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Carolina

— Vocês dois parecem Catarina e Petruchio, da novela O Cravo e a Rosa — comentou
Tamiris, enquanto mexia o chocolate na panela.
— Até onde sei, essa novela passou no ano de dois mil, você no mínimo ainda era um bebê
que não tinha idade suficiente para entender nada.
— E hoje em dia não existe nenhuma forma de reprisar novelas, Carolina? É claro que
assisti. Meu pai tem vários CDs de novelas antigas e eu cresci assistindo com minha mãe.
Foi impossível não rir.
— Ainda bem que somos parentes, não é mesmo? Seu Antônio não perde um capítulo da
novela que passa de tarde. — Balancei a cabeça para os lados. — E, bom, não acho que eu e
Sebastian parecemos personagens fictícios de um romance.
Peguei na sacola as embalagens novas que comprara no Centro para embalar os docinhos.
Essa noite, o pai de Tamiris iria emprestar a caminhonete para irmos à cidade vizinha e
vendermos. Era rotineiro fazer isso a cada duas vezes no mês, para fazer uma rendinha extra. Só
não fazíamos com tanta frequência porque o transporte era emprestado e não dava para usar
sempre.
Tinha que ser tudo planejado.
Talvez por isso meu pai havia cogitado vender alguns hectares das nossas terras para
comprar um carro. No passado, tínhamos um modelo Opala, que seu Antônio ganhara de herança
do meu avô, e foi aí que, jovem, aprendi a dirigir, mas não passamos muito tempo com o veículo
e a necessidade nos fez vendê-lo.
A necessidade vem acima de tudo.Sempre pensei que, em algum momento da vida, iria comprar um novo carro para nossa
família. Mas esse dia tem demorado mais do que previ. O surgimento do problema de diabete do
meu pai, a necessidade de pagar alguém para tomar conta da casa enquanto precisava me
ausentar para preparar doces, levar para a cidade, vender, entre gastos mensais e outras coisas,
tudo isso fez com que não sobrasse espaço nem dinheiro.
Não custa nada sonhar, não é mesmo?
As economias que juntava não davam nem para dar a entrada em um carro de modelo mais
acessível, e talvez meu pai tivesse conhecimento disso, o que fez seu Antônio cogitar abrir mão
de uma parte do lugar que amava para investir em algo que poderia mudar o meu futuro.
E mudaria mesmo.
Era muito difícil ter que ficar indo e voltando de bicicleta, fazendo o percurso do campo à
cidade. Na maioria das vezes, ao fim de cada venda, sempre estava exausta, os pés dormentes,
tudo dolorido, mas ainda assim me obrigava a pedalar para chegar rápido em casa e descansar.
Só que nunca passou pela minha cabeça que o caminho mais acessível para mudar essa realidade
fosse justo vender as terras a Sebastian.
Isso não!
Eu me recusava a aceitar.
E era por isso que iria continuar me obrigando a manter a mesma rotina, fazendo docinhos,
economizando dinheiro cada vez mais, vez ou outra fazendo uso da caminhonete do meu tio para
vender pelas redondezas. Não tinha por que apressar as coisas, no tempo certo tudo iria se
encaixar.
Essa era a ordem da vida.
Um passo de cada vez.
Eu só precisava fazer meu pai entender isso. Desde a conversa fatídica que tivemos na
plantação, não tive mais oportunidade para conversar com seu Antônio, que evitava me encontrar
pela casa, ou estava ocupado com qualquer outra coisa. Pela primeira vez tive que concordar com
dona Lurdes, o meu velhinho era realmente cabeça-dura.
Só esperava que ele não tomasse nenhuma atitude pelas minhas costas.
Eu não seria capaz de perdoá-lo, caso ousasse vender a Sebastian sem o meu
consentimento.
— É claro que vocês se parecem, Carolina. Vivem brigando e não conseguem conversar
como dois adultos. Veja só onde a briga os levou, para dentro da cachoeira.
— Foi porque aquele brutamontes resolveu nos jogar dentro da água — eu me defendi. —
Acha mesmo que eu teria coragem de fazer uma coisa dessas? É claro que não, Tami.
— Pelo visto o barão tem ideias mirabolantes de resolver as coisas. Nem parece que é
amigo de Augusto. — Soltou um suspiro, apaixonada.— Lá vem ela falando do paquera. — Revirei os olhos.
— O que posso fazer se estou apaixonada? Augusto é um fofo, parece um algodão-doce de
