3

106 16 0
                                    

Sebastian

Guardei o celular no bolso depois de passar os últimos minutos olhando as fotos que a babá
enviara por e-mail, do meu filho de quatro anos. Meu coração se encheu de alegria, tamanha
emoção ao ver os registros diários do pequeno. Eu podia não demonstrar ser um dos melhores
pais do mundo, mas estava tentando mudar essa realidade desde o dia em que descobri que meu
herdeiro precisava de mim. Eu me mantive distante por muito tempo e isso se dava pelos
problemas que tinha com Luciana; eles me fizeram ser frio com a criança, que nascera de uma
relação sem sentimentos reais.
Eu nunca a amei.
Nem mesmo a amaria um dia.
Enzo estava cada vez mais esperto, vinha tendo toda a atenção e cuidados necessários
devido a sua condição, mesmo na ausência do pai. Eu provia tudo que estivesse ao alcance para
que o garotinho ficasse bem e seguro. Luciana fazia o mesmo ao cumprir com seu papel de mãe.
Minha ex-esposa finalmente estava com as faculdades mentais no lugar depois de um longo
período de depressão pós-parto. Ela se esforçava diariamente em prol do nosso filho.
Eu tivera acesso a relatórios sobre a vida de Luciana, assim como de Enzo. Não vieram
comigo na viagem por escolha minha. Não queria confundir a cabeça dela, afinal estávamos em
processo de divórcio, o qual sairia em breve.
Logo seria um homem livre.
Minha ex-esposa concordou com a separação formal. Desde o nascimento do nosso filho,
não somos mais um casal, apenas pessoas que dividem o mesmo teto e se respeitam. Eu segui
mantendo uma vida de aparências, enquanto pelas costas mantinha casos paralelos e casuais.
Luciana não fez o mesmo, dado que passou esse tempo dedicado aos tratamentos psicológicos que fizera.
Agora, ela era livre para fazer isso.
Ficar com quem quisesse.
Eu pouco me importava.
Tudo que me restava era resolver os problemas nas terras do meu pai e assim voltar.
Depois de assinar o divórcio, eu finalmente poderia seguir em frente sem essa pedra no sapato.
— Chefe. Licença.
Observei Augusto entrar no escritório do meu pai. Fazia pouco menos de cinco dias que
estávamos na fazenda e ainda havia muita coisa pendente para ser resolvida. Pelo visto,
demoraria mais de um mês.
— Então. Alguma novidade? — Ajeitei-me na cadeira, deixando de lado os papéis que
estava lendo.
Havia muitas irregularidades nas documentações, assim como na terra que fora dada pela
minha mãe para a família que atualmente a possuía.
Augusto afirmou que a propriedade dada não fora registrada em cartório, mas a verdade é
que fora assim, ainda que a família em si não tivesse esse documento em mãos; ou talvez tivesse
e não sabíamos, de fato. Eram dúvidas e perguntas sem respostas. O que eu sabia até então era
que dona Esther fora habilidosa em fazer isso pelas costas do meu pai, como se estivesse
prevendo que iria morrer.
Ela fez.
E eu encontrei o maldito papel que estava guardado em um cofre antigo.
O medo do meu pai era perder tudo, e cego por esse sentimento ele nem mesmo foi
habilidoso em encontrar o que achei em poucas horas. Marcos Ward precisava daquele pedaço
de terra para expandir um novo plantio de café, mas não o faria sem conseguir tirar a tal família
dali. A menos que os expulsasse pelos meios errados ou oferecesse muito dinheiro.
Algo me dizia que não seria nada fácil.
Eu precisava ir até lá e ver de perto.
— Não muitas — falou. — Estive andando um pouco pelas redondezas.
— E encontrou alguma coisa interessante no meio do mato? Uma cobra? Vacas? —
sussurrei, irônico.
— Muito melhor, chefe. Encontrei uma garota…
Soltei uma lufada de ar.
— Já foi atrás de um rabo de saia para se enfiar, Augusto?
— Quem dera fosse isso. — Deu de ombros. — Eu estava andando pela estrada quando vi
uma jovem pedalando em uma bicicleta, daquelas bem velhas, sabe? Aposto que nem freio
tinha…
— Então? Vá direto ao ponto! — Gesticulei com os dedos, nervoso.
— A pobre garota caiu e fui socorrê-la. Nesse meio-tempo, entre uma conversa e outra,
descobri quem é a família que vive nas terras que sua mãe deu…
— Continue. — De repente me vi ansioso.
— E acredita no melhor? Ela é parente desse povo. — Deu uma gargalhada rouca. — O
nome da garota é Tamiris e é melhor amiga da Carolina.
— Quem é essa? — perguntei com desdém.
— A filha de um senhor chamado Antônio. Ambos moram nas terras que sua mãe deu. São
só os dois desde que a mãe faleceu… — contou.
Então havia uma mulher em questão e um velho com que lidar.
Ótimo!
Não havia como ficar pior.
— E sabe me dizer o que essa família faz da vida? De onde vem o sustento?
