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Sebastian

— Que bela marca a pobretona deixou em seu rosto, filho.
Suspirei fundo antes de responder.
— Discutimos e aquela desalmada achou que me agredir era a melhor solução para colocar
um ponto-final nessa história — expliquei, sem rodeios.
Fazia menos de vinte e quatro horas desde meu encontro desastroso na casa daquela
família, que pelo visto não ia facilitar a venda das terras. Eu não queria expulsá-los do local, o
interesse maior era apenas nos hectares que ficavam aos fundos, nada além disso, mas tudo
indicava que obtê-las não seria uma tarefa nada fácil.
Sempre soube que não.
No entanto, a forma como a conversa terminou naquele dia levou-me a crer que teria que
lidar com um inimigo, ainda que os meus recursos de persuasão fossem maiores em contraste
com a tal família. Nessa guerra, só um lado sairia vencedor.
Eu não iria perder.
Carolina e o pai descobririam que eu não largara tudo para trás em vão. Eu tinha uma
missão a cumprir e iria usar todos os meios possíveis para obter êxito, nem mais nem menos.
— É a cópia do pai todinha, parece mais um bicho do mato e não uma garota. E você ficou
de braços abertos enquanto recebia a pancada?
— Esperava que eu agredisse uma mulher? Ela podia quebrar a minha cara e, ainda assim,
eu nada faria para revidar. Tentei colocar medo nela, mas foi só isso — justifiquei.
— Medo — frisou a palavra com desdém. — Acha mesmo que aquela raça infeliz tem medo de alguma coisa? Não sabe o ódio que tenho daquela família, ainda mais depois de saber
que sua mãe foi capaz de dar um pedaço do nosso patrimônio a esse povo?
Caminhei em direção à cama onde meu velho pai estava acomodado e me sentei na
beirada. Ele não era mais o mesmo de antes, másculo e viril. Seu rosto, agora, estava
visivelmente abatido, olheiras, a pele marcada pela idade e pouca energia no corpo, como se só
se levantasse por obrigação.
Uma parte dele tinha morrido havia muito tempo. E isso justificava a confusão que se
instalara na produção de café. A desordem no quadro de funcionários, documentos irregulares,
pagamentos pendentes, entre tantas coisas das quais antes eu não tivera conhecimento. Apenas
meses atrás, ao observar uma queda no faturamento anual, percebi que precisava voltar para
averiguar, e de quebra resolver todos os impasses.
O que me levava ao ponto principal.
A família Santos não era um problema em si, mas sim o desejo e ambição do meu pai em
expandir a produção de café por aquela outra parte da região. E eu, como o bom filho que sempre
fora, obedeceria. Podiam até me chamar de cachorrinho por cumprir com os desejos de Marcos
Ward, mas isso só se dava pela gratidão e respeito que sentia pelo homem que foi meu tudo.
No passado e no presente.
Nunca tive uma relação saudável com a minha genitora, seu passado com outra família me
levava a rejeitá-la. Esther só foi uma mãe quando me deu a vida e me registrou, pois nunca a
amei suficiente para vê-la como tal. Meu pai podia ter lá sua parcela de culpa, pois me incentivou
desde pequeno a enxergá-la dessa forma.
E tudo bem.
Marcos Ward nunca errou.
Esther era mulher de muitas paixões, nunca respeitou de fato o meu pai, que em nome do
amor platônico que sentia pela esposa fora capaz de perdoar o fato de ela ter tido outra família. E
algo me dizia que também tivera algum caso com o pai da Carolina, afinal ninguém dava uma
parte do seu império sem motivo.
Eu precisava descobrir sobre isso.
No passado, Esther se esforçava para ser uma mãe presente, carinhosa, mas seus atos
maternais só me ganharam até o dia em que tive idade suficiente para saber a verdade. Meu pai
esperou que eu fizesse dez anos para poder me contar quem era realmente a mulher que me
gerara. Foi assim que passei a criar desprezo pelos abraços dela, e seus atos carinhosos não me
convenciam mais.
