Eu estava na merda. Não havia definição melhor para meu estado de espírito. Nem eufemismo para suavizar minha condição. Eu tinha me tornado um condenado (pelos meus próprios atos). Merecia pagar pelo que fiz, ou melhor, pelo que deixei de fazer.
Havia perdido um bem precioso. Alguém com quem eu já sonhava acordado e pensava num futuro no qual eu a chamasse de "meu amor". Uma mulher capaz de ocupar todos os meus devaneios e me deixar sem saída.
Era impossível não pensar em Sophie quando ela era tudo o que eu mais queria. Impossível não lembrar carinhosamente de seu jeito meigo, com um quê de safadeza, que a tornava tão única a meu ver.
Gostava de como ela era gentil, ou melhor, humana no trato com pessoas em situação de vulnerabilidade. Gostava também do quão à vontade ela ficava em meu apartamento. Minha casa era sua casa e ela andava por lá como bem entendia, boa parte do tempo pelada.
Adorava o jeito como ela me presenteava com coisas simples e fazia o ordinário se tornar extraordinário. Sem um único investimento financeiro, apenas com suas próprias mãos, ela me arrancava sorrisos que nenhum presente milionário conseguiria arrancar.
Agradecia em silêncio quando abria a galeria de fotos do celular e encontrava seus mimos generosos, retratos nos quais ela exalava sensualidade em cada uma de suas poses, mostrando quão multifacetada uma pessoa podia ser mesmo na ausência de roupas. Era o tipo de coisa que me trazia ainda mais dúvidas sobre sua vocação.
A mulher era angelical, levava jeito com as coisas da igreja, tinha um coração de ouro inquestionável. Parecia uma freira de verdade quando se cobria com o hábito e sentava-se em algum local reservado da paróquia num silêncio contemplativo, em oração.
Daí eu olhava as fotos provocantes, saudosista, via a pele que habitava debaixo do hábito, sondava as únicas curvas que me importavam quando a roupa caía, e não conseguia encontrar sequer um traço de freira naquela mulher fatal, que poderia matar do coração este velho a qualquer instante.
Como não ficar na merda com uma tonelada de memórias deste gênero? Como encarar a minha culpa nessa história toda sem sucumbir? Não dava. Simplesmente impossível. Por isso, desesperançoso, sem a mínima perspectiva de melhora em um futuro próximo, eu me abandonei.
Andava como um zumbi por aí. Deixava a barba crescer além da conta. Prendia o cabelo em um coque frouxo. Chegava atrasado no Risca Faca. Bebia além da conta em horário de expediente. Preocupava meus funcionários. Preocupava meus amigos.
Preocupei-os ao ponto de a cavalaria vir em meu socorro e os quatro cavaleiros do apocalipse afetivo aparecerem de surpresa no Risca, sem convocação nem nada. Virei caso de intervenção do Capitão.
— Você precisa de ajuda, irmão — decretou Vacchiano, irredutível. Não admitiria protestos nem minhas mentiras de "tô bem, é impressão sua".
— É só uma fase. Vai passar. — Embora soubesse que era inútil tentar enganar aqueles olhos de esmeralda que me fitavam com sua típica intensidade de detector de mentiras, insisti no erro e minimizei toda a desgraça que caíra sobre mim.
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A Irmã
Romance+18 | Completo | Otto Hoffmann Junior é um encalhado de carteirinha. Vive dando de cara no muro quando o assunto é amor. Seus dotes não falham, mas é só ele abrir a boca que logo chega à conclusão de que seria melhor ter ficado calado. No entanto, s...