O negócio era ir até a casa deles e começar a colocar as cartas na mesa, antes que esse
assunto me deixasse preso por mais meses na fazenda.
— Não fui por esse caminho, afinal ficaria muito na cara o meu interesse na tal garota e no
pai, não é mesmo? Eu tive que encerrar a conversa e levar a menina machucada para casa.
Soltei uma lufada de ar.
— Pegue as chaves da caminhonete. Nós vamos até lá.
— Tem certeza disso? Pode ser um pouco arriscado demais, chefe.
— Está com medo agora? Não é você que anda sempre armado? — Levantei-me da
cadeira. — Vou aproveitar que o papai está dormindo para irmos fazer essa visitinha.
— Você vai nos colocar em maus lençóis. — Augusto meneou a cabeça para o lado. — E,
só para constar, a garota que socorri mora ao lado deles…
— E qual o problema nisso?
— Apesar de ser seu parceiro nos negócios e melhor amigo, é claro, realmente fiquei com
pena da garota. Tem noção do quanto a pequena ficou machucada? Aquele bracinho ferido, e a
perna? Céus, quase chorei…
Pisquei os olhos duas vezes.Que merda era isso?
O que tinha acontecido com Augusto?
— Porra! Pare de falar — pedi. — Até parece que se apaixonou à primeira vista.
— Não sei. É o que parece?
— Foda-se, Augusto! Vá buscar as chaves para irmos logo resolver esse problema, pois,
pelo que vejo, a estada aqui pode acabar com sua vida.
Balanço a cabeça negativamente.
Era só o que faltava mesmo.
Passei por ele, que me encarava perdido em pensamentos, pouco me importei e saí pela
porta, com a intenção de ir direto para o quarto.
— Então é aqui…
Tirei os óculos escuros para olhar de longe a casa em que vivia a família agraciada pela
minha mãe. O motivo por trás disso ainda me soava desconhecido e, pelo visto, nunca saberia.
Eu nunca tive uma boa relação com a dona Esther, ainda mais quando tive conhecimento de que
tinha um irmão bastardo em algum lugar do mundo. Isso só me fez criar ódio por ela, que fora
capaz de trair a confiança do meu saudoso pai.
Desgraçada!
Que esteja queimando no Inferno.
— Sim. Se não se importa… Eu vou ficar por aqui mesmo, em caso de que encontre a
Tamiris. Preciso vê-la…
Não dei atenção a sua fala.
Este não parecia ser o meu melhor amigo, que viera de longe me ajudar a resolver o
problema das terras. Minhas terras, diga-se de passagem, uma vez que eu era herdeiro legítimo
de Marcos Ward.
— A casa é bonitinha. E, como pensei, é o local perfeito para a expansão da nova produção
de café. Eles só precisam aceitar vender a parte dos fundos.
Realmente era bela.A aparência por fora era simples, tons apagados, mas era bem-cuidada, e havia uma
imensidão de plantas na frente.
— Isso não vai ser nada fácil — ele disse, com uma dose de remorso.
— Como não? Ainda darei a chance de continuarem com a casa, até mesmo dinheiro
suficiente para comprarem uma melhor…
— Então é bom você ir logo…
Dei de ombros e avistei uma figura feminina surgir no meu campo de visão. Uma garota
baixinha, cheia de curvas, pele clara e cabelos longos puxados para a cor avermelhada. Observei-
a se virar, seus olhos captando de imediato a minha presença, um misto de medo. Foi isso que
senti enquanto a observava.
— Bom dia — cumprimentei-a, murmurando alto. — Estou procurando o senhor Antônio
Santos. Sabe me dizer onde ele mora? — menti, afinal já sabia de tudo.
A garota pareceu meio incerta até que resolveu abrir a boca para responder, parando em
frente a casa sem tirar o olhar penetrante do meu.
— Sou filha dele. Quem é você?
— Sebastian Ward. E, só pelo sobrenome, imagino que saiba quem é o meu pai e de onde
venho. Podemos conversar?
— Acho que não temos nada para conversar… — sussurrou toda sorrateira.
— Não vou tomar muito do seu tempo — tentei convencê-la. — Serão só alguns
minutinhos…
— Nem um, nem dois. O que você quer? Pode ser curto e direto. Pelo que sei, não temos
amizade com sua família há muito tempo. Seu pai, inclusive, não fala com o meu — comentou,
bastante furiosa.
— Besteira, garota. Podemos conversar? Acredito que aqui no meio da estrada não seja
apropriado para isso — tentei mais uma vez.
O babaca do Augusto nem mesmo foi homem suficiente para me ajudar a convencer a
garota a me ouvir.
— Pelo visto você não vai embora…
— Não sem antes falar com seu pai, ou você, se estiver disponível ao diálogo — deixei
claro.
— Vou entrar em casa primeiro e perguntar se o meu pai quer falar com você… — Cruzou
os braços.
Essa troca de palavras me fez chegar facilmente à conclusão de que lidar com a tal da
Carolina não seria uma tarefa muito fácil. Era visível.

Dêem ⭐

Os trigêmeos perdidos Onde histórias criam vida. Descubra agora