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Não lembro quando foi a última vez que me senti tão feliz assim

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Não lembro quando foi a última vez que me senti tão feliz assim. Eu não era uma pessoa
triste, nem nada do tipo, mas pensar no amanhã fazia com que sentimentos ruins tomassem conta
do meu coração de forma devastadora, e isso explicava o motivo pelo qual me sentia tão feliz.
Hoje, em especial, é claro.
Eu vendi todos os docinhos. Tudinho!
Saí de casa com dois cestos de doces para vender na praça, espaço este que era reservado
para comércio, diversão, soltar conversas no ar e até mesmo paquerar, é claro, depois que a
tradicional missa acabasse.
Soledade Santa era uma cidade típica, tradicional e a grande maioria que residia nela eram
famílias ligadas umas às outras. No fim, todos se conheciam e eram parentes de um grau
próximo. Eu morava nas redondezas da fazenda que produzia o melhor café da região, e só ia ao
Centro para vender os docinhos.
Essa era a renda da minha casa.
Meu pai era um senhor de sessenta e nove anos, aposentado, e esse benefício em partes
segurava as despesas mensais do lar. Mas, desde muito pequena, aprendi a ter gosto pelo trabalho
e o senhor Antônio sempre me deu total apoio. Foi assim que começamos a cultivar o grão de
café, que era originalmente apenas nosso, e daí vinha a produção de doces que levava o toque
especial do pó.
As terras da nossa casa eram uma grande produtora do grão, o que ajudava muito na hora
do cultivo próspero, ainda que fazer isso pelas costas da família Ward pudesse ser visto como
uma afronta. Eles eram os únicos, na região, a produzir pó de café. Só que isso não era um problema, afinal não havia lei ou nada que impedisse isso.
Cada um no seu quadrado.
Eu pensava assim…
Enquanto isso, venderia em paz.
Os doces, junto das balinhas, tinham um toque único de café, era suave, peculiar, e
derretiam na boca assim que se degustavam, o que sem dúvidas fez deles um sucesso de vendas.
Eu pegava estrada cedo para vender na praça e tentava voltar antes das nove, por conta da
distância da minha casa até a cidade, apesar de meu pai enxergar isso como algo muito perigoso.
Só que em todos esses anos ninguém nunca tentou mexer comigo, pois, como disse, ali todos
eram conhecidos e se respeitavam.
Sempre.
Meu maior sonho era um dia expandir o meu negócio junto de papai, mas ele torcia o bico
quanto a essa ideia, talvez porque fazer isso me levaria para conhecer outras partes do mundo. Eu
sabia muito bem que o senhor Antônio não aprovaria isso facilmente. E isso se dava desde a
morte da minha mãe, afinal sempre fomos nós dois contra o mundo, lutando por um amanhã
melhor, lidando com a falta que a sua partida deixou em nós.
Como se fosse possível tirar de dentro do coração esse vazio…
Eu era muito pequena na época, tinha pouco menos de dez anos, mas me recordava da
morte de dona Luíza. Foi infarto fulminante e isso consequentemente quebrou o meu pai, que só
continuou tentando ser forte porque tinha uma filha para criar. Quanto a isso, ele tirou nota
máxima, foi pai e mãe em tempo integral, pois a pessoa que me tornei, de caráter responsável, é
puro mérito dele, que fez tudo por mim. E ainda fazia.
Meu pai era um grande homem. E por isso me contentava com a vida pacata que tínhamos
na cidade e no campo.
Eu só tinha vinte e três anos, terminara os estudos pouco tempo atrás e me sentia completa
com a família que tinha, amigos e amigas que por ali residiam, assim como amava o trabalho
com os doces que eram produzidos por mim e o meu pai. Não precisava de mais além disso. Ao
menos era disso que tentava me convencer, mesmo que o desejo de descobrir o mundo afora
viesse em meus pensamentos vez ou outra.
Era inevitável…
Às vezes me pegava pensando como seria viajar, conhecer uma nova cidade, culturas,
pessoas com rostos diferentes, mas não passava disso, pois cada vez menos tinha certeza de que
um dia iria realizar esse sonho. Ao menos juntava um dinheirinho com o lucro que ganhava das
vendas, mesmo que ninguém soubesse que o principal intuito era usá-lo em viagens.
Quem sabe um dia?
Eu não perdia a esperança…É claro que me dava ao luxo de comprar uma roupa nova, coisas para o cabelo,
maquiagem, até mesmo sandálias, pois de nada adiantava tanto esforço se a principal mão de
obra não era beneficiada com seu suor. Eu não era boba nem santa para não fazer isso, ainda que
fosse uma vez ou outra, dado que uma notícia recente mudava tudo.
Bastou isso para tudo mudar.
