O avião pousou em Soledade Santa.
Fazia muito tempo desde a última vez que pisara em solo brasileiro e, para ser sincero, nem
mesmo me lembro quando exatamente o havia feito. Provavelmente, quando tinha cerca de
dezesseis anos e vim visitar o meu velho pai, Marcos.
O barão do café. Marcos Ward era o dono de uma das maiores empresas da cidade de
Soledade Santa, quiçá do país, do império produtor de café.
As empresas Ward Cafés produziam anualmente uma saca próspera e renomada que fazia
esse império triplicar cada vez mais. Eu tinha acesso a tudo, o que entrava e saía, pois era o rosto
que levava esse poderio para outros países, ainda que não viesse com frequência acompanhar a
produção de perto nas terras do meu pai. Ao menos até o dia em que descobri que o velho sofrera
um infarto, o que me fez deixar a vida na América para visitá-lo, além de outros motivos, é claro.
Não estava nos meus planos fazer isso, mas vim.
Viver fora do país sempre foi como um refúgio. Eu escolhi essa vida e não me arrependi
nem um pouco. Saí de casa muito jovem para estudar, tive apoio do meu pai e ganhei o mundo.
A princípio fiz contabilidade, mas não me vi totalmente atraído pela área, então resolvi cursar
administração de empresas, o que na prática veio a calhar, pois o velho Marcos me colocou como
estagiário para organizar algumas coisas de sua empresa. É claro que isso durou pouco tempo,
dado que provei ser o melhor e assim virei o responsável por expandir o império.
Deu certo.
Comecei a colocar a mão na massa. Montei uma equipe, organizei tudo para abrir a
primeira filial da Ward Cafés. E foi um sucesso estrondoso, que sem dúvidas contribuiu para que outras mais fossem abertas. Os estrangeiros apreciavam as iguarias do Brasil, assim como
saboreavam o pó que era o nosso maior diferencial no mercado.
O toque especial, eu diria.
A sede da empresa ficava na cidade do meu pai, enquanto as sucursais se espalhavam pelo
mundo afora, sob o meu controle e domínio.
Por muito tempo esse esquema decorreu bem, mas, como mencionei, o barão sofrera um
infarto menos de dois meses atrás. Apesar de que já se encontrava estável, precisei mudar a rota
para vê-lo. Não podia ignorar a existência da pessoa mais importante que me restava, já que dona
Esther morrera muitos anos antes. Eu não tinha muito afeto pela minha mãe, ainda mais depois
de saber que ela teve outra família na qual gerara um filho bastardo.
Não sabia por onde esse irmão andava, ou o que fazia da vida, pois cresci tendo raiva e
remorso da sua existência, em decorrência de tudo que vi meu pai sofrer ao saber que a sua
adorável esposa tivera outro. Eu sabia que lá no fundo havia algo mais por trás de tudo, porém
nunca dei atenção, nem mesmo fui atrás para saber o porquê.
Coisas assim devem ficar no passado.
Anos se passaram.
Casei-me com vinte e nove anos, não por amor, mas sim em um arranjo que fiz movido
pela ambição de fazer sociedade com um imperador.
Um maldito monarca.
Luciana. No tempo em que nos casamos, a pobre garota tinha apenas vinte anos e nem
mesmo se importou se o casamento seria de conveniência ou não, pois não passava de um pau-
mandado do pai. Não foi um problema para mim, pois meus interesses nela eram outros, tanto
que fizemos um acordo cuja principal cláusula visava a garantir minha total liberdade para ter
casos extraconjugais. E ela aceitou.
Até certo ponto.
Luciana aceitou ser minha esposa, mas também queria atenção exclusiva na cama e
começou a me seduzir. Como um homem consegue negar uma boceta? Eu não consegui, o que
foi meu maior erro, pois começamos um enlace que ia além do previsto para o casamento. E que
sem dúvidas foi a minha maior ruína, dado que a maldita ficou grávida.
Meu plano era prosperar o império de café pelos continentes em que tinha dificuldade de
selar negócios. O pai da garota nada mais era que um meio para um fim, e, como tinha um
caráter duvidoso, conquistar sua filha foi o ponto crucial para resolver isso. Luciana era o que
chamavam de ponto fraco, o que fez seu pai abrir portas para realizar meus objetivos.
E como deu certo.
Até que ela ficou grávida e perdeu.
