Fingir normalidade foi difícil — em especial pela grandessíssima ressaca que eu enfrentava. Mesmo com o enxaguante bucal, tive receio de ser desmascarada por Jean quando ele veio me abraçar.
— Não me lembrava de você ser tão dorminhoca assim — disse ele, envolvendo-me em um abraço de urso após minha saída do quarto. — Adquiriu maus hábitos no convento? — inquiriu, curioso.
— Algo do tipo — respondi, evasiva, apertando-o para retribuir sua intensidade.
— Pensei que freiras acordassem cedo — comentou.
— Acordamos — confirmei sua suposição, para não difamar minha classe. — Foi apenas um deslize. Não cometerei novamente.
Será?
Havia falado mais para mim do que para ele. No entanto, até eu duvidava dessa minha resolução — mais utópica do que as promessas de fim de ano. Tudo que eu mais queria naquele instante era cometer mais e mais deslizes.
O que eu mais queria era deslizar minhas mãos pelo blazer de Hoffmann, sobre seu peito, e, no percurso, desbravar seu pescoço e cabelo. Soltar seu rabo de cavalo. Deslizar os dedos pelas mechas douradas. Deslizar os dedos até parar em seu rosto e, puxando-o para perto, colar meus lábios nos seus, deslizar minha língua na sua...
— Calma, Soph! — pediu meu irmão, mal sabendo que sua exortação pusera fim na minha série de pensamentos impuros. — Só me espantei um pouco, não foi nada de mais. Não precisa se culpar por passar da hora uma vez ou outra. Seria até estranho não sair da linha nem um pouquinho. Iria achar que te trocaram por algum robô. — Jean deu uma piscadela.
Nem me diga isso, quase deixei a frase escapar. O que eu menos precisava era um incentivo para sair da linha. Eu estava a dois passos de deixar o trem descarrilhar só para seguir meus instintos mais primitivos. Instintos estes que me levavam a determinado homem.
Um homem dos sonhos. Um homem que ainda povoava meus sonhos até o presente dia. E perturbava meu sono com seu olhar afiado, passos de dança perfeitamente calculados, bastante graciosos, e jeito cuidadoso.
Havia desbravado cada canto da minha cama, rolando sem parar, no sono mais inquieto da história da minha vida. Por causa dele. Dele e de mais nada. Era ele quem me inquietava com suas possibilidades.
Possibilidades impraticáveis, todavia, mesmo assim, possibilidades. Possibilidades que arrepiariam até o último fio de cabelo da madre superiora (caso ela possuísse o poder de ler mentes). Indignas de alguém em minha posição.
Mas eu não estava interessada nessa parte da minha vida. Em nada que tivesse a ver com ela.
Nos últimos dias, meu cargo de freira vinha sendo a fonte de minhas dores de cabeça. Tudo era tão errado, tão pecaminoso, sob a óptica da minha condição. Para piorar, com justa causa.
Eu me comprometera com a castidade, estava prestes a fazer um voto definitivo, e não fora à toa. Precisava cumprir com minha palavra. Mas vinha sendo difícil-praticamente-impossível desde o dia em que vesti o hábito pela primeira vez.
Por que era tão difícil? Por que Hoffmann ressurgira do meu passado justo na hora em que eu estava fraquejando e poderia sucumbir? Precisava aparecer com sua meiguice e beleza ímpares? Desgraçar com minha cabeça em pouquíssimos dias?
Eu cheguei a um ponto no qual já não sabia o que estava acontecendo comigo. Pensava que não existia a possibilidade de um desejo tão avassalador acometer alguém. Muito menos alguém que havia se devotado a uma vida voltada ao serviço.
Agora eu queria ser servida. Ansiava por ver Otto entregue de bandeja para mim. Sua boca na minha. Minhas mãos em seu corpo. Dois corpos se tornando um só.
— Alô?! — Jean chamou minha atenção abanando a mão à frente do meu rosto. — Tudo bem aí?
Assenti com um movimento de cabeça exagerado. Queria expulsar meus devaneios na base da chacoalhada, por quaisquer meios necessários.
— Tudo ótimo. Só me distraí um pouco. — Resisti à vontade de dimensionar meu problema corretamente e confessar o tamanho real da minha distração.
— Você tá bastante avoada hoje — apontou ele. — Tem certeza de que tá bem? — Jean quis se certificar do meu bem-estar, como um típico irmão mais velho preocupado.
— Absoluta — assegurei-lhe. — Não precisa se preocupar comigo, senhor Dubois.
— Hoje é meu dia livre — jogou a informação no ar como quem não quisesse nada, mas em verdade queria e queria muito —, poderíamos fazer alguma coisa juntos. Que tal?
— Só se eu puder escolher a atividade — expus minha condição, empolgada. Estava com vontade de passar um tempo de qualidade com meu irmão desde que aterrissei no aeroporto, contudo, a ocasião não surgira. Até o momento.
Cedendo às minhas vontades, como sempre, Jean me levou ao clube onde costumávamos passar o tempo livre nos fins de semana. Devidamente paramentados, vestidos de branco como um par de jarros, entramos na quadra de tênis e começamos o jogo mais acirrado da nossa história.
Agora eu já não era tão pequena e fácil de enganar. O trabalho braçal na horta do convento (e nos mutirões das obras sociais) me fortalecera e não mais existiam raquetadas fracas para contar história. Apesar de ainda ter perdido, eu o fiz suar a camisa. E só isso me bastava. Fora minha vitória.
Quando nossa bateria acabou e nem um dos dois conseguia levantar os braços sem ver a alma ascender ao Céu em segundo plano, apareceu algo que me exauriu mais do que as partidas de tênis.
Otto havia surgido completamente do nada — ao menos de acordo com meu olhar desatento que se ocupara apenas do movimento da bola de tênis pelas últimas horas — e agora permanecia parado à minha frente, recém-saído do futebol, com a camisa pendurada no ombro e o suor escorrendo pelo tronco.
Era só o que me faltava. Sequei meu próprio suor com uma toalhinha e engoli em seco. Meu resfolegar aumentou sua intensidade e meu coração, já acelerado pelo exercício, disparou.
Diacho de homem gostoso. Sem condições.
Tive um péssimo pressentimento. Suspeitei que não resistiria àquela provação. Eu falharia feio, sucumbiria aos meus desejos e o agarraria para nunca mais soltar. Era só questão de tempo.
Pro Hoffmann eu aposto que não haveria braço cansado certo na hora de agarrar e não soltar...
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A Irmã
Romance+18 | Completo | Otto Hoffmann Junior é um encalhado de carteirinha. Vive dando de cara no muro quando o assunto é amor. Seus dotes não falham, mas é só ele abrir a boca que logo chega à conclusão de que seria melhor ter ficado calado. No entanto, s...