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Sebastian

De volta à Soledade Santa.
— Ainda bem que você voltou, chefe. Eu não aguentava mais ter que trocar ideia com seu
pai…
Augusto falou, entrando no escritório da fazenda todo cheio de gracinhas.
— Então sentiu saudades de mim? — perguntei, entrando no clima de descontração entre
dois grandes amigos.
Conheci o babaca quando ainda estava na faculdade. Ele não passava de um nerd
atrapalhado, que as garotas sequer olhavam, até que viramos amigos e decidi ajudá-lo a mudar o
estilo, entre outras coisas.
O tempo foi passando e a nossa amizade se manteve ainda mais forte, eu segui em um
curso e ele foi fazer direito. Como eu já tinha um caminho mais aberto de possibilidades, assim
que Augusto se formou, o chamei para trabalhar ao meu lado, cuidando das burocracias das
minhas filiais.
Eu nunca tinha nada a reclamar com relação ao seu profissionalismo, ética e moral, que
estavam presentes em todas as suas atitudes e ações. E foi por isso, e muitas outras coisas, que o
escolhi para trabalhar comigo e vir junto nesta viagem para o Brasil.
Ele era meu braço-direito.
Único e melhor amigo.
E somente Augusto para lidar com os impasses que eu tinha que resolver.
— Como não? — Puxou a cadeira para se sentar em minha frente. — Só que você nãosentiu de mim, ainda mais quando estava em boa companhia. Então, é tesão, ou é amor?
Revirei os olhos.
— Que conversa é essa de tesão ou amor? — falei com desdém.
— Ah, sorry — pediu desculpas em inglês. — É um trecho de uma música que ouvi esses
dias. Você sabe, minha namorada cheira a leite e gosta de uns estilos musicais meio estranhos.
— Que merda, Augusto! Então estão oficialmente namorando?
— É. Infelizmente não conseguimos colocar um ponto-final, então encontrei um meio para
fazer isso dar certo. Ela não quer se entregar a mim, não sem uma aliança no dedo, o que me fez
mostrar outra forma de amar, que não envolve foder.
— Não quero nem saber disso. — Senti um asco na boca ao responder.
— Como se você não tivesse feito nada disso nessas duas últimas semanas. Fez, ou não?
— É lógico que fiz — respondi, um pouco orgulhoso por ter sido o primeiro homem de
Carolina.
E talvez o último…
Tudo dependia do decorrer das coisas.
— É lógico que fez. Você não costuma dar ponto sem nó, Sebastian. Então… É tesão
passageiro, ou uma paixonite?
— Ainda não sei dizer. — Engoli em seco. — Eu gosto muito dela.
— A ponto de abrir mão de tudo por ela? Ou comprar uma briga com seu pai? Afinal, é
isso que vai acontecer quando o velho souber…
— Meu pai não tem poder sobre a minha vida.
— Ele deixou claro que odeia aquela família e quer as terras, essas mesmas que você
comprou e passou para ela. Tem noção do tamanho da confusão em que está se enfiando sem
medir as consequências?
Apertei o punho com força.
— Está tudo sob controle, Augusto. Não há com que se preocupar. Só foi uma aventura
sem importância — menti.
É claro que não foi.
O que vivi com Carolina em duas semanas foi tudo menos uma aventura. Foram os
melhores momentos de toda a minha vida. Pela primeira vez, eu me senti em paz, acolhido, sem
me preocupar com trabalho, medos ou incertezas.
Minha gatinha felina me mostrou o lado doce de se viver.Não foi só sobre sexo, foi além.
Eu a amei intensamente, me vi todo embriagado pelo seu sorriso, enfeitiçado pela forma
como gargalhava, a felicidade que estampava no rosto com pequenas coisas, tão simples e
humilde.
Ela era única.
Especial.
Eu nunca me esqueceria das duas semanas incríveis que vivi com ela. E doeu ter que
deixá-la na casa do pai sabendo que essa noite iria penar sem conseguir dormir. Já estava tão
apegado, acostumado a fazer isso com minha gata felina aninhada em meus braços. Era tão bom
acordar sentindo seu calor, cheirando seus cabelos e esperando que acordasse para que eu
pudesse amá-la mais e mais.
Só um pouquinho mais.
Infelizmente a realidade nos chamou. Carolina já estava em casa, de volta à sua vidinha
pacata e tranquila, enquanto eu teria que dar continuidade aos planos para alcançar meus
objetivos, sem ter ainda ideia do que esperar de um futuro entre nós dois.