Foi assim por anos e anos.
Até o dia em que fui embora e nunca mais tive contato com ela.
Eu só nunca entendi o motivo pelo qual meu pai se esforçara tanto em alimentar meu ódio pela Esther, sendo que nem mesmo ele sentia isso no final das contas. Meu pai a amava e
venerava, se pudesse beijava o chão que ela pisava. Só que deixei isso de lado e segui a vida,
com se isso não tivesse me afetado, e de fato não afetou. Talvez só na parte sentimental, já que
nunca aprendi a amar ninguém; até mesmo desenvolver carinho pelo meu filho foi um problema.
A prova viva disso era meu casamento com Luciana, que nunca foi real, selado apenas por
negócios. O tempo que passamos juntos poderia ter me feito amá-la, o que não aconteceu. Então,
de alguma forma, a maneira como fui educado me fez criar um bloqueio.
Eu não sentia absolutamente nada.
Tudo era só sobre poder, e nada mais.
Então o desprezo que eu nutria pela minha mãe me fez criar uma barreira de proteção a
qual ninguém teria acesso.
Ninguém.
— Ela teve algum motivo para fazer isso, papai?
— Nunca parei para pensar. E quer saber, pouco me importa. O que quero é que eles me
deem as terras.
— Isso não vai acontecer facilmente. Eu ofereci dinheiro, o tanto que quisessem, mas pelo
visto… — Mordi a ponta do lábio, deixando a voz morrer.
— Encontre um meio. Você não é inteligente, filho? Ficou tantos anos morando fora do
país, não aprendeu nada? — ofendeu-me sem piedade.
— Sim. Vou encontrar esse meio. Não importa como ou quando.
— Leve o tempo que precisar. Só não demore demais, pois sei que não vou durar muito.
Sinto que em breve irei para o mesmo lugar onde sua mãe está — murmurou baixo.
— Não fale essas coisas, pai.
— Não tenho por que mentir. É a verdade. Olha só para mim. — Gesticulou para si com os
dedos. — Não sou mais aquele homem de antes. Estou padecendo… O pior de tudo é que sua
mãe sempre esteve certa. Ela dizia que meu fim seria assim — revelou.
Eu me surpreendi com suas palavras.
— Por que ela falou essas coisas?
— Nosso casamento por anos se manteve apenas de aparências. Quando Esther morreu,
não éramos mais um casal havia muito tempo. Eu a amei sozinho…
Nunca duvidei do contrário. Era nítido que o amor que sustentava a união deles era o que
meu pai sentia.
Em dose dupla.Amou por dois.
— Entendo — foi tudo que falei.
— E é por isso que estou contando com você, filho. A última desgraça que Esther causou
na minha vida antes de morrer foi revelar que tinha dado os hectares àquela família.
— Então isso não é sobre expandir, e sim sobre vingança. Estou certo?
Finalmente descobri a verdade.
— Chame como quiser. Vingança, ódio, remorso… Eu só nunca vou perdoar a facada que
levei de Esther. Como se não bastasse ter tido outra família, ainda se apaixonou por…
Não terminou de falar.
— Por favor, conte-me tudo.
— Um homem casado — finalizou. — Antônio tinha um casamento estável com a mãe da
Carolina, mas pelo visto isso não foi um problema para Esther morrer de amores…
— Eles… Eles tiveram um caso?
De repente me vi nauseado.
Era duro ouvir aquilo tudo.
— Quem sabe? Só sei que odeio aquele homem por ter tido a sorte que nunca tive. O amor
daquela mulher.
Meu pai estava doente e essa doença não era física. E sem querer aquilo me assustou, pela
primeira vez. Eu sabia muito bem como um plano de vingança poderia terminar e por isso não
iria me envolver além do necessário.
— Vou me esforçar para conseguir as nossas terras, pai. Mas é só isso e vou embora. Não
faço parte dessa sua vingança e ódio por aquele povo.
— Fraco! Foi para isso que te criei?
Levantei-me da cama, ignorando-o.
— Vou andar a cavalo. Fique bem, pai.
Eu não podia mais ficar naquele ambiente pesado e tóxico. Podia ter inúmeros defeitos,
mas nunca conseguiria ser como o meu pai.
Um homem que adoecera por amor.
Amor esse amaldiçoado.

Dêem ⭐

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