Tomei uma decisão séria: largaria aquela vida de aparências. Não mais viveria no mundo às escondidas. Dali em diante, viveria sem futilidades, sem promiscuidade, sem Otto. Seria apenas a boa e velha Sophie, a santinha.
Sendo assim, adiantei meu retorno ao convento. Não aguentaria ficar mais um dia sequer numa cidade que abrigava um homem tão covarde quanto Hoffmann, que viera me propor romancinho escondido em vez de me assumir (já que havíamos sido descobertos de qualquer forma) e sequer tivera a decência de se opor ao meu irmão, lutar por mim.
Aliás, ele nem se arrependera no último momento, como fazem os bons mocinhos de comédia romântica. Nem se dera o trabalho de pensar em ir ao meu encontro no aeroporto e dizer-me as únicas três palavras que me interessavam àquela altura.
Aliás, ele nem quisera saber de mim depois de nosso último encontro. Pelo visto faltava-lhe persistência. Ele desistira fácil de mim. E eu aqui pensando que um macho desses poderia parar meu avião só pra dizer que me ama e quer que eu fique.
Tinha noção de que isso era uma grande bobagem, invenção de filme para nos iludir, mas ainda assim não deixei de ter um tiquinho de esperança de que algo do tipo pudesse acontecer — e eu pudesse vê-lo novamente, nem que fosse para um adeus.
Talvez ele não soubesse da minha partida. Tendo em vista o quão fácil ele me largou de mão, era bem capaz de que ele nem sequer tenha se inteirado da minha vida via terceiros. Esperá-lo era, de fato, fútil e inútil.
Na minha saída nada cinematográfica, despedi-me apenas da minha família, que nem estava completa, visto que meu pai estava muito ocupado trabalhando e minha mãe, bebendo. Somente Jean me acenava com a mão enquanto eu ia embora, arrastando as malas em direção ao portão de embarque.
Fora uma despedida digna do meu estado de espírito. Digna da minha derrota.
⸙
No meu primeiro dia de volta ao convento, a madre superiora veio me receber de braços abertos. Acolheu-me como se eu fosse o filho pródigo em carne e osso. Mal sabia ela que eu estava mais para a mulher adúltera à beira do apedrejamento do que qualquer outra coisa.
— Que alegria te ter de novo entre nós, irmã. Fez uma boa viagem? — A mulher de meia idade, baixinha, de rosto arredondado e pele castigada pelas intempéries da vida, me interrogou.
— É uma alegria pra mim também — menti na cara dura, descumprindo minha promessa de me afastar do mal e ser a Sophie correta. — A viagem foi ótima. Passou depressa — menti outra vez.
A viagem havia sido uma tortura e se prolongara por uma eternidade segundo meu relógio mental. A todo instante pensava nele. Por que ele tinha de ser assim, tão sem atitude? Será que ele gastava sua coragem toda ao ter a cara de pau de pronunciar as piores cantadas do livro dos sedutores anônimos sem medo da rejeição iminente?
Não era possível um homem tão lindo e tão maduro ser daquele jeito. Não fazia sentido alguém como ele agir feito criança e me largar assim, sem mais nem menos, sem uma explicação coerente. Não me descia.
Já mentir descaradamente para a madre superiora, pelo visto, me descia bastante bem; ia goela abaixo sem a necessidade de um copo d'água sequer para ajudar a descer melhor aquele bolo de mentiras inofensivas.
— Espero que tenha vindo pra ficar, irmã Sophie. Até porque não há como lhe dar uma nova licença tão cedo. Não posso mais fazer concessões. Terá de esperar pelo tempo de serviço — informou ela. — São as regras da ordem. Compreende que não podemos quebrar as normas, não compreende?
Assenti, de cabeça baixa, em sinal de respeito. Eu sentia muito pela madre. Era uma pessoa incrível e altruísta. E ficara em maus lençóis por conta de mim e da minha licença precoce. Não merecia ser repreendida pelas minhas aventuras fora daqueles muros (como se a culpa fosse dela).
— Quando posso retomar as minhas atividades? — perguntei, desesperada para ocupar a mente e não a deixar se tornar oficina do diabo.
— De imediato, se assim desejar. — Sorriu-me. — A horta tá sentindo falta de suas mãos abençoadas — revelou. — Você tem um dom muito especial, menina.
— Bondade sua, madre — comentei, sem graça. — Qualquer um pode fazer o que eu faço.
— Não se menospreze. As outras irmãs quebraram a cabeça para manter as verduras viçosas e mesmo com um cuidado dobrado não conseguiram se equiparar ao seu trabalho — relatou ela.
— Bom, já que é assim e as plantas sentem tanto a falta do meu cuidado, melhor eu voltar logo ao trabalho. Com sua bênção, claro. — A superiora me abençoou. — Até mais, madre.
Então tratei de cuidar da horta no quintal do convento. Assim, eu ganhava mais. E, de quebra, preenchia a cabeça com o meu conhecimento básico sobre horticultura. Deixaria de pensar nele por pelo menos algumas horinhas, esperava eu.
⸙
Uma semana se passou. A despeito da passagem de tempo, meus pensamentos continuavam os mesmos, minha cabeça persistia no erro, insistia em pensar nele. Não importava o quanto eu tentasse esquecê-lo ao me encher de outras tarefas, eu simplesmente não conseguia me distrair. Ele sempre voltava ao meu consciente.
As noites eram particularmente mais cruéis. Nelas eu me lembrava de seu abdome definido contraindo-se a cada estocada. Recordava-me do quanto admirava o seu cabelo bagunçado, caindo-lhe sobre os ombros, às vezes pelo rosto, quando ele o soltava a meu pedido. Rememorava a gentileza de seus olhos, de seu sorriso, de sua fala mansa.
Otto era um tanto quanto inesquecível. O que tínhamos era inesquecível. Não dava para apagar nossos beijos furtivos da memória. Muito menos fingir que cada momento que passamos juntos era descartável.
Quer dizer, podia até ser para ele, que aparentemente superara nosso lance tão rápido e com maestria. Para mim, nada nosso fora imemorável. Desde o impensado beijo no rosto à primeira vista, no aeroporto, até a fatídica transa que nos condenou ao fim, Otto se provara inesquecível.
Seria exigir muito de mim mesma cobrar um esquecimento repentino. Ainda assim, eu o queria. E o buscava desesperadamente — em especial nas tarefas que me propunha a fazer dentro e fora do convento.
Iludi-me procurando nessa parte da vida religiosa, no serviço, uma solução milagrosa dos meus problemas. Isso em nada me servia. Apenas tapava o sol com a peneira. Eu não o deixaria para lá desse jeito. Não adiantava buscar acelerar o processo. Minha cura viria somente com o tempo.
A bonita tá pondo muita fé no tempo 👀
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A Irmã
Romance+18 | Completo | Otto Hoffmann Junior é um encalhado de carteirinha. Vive dando de cara no muro quando o assunto é amor. Seus dotes não falham, mas é só ele abrir a boca que logo chega à conclusão de que seria melhor ter ficado calado. No entanto, s...