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Sebastian

DIAS DEPOIS
— Tenho duas notícias que vão deixar o seu dia feliz. Quer ouvir a número um, ou a dois? — Augusto falou assim que passou pela porta do escritório da fazenda.
Eu estava tão entretido lendo alguns relatórios da produção de café que nem mesmo dei
importância para o que falara, entrava por um ouvido e saía pelo outro.
— Não vai mesmo querer ouvir, chefe? — perguntou, sentando-se na cadeira em minha
frente. — Acredito que vai gostar muito de saber que é oficialmente um homem livre.
Soltei os papéis em um rompante, desviando o olhar finalmente para o Augusto.
— O advogado da sua ex-esposa ligou hoje mais cedo avisando que Luciana assinou os
papéis do divórcio. Parabéns, Sebastian, agora já pode casar de novo.
Saboreei a notícia com um sorriso largo.
Finalmente!
Esperei tanto por esse momento que pareceu uma eternidade para chegar.
Caralho!
— Ela assinou sem mais delongas? — perguntei, curioso.
Fazia dias que não falava por ligação com Luciana, apenas com Enzo e a babá, mas tivera
acesso aos seus passos, o que fazia, para onde ia, por questões de segurança, até mesmo pelo
quadro clínico de depressão do passado, então eu a acompanhava de longe por temer que tivesse
alguma crise emocional.Era tudo pensando no bem-estar do nosso filho.
Minha ex-esposa estava bem, não tivera nenhuma recaída depressiva nos últimos meses e
se esforçava para ir a todas as consultas, tomava os remédios, assim como vinha sendo uma mãe
perfeita para Enzo. Tudo isso me deixava despreocupado, mas não menos alerta e cuidadoso.
Tinha contratado pessoas para ficar de olho, assim como as melhores babás para cuidar do
meu único herdeiro, afinal segurança e proteção nunca eram demais, e Luciana tinha consciência
disso tudo. Ela me conhecia o suficiente para saber que sempre fora um homem pragmático, que
gostava de controle acima de tudo.
Sempre foi assim.
Talvez por isso o nosso casamento tenha durado tantos anos.
Ela concordava com todas as minhas ideias.
Luciana era a esposa perfeita, aquela que nascera para cuidar do marido, ser mãe, a mulher
que qualquer magnata da sociedade adoraria ter ao lado, não reclamava de nada, aceitava tudo e
nunca tinha uma opinião forte sobre nenhum assunto. Em outras palavras, ela nada mais era que
um fantoche para se exibir.
E eu, de fato, nunca quis isso.
Só no começo, quando ainda estava subindo na vida com o império do café.
Nosso acordo foi mais comercial do que de amor, e por muito tempo as aparências
serviriam para cobrir os buracos da nossa estrada da vida, até chegar o momento em que percebi
que não podia ficar sentenciado para sempre a algo fracassado. Estava cansado de ter que me
satisfazer pelas ruas, com mulheres de programa, que eram pagas para me dar prazer e nada
mais; não que fazer isso fosse ruim, muito pelo contrário, até que era bom, mas eu sentia falta de
mais.
Muito mais.
Foi por isso que iniciei o processo de divórcio, que enfim saiu do papel.
Minha ex-mulher iria receber sua parte do casamento, tudo que fora adquirido após a nossa
união civil, assim como meu filho iria ser amparado mensalmente por tudo que estava ao meu
alcance para promover o melhor para o meu herdeiro.
Eu estava livre.
Finalmente liberto.
— Sim, assim como está ciente de tudo que receberá. A única coisa que precisam acertar é
a guarda de Enzo, pensão, essas coisas — comentou, gesticulando com os dedos. — Podemos
resolver depois, se quiser.
— Estou de acordo. — Sorri largo. — Acredito que a guarda compartilhada será melhor,
visto que não quero tirar o direito de Luciana como mãe. Ela lutou muito para ter Enzo, enquanto eu nem sequer dava importância para o seu sonho. — Suspirei.