Se é que tínhamos um.
Minha gata felina não respondeu se queria formalizar as coisas, rotular um namoro ou
fosse lá o que fosse, e eu, assim que tivesse tempo, iria correr para encontrá-la e matar a saudade,
essa mesmo que deixava meu peito apertado, corroendo de ansiedade.
Era saudade dela.
Sede de beijá-la, tocá-la…
— Uma aventura que te deixou todo apaixonado. Porra! Você suspira só de pensar nela.
Vem dizer que não?
— Eu gosto dela, já falei. — Gesticulei com os dedos. — Só isso, e nada mais.
— Sei bem… Um gostar capaz de deixá-la aqui solta enquanto você vai ter uma vida bem
longe destas terras?
— O que quer dizer com isso?
— Nós vamos ter que voltar em algum momento, Sebastian. E, querendo ou não, você terá
que deixá-la para trás. Assim como vou abrir mão da minha pequena… — Suspirou fundo.
— Seja mais claro, porra!
— Eu já descobri tudo — revelou de uma vez. — Está preparado para o que tenho a te
dizer?
— Sim, estou.— Você tem uma irmã de um ano.
Quase fiquei sem ar, tamanho impacto.
— Aproveitei que você estava fora para colocar a mão na massa e investigar a garota da
foto. Fiz isso sem levantar suspeitas e sem que o seu pai desconfiasse. Em troca de dinheiro, é
claro, consegui encontrar o endereço onde a menina da foto mora, e foi assim que descobri que
você tem uma irmã, caralho! Uma bebezinha de um ano! — continuou falando.
— Isso não pode ser verdade!
— É claro que é! A garota da foto se chama Paula, ela tem vinte anos e afirmou com todas
as letras que teve um caso com seu pai por dois anos!
Mal conseguia raciocinar…
Era muita informação para processar.
— Paula se mostrou bem resistente no começo, quando fui até sua casa, mas nada que um
pouco de persuasão e dinheiro não façam alguém abrir a boca. Ela falou com todas as letras que
ficava com seu pai às escondidas e foi embora quando descobriu a gravidez, que o velho barão
foi capaz de rejeitar…
— Então o dinheiro… — finalmente consegui criar coragem para falar.
— Foi para que ela vivesse bem longe dele com a criança. E você sabe, para evitar que
algo assim chegasse ao seu ouvido. Uma pena que neste percurso acabamos descobrindo.
— Meu pai teve um caso com uma garota e de quebra a engravidou. — Levantei-me de
uma vez da cadeira. — Isso é pior do que previ…
— Se quiser podemos ir até lá conhecê-la.
— É claro que quero, porra! É a minha irmã… Uma irmã — murmurei, ainda incrédulo. —
Eu quero mesmo é matar o meu pai. Velho asqueroso!
— Vai ter tempo para isso, barão.
— Pegue as chaves, Augusto, eu quero conhecer essa Paula e a criança.
— Você que manda!
Era hora de jogar.
Olho por olho.— Obrigado por nos receber, Paula… Este aqui é Sebastian Ward, Suponho que já tenha
visto alguma foto dele.
Augusto tentou ser cordial com a garota, enquanto eu fiquei quieto.
O lugar onde a ex do meu pai morava ficava a pouco mais de uma hora da fazenda, não
muito longe.
— Aham. Podem entrar. — Nos deu passagem e assim entramos um por um.
Reparei de primeira que era uma casa bem humilde, simples e pequena. Augusto continuou
conversando com a tal Paula, e eu mal sabia o que falar.
Sinto muito?
Desculpe?
Eu só queria dar um soco no meu pai, isso sim.
— Eu já vi fotos suas, Sebastian. E seu pai sempre falava de você.
— Que bom — respondi, baixo. — Você mora aqui há quanto tempo?
— Desde que fui expulsa da fazenda.
— E tanto dinheiro que meu pai manda não é suficiente para comprar um lugar melhor
para vocês? — incluí a criança na equação.
— Estou financiando um apartamento na capital — falou e senti sinceridade no tom da
voz. — Vou me mudar para lá no final do ano. Podem se sentar, se quiserem. E guardando uma
parte do dinheiro para o futuro da criança.
— Estou bem de pé, obrigado. Cadê a criança?
— O nome dela é Luna, e está dormindo…
— Será que posso vê-la?
— Pode, sim. O quarto dela é o segundo do corredor — explicou.
— Antes preciso saber. Quero que seja sincera e me conte tudo, estou disposto a pagar
muito por suas respostas. — Coloquei as mãos nos bolsos da calça. — O que uma garota jovem
como você quis com meu pai?