tão doce que é. — Piscou os olhos. — Ele tem tanta paciência comigo, sabe?
— Sim. Inclusive, preste atenção no fogo, senão vai queimar o chocolate. — Gesticulei
com os dedos. — E essa paciência se aplica a que exatamente?
— Sobre avançar o sinal. Sempre que estamos nos beijando, logo sinto um calor imenso,
sabe? Só que ele para, como se tivesse percebido… E já conversamos sobre isso, tanto que falei
que quero me casar virgem.
— E, sentindo esse calor imenso — usei as palavras dela para falar —, acha que vai
conseguir isso?
— É claro que vou, Carolina. Não duvide da minha capacidade, rum — disse e fez um
barulho com a boca, entretida em mexer o chocolate. — Augusto pode ser um príncipe, um fofo,
ter todas as qualidades que procuro em um homem, mas, se ele não tiver interesse verdadeiro em
mim, isso que temos só se resume a beijos.
— Que bom que pensa assim, Tami. Só que hoje em dia é normal as mulheres terem
relações sem necessariamente ter uma aliança no dedo. E tudo bem, entende? Somos livres para
fazer o que quisermos…
— Esse é o meu sonho desde que tenho idade para entender o que é certo ou errado. —
Deu de ombros. — O chocolate está bom.
— Pode desligar o fogo então — falei e assim ela fez. — E vem cá, você está certa, sabe?
Não tem por que se entregar a qualquer cara, e este Augusto tem que ralar muito, para ser digno
de seus beijinhos — brinquei.
— Ao menos dos beijos ele é, mas de avançar o sinal, não. Só com uma aliança no meu
dedo — disse, rindo. — Vou espantar todos os meus pretendentes com essa minha ideia.
— Vai nada, menina. Isso é o que te torna única e especial. — Sorri largo.
— Estou te achando muito fofa. Que bicho te mordeu, hein, Carolina? Será que foi o banho
na cachoeira?
Revirei os olhos.
Como se aquele momento inoportuno com o barão tivesse tido este poder. Tudo que senti
foi vontade de matá-lo esfaqueado e jogar o resto na sarjeta. Deus me perdoe! Eu odiava
Sebastian Ward, e, quando pensava nisso, era só isso mesmo, visto que não tinha o direito de
tirar a vida dele e nem de ninguém. É que o barão me deixava nervosa, irritada, o que me fazia
ter pensamentos distorcidos.
Por isso precisava ficar longe dele.
O mais longe possível!Eu fui tomar um banho de cachoeira para espairecer a cabeça, mas tudo que ganhei foi
raiva quando tive o desprazer de encontrar Sebastian. Como se não bastasse a troca de farpas, o
bonitão achou interessante jogar nós dois dentro da água. Foi o fim da picada! E no final das
contas, acabei indo embora sozinha, deixando-o para trás depois de termos tido mais uma
discussão.
Era sempre assim.
Ele me machucava com palavras.
E eu o machucava de volta.
Não dava para saber se nossas ofensas eram reais, ditas do coração ou apenas da boca para
fora. Da minha parte, havia uma pitada de mentira, visto que não o achava um velho fora de
época, nem nada do tipo. O resto, no geral, era verdade.
Dei de ombros.
— Tá viajando no mundo da lua, Carolina? — perguntou Tamiris.
— Quase isso. — Puxei a cadeira da mesa para me sentar e terminar de organizar as
embalagens dos doces.
— Vem cá. Você vai à festa de casamento de Tininha e Horácio?
— Quando é isso mesmo? Acho que recebi o convite, mas nem cheguei a ler. — Suspirei
fundo. — Vou só comprar o presente e levar.
— Sábado, só que vamos à festa, não é?
— Não vou correr o risco de encontrar Sebastian por lá — usei essa desculpa.
— É bem provável que ele vá, já que o povo daqui é bajulador… Só que isso não pode ser
uma desculpa para você não ir, Carolina. Nós vamos, e ponto!
— Vai me obrigar mesmo a ir?
— Uhum. E ainda vou te dar para usar um dos vestidos que mamãe fez. Tem um que vai
ficar lindo em você — comentou, sorrindo.
— Vou pensar e depois te digo.
— Nada disso. Nós vamos, e acabou a conversa.
Balancei a cabeça para o lado, rindo.
Eu não podia realmente evitar ir aos lugares por causa de Sebastian, me privando de ter
momentos divertidos, tudo que me restava era ir e, caso o encontrasse, ignoraria a presença do
barão.
Era o que eu iria fazer.

Dêem ⭐

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