— Nada mais justo, não é mesmo?
— E outra, sempre vivo viajando a trabalho, mal tenho espaço para ser um pai de
verdade… — Engoli em seco. — É por isso que precisamos resolver todas as pendências aqui na
fazenda para voltarmos aos Estados Unidos o quanto antes. Eu quero passar um tempo de
qualidade com meu filho.
— Não acho que seja uma opção viável no momento.
— Por que não seria? — perguntei.
— Tenho uma pista que pode nos levar a descobrir o motivo por trás das saídas de dinheiro
que foram feitas pelo seu pai nos últimos meses… — contou.
— Então você finalmente descobriu — constatei o óbvio.
— Em partes, sim. E é ainda mais preocupante do que pensamos. Não são só saidinhas de
dinheiro, estamos falando sobre quinhentos mil reais, tem ideia?
— Caralho, Augusto! — Apertei o punho com força. — Por quê? E para onde está indo
isso tudo?
— Aproveitei que seu pai saiu para uma sessão de fisioterapia para entrar no quarto dele,
foi aí que andei vasculhando as gavetas, guarda-roupas e assim achei. — Augusto tirou do bolso
do terno um papel, entregando-me logo em seguida. — Aqui.
— O que significa isso? — Peguei, vendo que se tratava de uma foto.
Uma mulher.
Na verdade, estava mais para uma garota, dados os traços físicos.
— Então… Fui perguntar às escondidas a alguns funcionários se conheciam quem era essa
pessoa da foto, e me falaram que era empregada aqui da fazenda. Ela se chama Juliana e foi
embora um ano atrás, sem dar satisfação alguma.
— E por que meu pai tem uma foto dessa garota? — Fitei a imagem sem reconhecê-la. —
Pior é que essa mulher lembra muito a minha mãe… Os cabelos escuros e a cor dos olhos. Mas o
que isso tem a ver com o dinheiro?
— Porque o dinheiro começou a sair meses após essa mulher ir embora. Um dos
funcionários me disse que ela ficava até tarde na fazenda com seu pai, quando muitos já tinham
ido para casa; outras vezes, a pegaram saindo do quarto dele. E sabe o que me fez chegar a essa
conclusão? Foi ver que atrás da foto tem o número de uma conta bancária, que precisamos
averiguar mais a fundo.
Foi aí que tudo clareou e senti uma vontade imensa de vomitar.
Olhando para aquela foto, pude constatar que meu pai tinha idade para ser pai dela.— Augusto…, investigue mais sobre isso. — Soltei a foto na mesa. — E torça para que
isso não seja o que estamos pensando, ou serei capaz de matar meu pai.
— Desculpe falar isso, mas… Acredito que esta garota não foi embora à toa e que o
dinheiro tem sido tirado para cobrir alguma merda muito grande que seu pai deixou. Só pode ser
isso… Tenho quase cinquenta por cento de certeza.
— Você consegue descobrir onde essa garota está morando?
— Vamos descobrir. É por isso que vamos precisar de mais tempo na fazenda.
— O tempo que precisar, Augusto. Eu confio em você para resolver isso. É meu advogado,
braço-direito e, acima de tudo, o único amigo que tenho.
— Pode deixar, chefe.
— Vou sair para tomar um pouco de ar, ou irei quebrar a cara do meu pai se encontrá-lo
por acaso. Não sou um homem muito religioso, mas Deus faça que isso seja um engano, ou irei
cometer uma loucura. — Dei um soco na mesa.
Augusto assentiu com a cabeça, partilhando do mesmo pensamento que eu.
— Era só isso que tinha para me falar? — perguntei, por fim.
— Sim, essa era a segunda notícia que tinha para dar…
— Péssima, por sinal — salientei, balançando a cabeça para os lados.
Respirei o ar fresco do cafezal, admirando a beleza extraordinária das plantações, o verde
límpido banhado de uma ponta a outra. Ali, em algumas semanas sairia uma nova saca de café,
que seria colhido e levado para uma das nossas produtoras da região; dali passariam por todo o
processo até que se formasse o melhor pó.
