O Bilhete

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      Naquela manhã, Pedro saiu para a faculdade como de costume, deixando Jão em casa. Jão havia trancado o curso há algum tempo, incapaz de lidar com a pressão dos estudos enquanto lidava com sua dor interna. Ele sabia que precisava de tempo para si mesmo, mas não queria preocupar Pedro, então manteve seus sentimentos escondidos.

      Enquanto preparava o almoço, os pensamentos e lembranças de seu pai começaram a inundar a mente de Jão. A saudade e a dor eram intensas, e ele não conseguia mais segurar as lágrimas. Cada movimento na cozinha trazia uma memória diferente: o pai ensinando a cortar legumes, as risadas compartilhadas durante as refeições em família, o apoio incondicional que sempre recebeu.

      Jão tentou se concentrar na tarefa à mão, mas a dor era esmagadora. Ele sabia que não poderia continuar assim. Precisava fazer algo, precisava de um momento para processar tudo, para viver seu luto.

      Depois de uma longa reflexão, Jão pegou papel e caneta e começou a escrever um bilhete para Pedro. As lágrimas caíam enquanto escrevia, mas ele sabia que era a coisa certa a fazer.

"Amor, me desculpe... provavelmente estarei bem longe quando você ler esse bilhete, porém não posso viver essa farsa. Todo dia vem memórias do meu pai me assombrar e não me permite ser feliz. Preciso tirar um momento para mim, um momento para viver a morte de meu pai... entenda por favor, eu só não quero ser triste pra sempre..."

      Ele deixou o bilhete na mesa da cozinha, próximo às panelas que ainda estavam no fogão. Pegou algumas roupas e poucos pertences, colocando-os em uma mochila. Antes de sair, olhou para o apartamento que havia se tornado seu lar com Pedro. Com um suspiro profundo, ele saiu, sentindo uma mistura de alívio e dor.

      Jão decidiu voltar para a casa de sua família no interior. Ele precisava do conforto do lar onde cresceu, dos lugares familiares que traziam tantas memórias de seu pai. Pegou um ônibus para a cidade pequena onde morava sua mãe e alguns de seus parentes, sentindo que esse era o lugar onde poderia encontrar algum consolo.

      Pedro chegou da faculdade algumas horas depois, estranhando a ausência de Jão. Chamou por ele algumas vezes, mas não obteve resposta. Ao entrar na cozinha, viu as panelas no fogão e, em cima da mesa, o bilhete. O coração de Pedro afundou enquanto lia as palavras de Jão, a compreensão do que havia acontecido o atingindo com força.

      — Não... Jão... — Pedro sussurrou, sentindo as lágrimas começarem a escorrer. Ele segurou o bilhete com força, a dor da ausência de Jão começando a tomar conta.

      Desesperado, Pedro tentou ligar para Jão, mas o telefone estava desligado. Ele sentiu uma onda de desespero, imaginando onde Jão poderia estar e se ele estaria seguro. Sentou-se à mesa, o bilhete ainda em suas mãos, os pensamentos correndo em um turbilhão.

      Pedro começou a lembrar dos momentos que passaram juntos. As risadas, os abraços, as conversas profundas e as pequenas brigas. Cada memória era uma faca em seu coração, lembrando-o de quanto amava Jão e do quanto não queria perdê-lo.

      Ele pensou em todas as vezes que Jão tentou falar sobre o pai, mas acabou se calando. Agora entendia que Jão estava sofrendo muito mais do que deixava transparecer. Pedro sentiu um misto de culpa e tristeza por não ter percebido antes.

      Decidido a fazer algo, Pedro começou a enviar mensagens para os amigos e familiares de Jão, perguntando se alguém tinha notícias dele. A resposta foi negativa de todos, e Pedro começou a temer o pior. Ele sabia que precisava dar a Jão o espaço que ele pedia, mas a incerteza era esmagadora.

      Enquanto isso, Jão chegou à casa de sua família no interior. Ao ver sua mãe, a emoção o tomou por completo. Eles se abraçaram longamente, as lágrimas de ambos se misturando. A casa parecia acolhedora e familiar, e Jão sentiu um pequeno alívio por estar de volta ao lugar onde se sentia seguro.

      Os dias passaram, e Jão se dedicou a ajudar nas tarefas diárias e a passar mais tempo com sua família. Ele caminhava pelos campos onde costumava brincar quando criança, visitava os lugares que tinha tantas memórias boas com seu pai, tentando encontrar algum conforto na familiaridade do ambiente.

      Apesar do apoio de sua família, a dor da perda de seu pai ainda era intensa. Jão sabia que precisava lidar com isso, mas a ausência de Pedro o fazia se sentir ainda mais sozinho. Ele queria falar com Pedro, explicar o que estava passando, mas temia que isso apenas causasse mais dor a ambos.

      Pedro, por sua vez, tentava continuar com sua rotina na faculdade, mas a preocupação constante com Jão tornava tudo mais difícil. Ele sabia que Jão precisava de tempo, mas a saudade era quase insuportável. Cada dia sem notícias de Jão era uma tortura, e Pedro se pegava olhando o celular a cada momento, esperando uma mensagem ou ligação.

      Finalmente, em uma tarde chuvosa, Jão pegou o telefone e digitou uma mensagem para Pedro. Ele sabia que não poderia continuar sem falar com ele, sem explicar o que estava sentindo.

"Pedro, estou na casa da minha família. Precisava de um tempo para mim, para processar tudo o que aconteceu. Sinto muito por ter saído assim, mas não conseguia lidar com tudo. Espero que entenda."

      Pedro recebeu a mensagem e sentiu uma mistura de alívio e preocupação. Ele respondeu rapidamente, querendo saber mais, querendo ajudar de qualquer forma possível.

"Jão, estou aqui para você, sempre. Entendo que precisa de tempo, mas por favor, me mantenha informado. Estou preocupado e com saudades. Te amo."

      Jão leu a resposta de Pedro e sentiu uma pontada de culpa por tê-lo deixado tão preocupado. Ele sabia que precisava ser honesto e manter Pedro a par de seus sentimentos, mesmo que fosse difícil.

      Com o tempo, os dois começaram a se comunicar mais, trocando mensagens e ligações. Jão ainda precisava de tempo para lidar com seu luto, mas o apoio de Pedro e sua família estava começando a fazer diferença.

      Eles sabiam que o caminho seria longo e cheio de desafios, mas o amor que compartilhavam era forte o suficiente para superar as dificuldades. Jão e Pedro estavam determinados a encontrar uma forma de seguir em frente juntos, apesar da dor e das perdas que enfrentavam.

NÃO ERA AMOROnde histórias criam vida. Descubra agora