Havia pouco menos de um ano, descobrimos que o meu pai estava com diabete tipo 2,
motivo pelo qual precisava fazer uso de insulina. Seu Antônio sempre fora um homem saudável,
até começar a passar muito mal, ter estágios de fraquezas entre outros sintomas. E foi assim que,
numa bateria de exames, chegamos a esse laudo final. A princípio o diagnóstico nos pegou de
surpresa, não só pela doença em si, mas pelo fato de que iríamos precisar ficar indo e voltando
com frequência à capital para fazer consultas , e claro, fazendo aplicação do medicamento.
Meu pai torceu o bico para isso. A ideia de tomar insulina o incomodou a princípio, o que
dificultou o seu processo de recuperação, mas aos poucos foi entendendo e passou a aceitar. Eu
conversava muito com ele, tentava explicar que essa era a única forma de voltar a ter um padrão
de vida melhor, ainda que tivesse que lidar com limitações, dietas rígidas e sem açúcar. E tudo
isso consequentemente o faria ficar bem.
O preço que se paga pela saúde.
Tudo vale a pena.
Ele aceitou e isso me trouxe alívio.
Eu tinha que tomar conta da produção do café com ele, além de fazer os doces,
confeccionar os arranjos, organizar tudo e ainda cuidar da casa, o que me deixava muito cansada
com tantos afazeres. Foi assim que acabei contratando alguém para fazer ao menos a comida e
me auxiliar enquanto fazia outras atividades. Afinal, não dava para segurar o mundo todo com
duas mãos.
Não mesmo.
— Carolina!
Virei-me no automático ao ouvir alguém me chamar. Sorri assim que vi que era a voz de
Tamiris, minha prima.
— Oi — respondi.
— Que bom que te encontrei! — comentou, parando em minha frente. — Conseguiu
vender tudo hoje?
— Sim — confirmei, sorrindo. — E eu só tenho a agradecer por isso, pois fazia dias que as
vendas estavam ruins.
— O festival da padroeira está chegando, então tenho certeza de que vai melhorar ainda
mais as vendas. Já pensou no que vai fazer?
— Ah. — Mordi a ponta do lábio. — Vou aumentar a produção de doces, também trazer aquelas balinhas de café e, quem sabe, fazer alguma promoção para estimular o público a
comprar em grande quantidade.
— É uma tática boa. Vai precisar da ajuda da sua prima maravilhosa?
Ela realmente era.
Tamiris morava ao lado da minha casa, sua mãe era irmã do meu pai e ela sempre vivia
entre uma casa e outra, o que nos fazia muito além de primas.
Irmãs do coração.
Tamiris era dona de um par de olhos verdes, bem capim-limão, os cabelos cacheados,
castanho-escuros. A pele era tão clara, que nem mesmo parecia que vivia pegando sol enquanto
pedalava sua bicicleta. Era bem magrinha e tinha dezenove anos, ainda que o seu espírito fosse
de alguém mais velho.
Em partes.
— É lógico que vou! Será que já podemos ir para casa, ou você quer ficar mais um pouco
na praça?
Eu só ia terminar de organizar os cestos vazios para pegar estrada acompanhada dela, que
veio comigo.
— Não. Já aproveitei o bastante hoje. Inclusive, tenho uma fofoca.
— Você sempre tem uma fofoca — emendei, dando de ombros.
— Essa é nova. Preparada?
— Fale de uma vez, Tami.
— O filho de Marcos Ward está pelas redondezas, chegou ontem.
Franzi o cenho.
— Não sei quem é — foi tudo que eu disse e era verdade.
Eu sabia muito pouco daquela família, exceto que eram a lei ali pela cidade. A única
pessoa que eu conhecia era a esposa de Marcos, dona Esther, que falecera fazia anos. Eu era
pequena na época, mas me recordava da mulher com carinho pelas vezes que viera a minha casa.
Sempre tão educada e humilde, nem mesmo parecia que vivia nadando em rios de dinheiro.
O barão do café nada mais era que alguém superior, arrogante demais, as pessoas mal o
viam sair da fazenda. Quando acontecia, era apenas para cumprir com obrigações e nada mais.
Muitos diziam que era assim desde que a esposa morrera, mas ninguém sabia ao certo. E eu não
sabia se ele tinha filhos.
Até Tamiris falar…
— Sebastian Ward. Esse é o nome dele — revelou. — Disseram que é lindo, mas não é qualquer tipo de beleza, sabe? É aquele tipo que deixa a gente com a boca caída, quase
babando… Ele exala testosterona.
— Não sei se estou entendendo.
— É bom que não esteja mesmo, pois pelo que soube o ricaço só está de passagem na
cidade.
— E o que ele veio fazer aqui?
— E quem sabe?
Senti uma estranha sensação ruim.
Algo me dizia que esse filho do barão iria causar problemas em sua estada.
— Que seja! Vamos para casa, Tami?
— Simbora!

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