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Carolina

Levei os dedos aos lábios como se de alguma forma eu pudesse sentir aquele rápido beijo
trocado com Sebastian, eu não deveria sentir isso, não deveria me sentir dessa forma. Porém não
consigo evitar que esse velhote mexa comigo.
Em níveis elevadíssimos.
Pior é que não consegui pregar o olho durante a noite, revivendo cada minuto do nosso
beijo, e isso de alguma forma me deixou em pânico, com muito medo de me permitir viver essas
sensações que até então me soavam desconhecidas. Eu nunca fui tocada dessa forma, nem me
lembrava da última vez que trocara alguns beijinhos. A verdade é que nada se equipara à pegada
animalesca do barão e julgava dizer que nenhum outro teria tanta capacidade de me fazer sentir
tudo que Sebastian me proporcionou enquanto estávamos encostados contra aquela árvore.
Calor.
Desejo ardente.
Fogo.
Tudo!
Até excitada fiquei…
Foi por isso que resolvi colocar um ponto-final e recuar, igual a um bichinho do mato
ferido, mesmo que no fundo quisesse continuar beijando-o mais e mais. Deus do céu! Era melhor
que continuássemos na estaca zero, afastados um do outro, ou aqueles beijos poderiam atingir
um patamar que nos levava à zona de perigo.
Isso não podia acontecer!— Está no mundo da lua, filha?
Tomei um susto ao ver seu Antônio entrar na cozinha em passos lentos.
— Nossa, pai. Assim o senhor me mata do coração… — Mal me dei conta de que estava
perdida no tempo, sem prestar atenção no que acontecia ao redor.
— Eu falei, só que você não ouviu, então repeti. Estava pensando em quê? — perguntou,
puxando uma cadeira para se sentar à minha frente.
— Em nada, não. — Dei de ombros, dando a volta na mesa para dar um beijo em seu rosto. — A sua bença, pai.— Peguei em sua mão com carinho.
Não importava a idade ou o tempo, eu sempre iria pedir a sua bênção para começar o dia.
— Que Deus te abençoe e te guarde de todo mal, filha. — Sorriu, levou minha mão até os
lábios e encheu de beijos. — Muita felicidade e abundância.
— Amém, papai. — Deixei-o sentado para pegar a garrafa de café e colocar um pouco em
sua xícara. — Acordei mais cedo que o normal hoje e já deixei tudo pronto, assim, quando a
dona Lurdes chegar, só vai precisar cuidar da casa.
— Aposto que vai me dizer que tudo isso é porque vai com Tamiris vender doces hoje na
praça?
Ele me conhecia como a palma da mão.
— Isso. Vou aproveitar o tempo livre para montar algumas fornadas extras para levar. —
Entreguei a ele a xícara com o café. — Vai querer pão, ou tapioca?
— Não estou com fome. Vou esperar pela velha enxerida.
Coloquei as mãos na cintura e franzi o cenho.
— Por quê?
— Ué, para ela fazer a minha vitamina. Estou tentando ficar saudável… Por causa da
diabete — falou apressado. — Estou tentando mudar alguns hábitos.
— Entendi. Então… Isso é bom.
— O borracheiro já consertou a sua bicicleta?
— Ainda não. — Suspirei.
Bem lembrado.
Minha companheira de trabalho precisou de novos reparos, visto que da última vez que a
usara quase me fez sofrer um acidente no caminho de casa. Isso me fez levá-la ao conserto para
arrumar o freio e aproveitei logo para trocar os pneus, que estavam velhos. O rapaz que ficou
responsável por fazer o reparo ainda não tinha me devolvido, então teria que ir vender os doces
esta noite no carro emprestado do meu tio.— O pai de Tamiris vai emprestar a caminhonete a vocês?
— Vai, sim… Eu acho. — Dei de ombros. — Qualquer coisa, posso ir na bicicleta do
senhor. Eu estava vendo ontem que ela está em ótimo estado ainda para usar…
Seu Antônio balançou a cabeça para os lados.
— É por isso que precisa urgentemente de um carro, filha. Chega de ter que ficar passando
por esses perrengues.
— Vai voltar a falar naquele assunto novamente, papai?
— Vou, até que entenda que é o melhor a ser feito. Você precisa parar de ser tão cabeça-
dura, Carolina. Vender alguns hectares não nos fará passar fome, menina.
— Não são só alguns pedaços, é tudo que lembra a mamãe, pai! — aumentei o tom de voz,
ficando nervosa. — Ela não ficaria nada feliz em saber que…
— Ela morreu, Carolina. Há muito tempo sua mãe morreu.
