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Revirava a terra com as mãos nuas

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Revirava a terra com as mãos nuas. Havia uma certa paz no trabalho manual. Ajoelhada no jardim — depois de haver dispensado o jardineiro de seu ofício —, retirava ervas daninhas e podava plantas de pequeno porte. A manutenção ficara completamente por minha conta naquele dia.

O calor castigava. A garrafa de água encontrava seu fim, passadas duas horas do início do meu expediente, e minha roupa, um macacão velho de tecido leve, grudava em meu corpo como uma segunda pele.

O cola-cola era uma situação desagradável, mas definitivamente melhor do que seria se eu não houvesse trocado o hábito por roupas mais mundanas. Seria capaz de eu cozinhar debaixo de tanto pano.

Tornara-se impossível utilizar minhas vestes costumeiras. Por mais que não as vestir fugisse à norma, era necessário para tornar minha vida mais prática. Eu me preocuparia com minhas transgressões do código de vestimenta depois.

Por ora, ajoelhada sobre a grama, me ocupava das belíssimas flores dispostas ao longo dos fundos da casa dos Dubois. Melhor dizendo, ocupei-me delas até a sombra de uma figura humana cair sobre mim e eu não ter outra opção senão olhá-la.

— A gente paga jardineiro pra isso, menina — minha mãe censurou-me enquanto balançava a mão para chacoalhar a bebida em sua taça.

Tânia Dubois era o estereótipo da "esposa de rico entediada" personificado. Sempre estava tomando algum drink com nome em inglês (fosse noite ou dia), trajando roupas de festa (ou no mínimo arrumadas demais para a ocasião) e sobrecarregando o rosto com uma maquiagem pesada (nada lisonjeira) que a envelhecia (uns dez anos).

— Eu o dispensei. — Levantei-me, retirei o excesso de terra das mãos com uma flanela surrada e dei um beijo em sua bochecha. — O de hoje é por minha conta — garanti, como se fosse PhD em jardinagem e não uma reles entusiasta cultivadora de horta.

Minha mãe cascou o bico com essa frase. Tinha dificuldade de engolir certas mudanças. Além do mais, ainda estava acostumada à velha Sophie que não movia um dedo para ajudar em qualquer tarefa da casa. Minhas fugas da norma eram uma fonte de diversão aos seus olhos.

— Se é você quem diz, eu acredito — decretou ela, por fim, dando-me um voto de confiança. — Pena que você não vai poder concluir seu serviço agora.

— Por que não? — Franzi o cenho, incerta quanto ao rumo da conversa.

— Você tem visita. — Ela afagou meu rosto e apontou para a varanda atrás de si, onde quatro elementos conhecidos me acenaram ao perceber que eu os mirava.

Tratava-se dos meus amigos Kiko, Zinho, Lindo e Branco, alguns dos poucos alunos negros da nossa escola e os principais responsáveis pelo meu senso de pertencimento, de saber que havia alguém como eu num ambiente predominantemente branco.

Éramos um bando curioso. Inclusive, formamos um grupo de axé nos nossos anos dourados. Lindo, que se achava o Belo, era nosso vocalista ligeiramente fora do tom. Branco remediava o problema da afinação sendo a segunda voz.

A IrmãOnde histórias criam vida. Descubra agora