- Desculpe-me, Lena, jamais pretendi...

- Sei muito bem o que pensa... - interrompeu-o novamente, ainda tensa.

O ridículo comentário “bem coberta” a tirara do sério. Sabia o que sua família pensava de Kara e da herança que recebera sem qualquer esforço. De certo discutiam entre eles usando aquele mesmo tom depreciativo. Mas estavam totalmente enganados se acreditavam que o fim do relacionamento entre elas, fora culpa da “rebelde e insuportável inglesinha”, porque não era. Pelo menos, não totalmente.

- Embora nosso relacionamento não tenha dado certo, Kara merece e terá todo meu respeito, ... sempre. Entendeu, Tales?

- Claro. - respondeu o homem, mais do que depressa, com voz sumida.

Para um homem que tinha duas vezes a idade de Lena e, que também era seu padrinho, Tales Vergueiro, de repente, parecia um mero empregado subordinado quando assentiu com um gesto de sua cabeça branca.

- Descubra o que puder antes que eu me encontre com ela... - ordenou Lena, consultando o relógio. - ...agora, tenho uma reunião importante.

Tale entendeu o recado e saiu da sala, sem nenhum comentário. Lena esperou até que a porta se fechasse para soltar um longo e dolorido suspiro.

Levantou-se, caminhou até a janela e passou a observar o trânsito lá fora. Sentia sua cabeça pesada, dolorida e seus ombros, tensos. Sabia que tinha se comportado de forma rude e irracional com seu padrinho. Entendia também a atitude de Tales, afinal à apenas quinze dias, ligara para ele, informando-o para entrar com a proposta de compra.

Mas, até poucas semanas atrás, em sua cabeça, Kara era uma feiticeira teimosa e rebelde. Agora, por um pequeno comentário, tornara-se novamente aquela criatura jovem, vulnerável e encantadora, que a arrastara de um céu de sensualidade para o inferno da sociedade paulistana.

“ Uma cadeira de rodas...” - respirou fundo.

O telefone tocou avisando-a da reunião.

Tinha que estar preparada para não desmoronar na frente de Kara.

Uma segunda chance.Onde histórias criam vida. Descubra agora