II

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  Kian Drakon


A noite em Draugrfe parecia ter adquirido uma identidade própria, uma presença que se fazia sentir em cada canto da vasta floresta. O céu estava coberto por nuvens espessas, que filtravam a luz da lua até reduzir sua intensidade a um brilho pálido, quase doentio. O vento que cortava a floresta era gélido, carregando consigo um perfume de terra úmida e madeira podre, típico dos lugares onde a morte parecia habitar mais do que a vida. Ele sussurrava entre as árvores de Draugrfe, cujos troncos retorcidos e imponentes se erguiam como sentinelas, com raízes profundas que pareciam se enterrar nas profundezas do próprio mundo. As sombras lançadas por essas árvores se moviam como entidades próprias, balançando de maneira estranha sob a influência da brisa, enquanto as folhas secas estalavam e sussurravam palavras antigas, incompreensíveis.

No coração de Draugrfe, o altar dedicado a Hel, a deus da morte e da necromancia, estava erguido sobre uma plataforma de pedra negra, como um monumento sombrio e intocável. O altar era circular, com pedras cravadas em suas bordas, algumas das quais estavam cobertas por musgos escuros e líquenes que se entrelaçavam em padrões enigmáticos. As runas gravadas nas superfícies da pedra brilhavam com uma luz tênue, pulsando lentamente, como se estivessem vivas, imbuídas de um poder ancestral. O centro do altar estava vazio, mas a sensação de que algo estava esperando para ser invocado era palpável. Era um lugar de sacrifícios, de pactos, onde os mortos e os vivos se encontravam em uma linha tênue, prestes a se cruzar.

Em torno desse altar, o solo estava coberto por uma fina camada de névoa que se movia como se estivesse viva, fluindo lentamente entre as rochas e as raízes, obscurecendo ainda mais a visão de qualquer ser que se atrevesse a chegar perto. A noite em Draugrfe nunca era simplesmente noite — era uma manifestação da própria morte, da eternidade que se estendia à frente e à retaguarda de qualquer ser que existisse.

Eu, Kian Drakon, líder da Legião de Hel, estava diante desse altar, perdido em meus próprios pensamentos enquanto a brisa gélida acariciava meu rosto. O peso da responsabilidade que agora carregava sobre meus ombros era imenso, como um manto de chumbo que me prendia ao solo. Minha mente não conseguia escapar de Einar, meu irmão mais velho, que havia desaparecido nas sombras da mesma floresta que agora ameaçava nos engolir. Ele era mais do que um irmão; ele era o líder da Legião de Hel, o farol que guiava todos nós. A dor de sua ausência cortava minha alma como uma lâmina afiada, e as cicatrizes deixadas por sua perda nunca pareciam cicatrizar completamente.

Eu estava ali, em um dos momentos mais decisivos da minha vida, diante do altar que havia sido consagrado pelo sangue de muitos de nossos ancestrais, e sentia a presença de Hel nos ossos de cada árvore ao redor, nos murmúrios da brisa, e na vibração quase elétrica do próprio solo. As palavras de Skadi, minha conselheira e guerreira experiente, ecoavam em minha mente: "É hora de provar que você é o líder que sua legião precisa." Suas palavras eram uma lembrança constante de que a ausência de Einar não era apenas uma perda pessoal, mas uma falha em nossa estrutura, uma vulnerabilidade que nossos inimigos poderiam explorar.

Eu respirava fundo, tentando afastar a névoa mental que me envolvia. A Legião de Hel estava mais frágil do que jamais estivera. A magia das trevas, a necromancia, e as artes antigas estavam sendo desafiadas por algo maior, algo mais sinistro do que qualquer um de nós poderia imaginar. E se houvesse algo além de um simples ataque à nossa segurança? E se as forças que estavam se reunindo nas profundezas da floresta não fossem simplesmente inimigos comuns, mas algo que procurava desestabilizar toda a nossa existência?

Foi quando o vento, que havia estado suave, se intensificou, trazendo consigo uma sensação de urgência. As folhas começaram a se mover com mais força, e eu ouvi os passos rápidos de alguém se aproximando. Um mensageiro, ofegante e suado, surgiu da escuridão, como uma sombra que se materializava de repente. Seus olhos estavam arregalados de medo, e ele parecia à beira da exaustão.

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