XIII

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  Perséfone Benett

Estava de olhos vendados, sentindo o suor escorrer pelo meu rosto enquanto ajustava minha postura no centro do ringue. O silêncio ao meu redor era quase ensurdecedor, quebrado apenas pelo som rítmico da minha própria respiração. Cada músculo do meu corpo estava tenso, alerta, enquanto eu me concentrava em ouvir tudo ao meu redor. Esse tipo de treino não era apenas físico, era mental. Eu não podia confiar nos meus olhos, apenas nos sons e nas vibrações ao meu redor.

A luta nunca foi apenas sobre força. Era sobre percepção, e essa era uma habilidade que eu precisava dominar. Confiar na minha audição, nas pequenas mudanças no ambiente ao meu redor, nos movimentos sutis do ar, era o que me daria vantagem.

De repente, senti uma mudança. Não era algo que pude ver, obviamente, mas o ar ficou mais denso. Havia uma presença se aproximando, suave, calculada. O som dos passos era leve, quase imperceptível, mas eu sabia que estava ali. Não era qualquer um. Quem quer que fosse, estava tentando não ser detectado.

Um pequeno sorriso se formou nos meus lábios. Eu já sabia quem era. Kian.

— Sei que está aí — murmurei, sem mover a cabeça, deixando meu corpo relaxar um pouco.

Ele não respondeu de imediato, mas eu podia sentir sua presença se aproximando, lenta e deliberada. O ar ao redor dele parecia vibrar com uma energia sombria, algo que sempre esteve presente desde que o conheci. Kian Drakon, o líder da Legião de Hel, sempre soube como caminhar na escuridão. E agora, ele estava testando minha habilidade de senti-lo.

Eu respirei fundo, ouvindo o leve ranger do chão de madeira quando ele deu mais um passo.

— Não devia estar se aproximando de uma mulher vendada, Drakon — falei com um tom de provocação, girando meu corpo de forma lenta, calculada. — Não acha um pouco injusto?

Ouvi um riso abafado, próximo o suficiente para me fazer pensar que ele estava agora a poucos metros de mim.

— Talvez eu goste de ver como você lida com uma situação injusta, Perséfone — a voz dele era grave, uma mistura de ameaça e brincadeira.

Seu tom me provocava. Mesmo sem vê-lo, eu podia imaginar aquele meio sorriso que ele costumava lançar, desafiador e sombrio. Ele estava me testando.

Eu me movi rápido, deixando o corpo fluir sem depender dos olhos. Girei em sua direção, ouvindo o mínimo deslocamento de ar quando ele deu um passo para trás. Sorri para mim mesma, ele estava prestando atenção também. Kian não era fácil de surpreender.

— Está se saindo bem — ele elogiou, a voz agora mais próxima, e eu soube que ele estava quase ao meu lado. — Mas vai precisar de mais do que audição para me derrotar.

Sem aviso, senti sua mão se mover para o meu pulso, mas antes que ele pudesse me imobilizar, desviei rapidamente, girando o corpo. Ele estava próximo o suficiente para que eu sentisse o calor de sua pele, o cheiro familiar que sempre o acompanhava — um misto de terra molhada e algo metálico, talvez o cheiro da batalha.

Eu me posicionei, em guarda, pronta para qualquer outro movimento que ele fizesse.

— Não subestime minha audição. — retruquei, tentando esconder a diversão em minha voz.

Ele ficou quieto por um momento, e o silêncio se estendeu entre nós. Kian era um mestre em controlar o ambiente, mas nesse momento, eu estava preparada para qualquer coisa.

- O veio fazer aqui afinal? - Perguntei retirando a venda dos olhos para observar ele.

- Já tem algum tempo desde que nos vimos... Pensei que estivesse chateada comigo sobre o assunto do Aidan... - Seu tom de voz parecia meio receoso com o assunto.

- Não... Não fiquei chateada e nem nada do tipo com você, com Thoren, Yhasemin e nem com o Rikeln.

- Isso feliz com isso. - Disse com um meio sorriso no rosto.

Eu o encarei por alguns segundos, tentando decifrar o que ele estava realmente sentindo. Kian raramente mostrava suas emoções, e aquele meio sorriso no rosto parecia mascarar algo mais profundo.

— Então... o que realmente te traz até aqui? Não acho que esta aqui apenas por isso... —  Inclinei minha cabeça levemente.

Kian deu um passo à frente, suas mãos agora cruzadas atrás das costas, seu semblante se tornando mais sério.

— Yhasemin e Rikeln partiram esta manhã — ele disse, com a voz baixa, quase como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras. — Eles estão buscando os últimos itens que precisamos para completar o feitiço de proteção.

Minha expressão endureceu. Eu sabia o quão arriscada essa busca poderia ser, especialmente com as Sombras do Crepúsculo tão próximas de nossos territórios.

— Sozinhos? — perguntei, um tanto alarmada. — Por que não me avisaram? Eu poderia ter ido com eles.

Ele balançou a cabeça, os olhos fixos nos meus, um brilho de determinação refletido neles.

— Eles não queriam te preocupar. E, além disso, você precisava continuar seu treinamento. O feitiço de proteção depende não só dos itens que estão buscando, mas também da  força das nossas legiões. — Ele fez uma pausa, avaliando minha reação antes de continuar.

Eu não pude evitar a sensação de frustração que crescia em mim. Por que sempre tentavam me proteger, como se eu fosse incapaz de cuidar de mim mesma? Mas, ao mesmo tempo, sabia que havia lógica no que ele dizia.

— Eu poderia ter ajudado — murmurei, cruzando os braços e olhando para o chão. — Não gosto de ficar aqui, esperando que algo aconteça enquanto eles estão lá fora arriscando suas vidas.

Ele deu um passo à frente, tão perto agora que eu podia sentir a intensidade de sua presença.

— Eu sei que isso é difícil para você — ele disse, com um toque de suavidade em sua voz que não era comum. — Mas confiar em quem está ao seu redor também faz parte de ser forte. Eles são os melhores naquilo que fazem. Eles vão conseguir. E você estará pronta para fazer sua parte quando for necessário.

Levantei o olhar para ele, percebendo a verdade nas suas palavras, mas ainda assim, um nó de preocupação se formava no meu estômago.

— E se algo der errado? — sussurrei, deixando transparecer o medo que eu tentava ignorar.

Kian colocou uma mão no meu ombro, o gesto surpreendentemente reconfortante.

— Nada vai dar errado. Confie neles. Confie em você mesma. — Ele apertou meu ombro levemente antes de se afastar. — E, se precisar, estarei aqui. Sempre.

Eu balancei a cabeça, absorvendo suas palavras. Apesar de toda a tensão e incerteza, havia uma segurança na presença dele. Mesmo que ele não admitisse, de algum jeito, ele sempre estava lá para nós. Para mim.

— Espero que esteja certo, Kian — murmurei, olhando para o anel de treino ao nosso redor, como se as respostas estivessem ali em algum lugar.

Ele deu um sorriso, aquele meio sorriso que nunca revelava tudo, e começou a se afastar.

— Sempre estou. —

Convencido...

Convencido

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