Minha esposa colocou na cabeça que queria outro filho e eu caí em tentação, como o bom marido que era. Só que ela perdeu novamente, ao total foram três abortos consecutivos. Nem
mesmo os médicos explicavam como uma mulher jovem e saudável como ela não conseguia
segurar um bebê. E isso foi o que a fez ficar maluca, até que engravidou pela quarta vez, e enfim
conseguiu segurar até o fim.
Ao menos tive paz.
Não era muito difícil me sujeitar a fazer sexo com Luciana, mas não tinha emoção, nem
mesmo tesão. Se houve em algum momento, isso passou quando o seu foco maior se tornou me
ver gozar e sair de cima, já que o seu objetivo era só ter um filho.
Ela queria.
E eu daria.
Foi por isso que comecei a pôr em ação a cláusula do contrato, passei a me envolver com
outras mulheres em completo e puro sigilo. O intuito era só saciar a fome que em casa não tinha,
nem mesmo se quisesse, ainda mais que a minha esposa só queria se reproduzir e fim.
E ela conseguiu.
Luciana ficou grávida e carregou o bebê saudável até os nove meses. Enzo veio ao mundo
no tempo certo, tão forte e radiante. E eu, que nem queria ser pai, me vi encantado por uma
criança linda e pura.
Meu filho.
Só que felicidade que é bom...
Durou pouco.
Minha esposa teve depressão pós-parto, o que a fez rejeitar nosso filho. Eu tive que
contratar babás para cuidar da criança que ela tanto queria, enquanto se trancava dentro do quarto
e tomava seus remédios. Isso durou um ano, até que foi melhorando conforme cuidava da sua
saúde mental, mas os problemas não acabaram por aí.
Enzo foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Não fui eu ou a minha
esposa que fizemos esse laudo, mas sim os médicos. Nem eu nem ela éramos presentes na vida
da criança, o que fez os responsáveis por sua criação notarem, ao passo que Enzo crescia, até que
fomos avisados e me vi na obrigação de assumir meu papel de pai. É certo que não queria um
filho, mas fiz por desejo de Luciana, o que me fez consequentemente manter o mínimo de
contato possível, mas aquilo teve de mudar com o laudo médico.
Enzo precisava dos pais.
- Já sabe o que vai fazer?
Augusto, meu advogado e melhor amigo, falou, chamando-me a atenção, já que estava
perdido em pensamentos desde que o avião pousara.
- Em relação a quê? - Direcionei o olhar para o homem à minha frente.- Com as terras.
- Ainda não sei... Preciso averiguar.
- Temos um problema pela frente.
- Que será resolvido, é claro. Eu não vim de tão longe para perder uma guerra. - Soltei
uma lufada de ar.
- Deveras. Apesar de que, preciso ressaltar, não vai ser uma tarefa fácil.
- Nunca imaginei que fosse. Não há vitória sem um pouco de conflito.
Augusto se referia aos problemas que a fazenda estava enfrentando. Grande parte das terras
eram propriedade da minha mãe, que mesmo morta ainda dava trabalho. Dona Esther, pelo visto,
antes de partir dessa para melhor doou uns hectares a uma família que ficava nas redondezas do
vilarejo. Isso não deveria ser um empecilho, mas se tornou no momento em que prejudicou a
produção de café.
Eu iria oferecer muito dinheiro para que os pobretões fossem embora, liberando assim a
passagem para a produção se expandir pela região.
E assim tudo voltaria ao normal.
O problema?
Eu iria descobrir em breve.
- A funcionária do meu pai falou que a família que reside nas terras da minha mãe é de
origem pobre. Então não vai ser muito difícil convencê-los a ir embora.
- É claro. O dinheiro sempre compra tudo, não é mesmo?
- Espero que sim. Ou terei que estender a estada neste lugar.
Não queria.
Eu tinha uma vida nos Estados Unidos, inclusive uma que precisava ser resolvida. O meu
divórcio com Luciana, e o meu filho, que precisava do pai.
- O que seria uma lástima...
- Concordo. Por isso temos que resolver isso logo, Augusto.
- Claro, chefe.
Algo me dizia que não seria fácil.Dêem ⭐
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Os trigêmeos perdidos
FanfictionSebastian Ward passou metade da sua vida em solo americano. Herdeiro do império do café, o bilionário é um dos homens mais renomados e conceituados do mundo. Aos quarenta e três anos, tudo que Ward quer é continuar expandindo seus negócios, não impo...