— Não fale assim dela, papai! — Contive-me para não erguer um dedo em sua direção. —
E saber disso não anula o fato de que vender as terras é errado.
— E espera viver para sempre assim? Nessa vida miserável?
— O senhor nunca cogitou uma coisa dessas, ainda não entendo como pode ter mudado de
opinião da noite para o dia, se até dias atrás estava disposto a expulsar o barão da nossa casa
quando ele veio aqui com aquela proposta idiota.
— A visita daquele homem só me fez abrir os olhos para a verdade, Carolina. Eu não
posso te condenar a uma vida miserável, quando você poderia muito bem estar estudando para
ser alguém na vida, e não aqui cuidando de mim ou vendendo doces, contando as moedinhas no
final do mês… Isso não é vida, é sobreviver, filha.
Sem que tivesse controle, senti as lágrimas se formarem em meus olhos.
— Saiba que… Se continuar com essa ideia de vender as terras, eu nunca vou perdoar o
senhor, papai.
— Um dia entenderá que tudo que faço é pensando em você.
Balancei a cabeça negativamente para o lado.
Eu ia abrir a boca para falar, mas a porta dos fundos foi aberta por dona Lurdes.
— Bom dia, pessoal…
— Bom… Eu vou sair um pouco.
— Mas já, menina?
Assenti com a cabeça, caminhei até ela, ignorando a presença do meu pai, para cumprimentá-la com um abraço apertado, logo em seguida tratei de sair de casa.
Eu precisava respirar…
Respirar fundo…
Merda!
Saí de casa sem rumo ou direção, apenas caminhei e caminhei…
Durante o trajeto deixei que as lágrimas rolassem pelos meus olhos, ainda sem acreditar
em tudo que ouvi do meu pai, a forma como falara da minha mãe, mostrando o quanto estava
determinado a vender as terras a Sebastian.
Isso não é vida, é sobreviver…
Aquelas palavras não saíam da minha cabeça.
O pior era pensar que meu pai estava certo em pontuar aquilo tudo.
Eu amava a vida que tinha, a simplicidade da vida do campo, mas havia uma parte dentro
de mim que sonhava em fazer alguma faculdade, montar um negócio maior e deixar de pedalar
uma bicicleta para pedalar um carro de verdade, mas nunca diria isso em voz alta, nem mesmo
tinha coragem de admitir que concordava com ele.
O mais puro e completo estado de negação.
Talvez tudo isso se devesse ao fato de que, desde muito jovem, tive que dar a cara, tomar
as responsabilidades do lar e ajudar o meu pai, então durante o percurso fui me anulando para dar
a vez a outras coisas, colocando meus sonhos na gaveta. Só não concordava que para realizar
isso fosse preciso abrir mão das nossas terras.
Isso não.
Havia outras formas de crescer na vida sem ir por esse caminho. Era tudo que meu pai
precisava entender e em algum momento; com a cabeça fria, eu iria falar sobre isso. Seu Antônio
iria entender que vender não era a solução dos meus problemas. Eu amava o nosso lugar, nosso
cantinho, e, ainda que tivesse planos de subir na vida, fazer essa escolha de abrir mão das terras
não podia ser o meio mais viável.
Volto a repetir…
Isso não.— Está perdida, Carolina?
Tomei um susto e logo em seguida um carro parou ao meu lado na estrada.
— Deus do céu! — sussurrei, colocando a mão no coração.
— Desculpe. Não queria assustá-la.
Foi aí que os vidros do automóvel baixaram revelando a figura ímpar de Sebastian.
— Você de novo? Que droga de destino! — Praguejei baixinho.
— Então, está perdida ou não? — voltou a perguntar.
— Para onde você está indo? — rebati, fugindo da resposta.
— Estou vindo da casa de um funcionário do meu pai. Fui ver algumas vacas…
— Pode me levar para dar aquele passeio que prometeu?
Sebastian me encarou dos pés à cabeça, antes de destravar e abrir a porta do carro.
— Eu vou com você para qualquer lugar do mundo, garota.
— Ótimo, porque estou precisando sumir do mundo… Por um tempinho.
— Perfeito. Então entre logo…
Dei um sorriso de lado e concordei, dando a volta no carro para entrar logo.
Enxerguei em Sebastian uma tábua de salvação para me tirar da encruzilhada na qual me
encontrava desde o minuto em que saí de casa, após discutir com meu pai.
Só precisava ficar um tempo longe de tudo.

Dêem ⭐

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