O único e extraordinário.
Era domingo e não havia ninguém trabalhando por ali, o que me deixou mais confortável
para observar meu império do café. Sempre que ia visitar as plantações, os funcionários dali
gostavam de jogar conversa fora, sem parar.
Um pé no saco.
Eu ainda estava meio perturbado com a informação que recebera de Augusto, imaginando
vários cenários envolvendo meu pai e a desconhecida. Nunca pensei que o velho Marcos Ward
estivesse entrelaçado com alguém anos mais jovem que ele, isso sem dúvidas só podia ser uma pegadinha de muito mau gosto. O problema não era só o possível relacionamento, mas também
as saídas grandes de dinheiro.
Por quê?
E para onde estava indo?
Essa mulher podia ter subornado o meu pai a dar-lhe dinheiro ou ele estava comprando o
silêncio dela por algum motivo desconhecido.
Não importava como ou por que, eu iria descobrir o quanto antes. Por causa desse novo
problema, nem pude comemorar o fato de que era um homem liberto.
Completamente.
— Sebastian?
Ouvi uma voz chamar-me e virei-me para ver quem era.
— Seu Antônio — falei surpreso assim que o vi se aproximar. — O que faz por aqui?
— Não me expulse, por favor… — pediu com as mãos em sinal de rendição.
— Jamais faria isso, homem. Pode se aproximar — garanti com um sorriso.
— Obrigado. É que seu pai me mataria se me visse por aqui…
— Juro que nunca entendi esse problema que meu pai tem com sua família. — Coloquei as
mãos nos bolsos da calça. — Está com tempo para me explicar.
— Não há muito o que falar, talvez porque vossa mãe gostava muito de ir lá em casa, se
afeiçoou a minha esposa. Sempre que podia ia nos visitar, levava cestas com coisas e tudo mais — comentou, aproximando-se de mim.
— Esther era realmente uma mulher caridosa… — Engoli em seco.
— Muito. Foi ela que deu aquele pedaço de terra para que eu construísse a casa em que
hoje vivo com minha filha, e foi uma surpresa quando passou-as para meu nome. Foi um
presente, pelo qual sou grato eternamente, que Deus a tenha. — Fez o sinal da cruz.
— E acha que esse é o real motivo pelo qual meu pai os odeia tanto?
— O velho barão não gostou nada de saber que sua mãe fez isso, começou a criar ideias na
cabeça de que eu tinha um caso às escondidas com ela, mas juro, por tudo que é mais sagrado,
que sempre vi dona Esther como uma grande amiga.
— Entendi. No entanto, acredito que não veio aqui para me falar isso, certo?
— Não. Eu vim aqui porque quero vender as terras.
Fiquei surpreso.
Por essa eu não esperava.
— E o que te faz pensar que ainda quero comprar as terras?
— Se não for a você, será outro que irá comprar. Eu não quero vender nossa casa, nem o
pedaço que faz parte dos fundos, mas sim a outra parte, que fica mais ao fundo e faz ligação com
o cafezal, essa em que o senhor tem tanto interesse.
— Tinha. — Estalei os dedos. — Não estou mais interessado em comprar nada.
— Eu não estaria aqui se não estivesse tão desesperado, senhor…
— E qual a razão por trás do desespero? — Franzi o cenho.
— Preciso libertar Carolina de uma vida miserável. Preciso de dinheiro para comprar um
carro para minha menina e assim, quem sabe, abrir um negócio que irá fazê-la parar de ficar
vendendo nas praças, para um lugar mais confortável e seguro.
Gostei de ouvi-lo falar nisso.
Acertou em cheio.
— Eu compro — falei de uma vez. — Mas com uma condição.
— Qual, senhor?
— Vamos marcar um novo encontro para acertarmos todas as questões.
Foi assim que tracei um plano minuciosamente na cabeça.
O plano perfeito.

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