— Vou ser sincera, porque não vejo necessidade de mentir na sua cara. Eu não queria nada, a princípio. Só que ele começou a insistir muito, prometeu céu e terra, até que caí em
tentação. Foi isso — revelou. — Juro que realmente me apaixonei por ele, pela forma como me
tratava e tudo mais. Só que foi uma ilusão.
Senti ânsia de vômito.
Não dava para engolir essa história.
— Ele me mandou embora assim que contei que estava grávida. Na verdade, fez muito
pior que isso. Fui humilhada e xingada. Foi horrível — continuou falando. — Segui com a
gravidez sozinha até que achei justo exigir os direitos da minha filha, era isso, ou eu iria procurar
você e contar.
— Contar que um velho como meu pai assediou uma garota que trabalhava para ele? Me
diga… Marcos tentou alguma vez te obrigar a algo que você não queria?
— No começo, sim, muitas vezes. Ele me abordava no meio do corredor, apertava meus
peitos, passava a mão na minha bunda.
Caralho!
Observei Paula se retrair, incomodada com as confissões que falara em voz alta.
— E você ficou sem saída, senão aceitar se envolver com ele — resumi logo.
— Sim. Eu me arrependo muito! Não há um dia sequer em que não me arrependa de ter
ficado com ele. A única coisa boa nisso tudo foi minha filha…
— E o dinheiro, é claro.
— Não sou interesseira, Sebastian!
— Ei, ei. Vamos conversar civilizadamente — Augusto interveio.
— Quero ver a criança, Paula — sussurrei rouco. — Outros assuntos e questões
burocráticas, vou deixar que Augusto resolva em meu nome.
Ela concordou, assentindo.
Deixei os dois na sala e segui caminho para o quarto onde estava a bebê. Encontrei a porta
aberta e entrei. Não me atentei aos detalhes, somente ao berço que acolhia um ser inocente
gerado pelo meu pai. Como se não bastasse ter um irmão em algum lugar do mundo que eu
desconhecia, o filho da minha mãe, agora tinha uma com idade para ser minha filha.
Deus.
Ela era tão bonita. Luna dormia, serena. Tinha os cabelos escuros, uma cabeleira grande
para alguém da idade dela. O rostinho delicado, dócil, bem gordinho, dava para ver que Paula
cuidava bem da garotinha.
No meio de tanta sujeira, um anjo.Só sei que queria acabar com a raça do meu pai.
Entrei em casa furioso e nervoso. Augusto me deixou na fazenda, e foi procurar a
namorada. Por sorte, assim que pisei o pé na sala, vi meu pai sentado na cadeira de balanço. Eu
pretendia encurralar o velho barão e colocar as cartas na mesa.
— Mal chegou de viagem e já foi passear, Sebastian.
Parei em sua frente.
— Fui ver minha irmã.
— Até onde sei, sua mãe só teve um filho e este você desconhece.
— Paula. Este nome te lembra alguém? — disparei falando.
— O que você sabe, Sebastian? Andou revirando meus passos? O que desgraça você quer
com isso?
— A verdade, papai! Você teve um caso com uma garota e de quebra colocou um filho
rejeitado nela?
— Não sei de nada, filho. Isso é conversa fiada que o povo inventa.
— Acabei de chegar da casa dela. Ainda peguei sua filha no colo…
— Não deveria ter feito isso! — berrou. — Eu te proíbo de se aproximar delas, Sebastian.
Isso não é um assunto para você resolver.
— Tarde demais, pai. Eu já sei de tudo.
— Desgraçado! Não volte a mexer nos meus assuntos ou no meu passado, entendeu?
— E vai fazer o que, pai?
— Não vá por este caminho, Sebastian. Posso estar velho demais, fraco de saúde, mas sei
jogar este jogo. E eu não jogo para perder.
— Que seja, papai! A sujeira já está feita e agora já sei de tudo.
— Então sua missão aqui acabou. Pode voltar para sua vidinha.
— Tarde demais, pai.— Tarde demais porque agora está fodendo a filha daquele desgraçado? O quê? Pensou
que eu não ia saber?
— Não se refira a ela assim. — Ergui um dedo em sua direção. — E não tente mudar de
assunto.
— Você mexeu no vespeiro, Sebastian. E agora terá que lidar com as consequências —
ameaçou.
Porra!
As coisas desandaram de vez.

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⏰ Última atualização: Sep 02 ⏰

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