Bucky

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Estou puto com a presença dela aqui, mas acho que minha raiva é ainda maior porque, depois de tudo que ela fez, achou que eu iria recebê-la de braços abertos. Estou me sentindo um idiota. Estou com raiva e magoado, como se alguém tivesse se aproveitado de mim. Abro o vidro para sentir um pouco de ar fresco, na esperança de que isso me acalme. As articulações dos meus dedos estão pálidas enquanto seguro o volante. Ela está olhando pela janela, sem reação. Talvez esteja chorando. Sei lá.

Não estou nem aí, porra.
Não mesmo.

Ela não é a mulher que conheci anos atrás . Aquela mulher não existe. Falei para Sam sobre o que aconteceu dois dias atrás e que eu estava preocupado que ela fosse atrás da minha filha e ele disse que era besteira se preocupar com isso.
"Ela não apareceria assim. Não depois do que fez." Ele disse pra mim.
Seguro o volante com ainda mais força. Marjorie nasceu de Lilly, mas o direto dela em relação à minha filha acaba aí. Quando o edifício que ela morava quando nos conhecemos aparece, paro a picape e ponho o câmbio automático no ponto morto. Não desligo o motor, mas Lilly não se mexe para sair. Achei que ela fosse saltar apressada antes mesmo de eu parar completamente, mas ela parece estar querendo dizer alguma coisa. Ou talvez esteja receando voltar para o apartamento, provavelmente tanto quanto receia continuar aqui. Ela está encarando suas mãos unidas no colo. Leva uma delas até o cinto e o desafivela, mas depois continua na mesma posição. Marjorie se parece com ela. As duas têm o mesmo tom castanho- avermelhado no cabelo,quando Lilly não tinha esse cabelo loiro, que é liso e fino, sem nenhum indício de onda ou cacho. Marjorie tem os olhos de Lilly. Quando os olhos de Lilly se voltam para mim, sinto um aperto de decepção: Marjorie se parece tanto com ela quando está triste. É como se eu estivesse vendo o futuro e quem Marjorie vai ser um dia.
Não gosto de perceber que a pessoa de que eu menos gosto do mundo agora , lembra a pessoa que mais amo no mundo.
Lilly enxuga os olhos, mas não me inclino para pegar um guardanapo no porta-luvas.

" Eu não queria ter feito o que fiz. Não queria abandonar vocês.Juro" - diz ela com a voz trêmula."Eu posso explicar, porque eu fiz isso."

Ela encosta a cabeça no apoio e fica olhando para a frente. Seu peito sobe com uma inspiração profunda. Ela expira bem no momento em que meu dedo toca o botão de destrancar a porta. É minha deixa para que ela vá embora.

" Não me importo, não quero ouvir. Eu me importo apenas com Marjorie. E só."

Vejo uma lágrima deslizar pelo seu maxilar. Odeio o fato de que sei o gosto de suas lágrimas. Odeio a parte de mim que quer estender o braço e enxugá-la.
Ela se mexe com uma tristeza graciosa, inclinando-se para frente, pressionando o rosto nas mãos. Apoio o cotovelo na porta e me afasto dela. Olho pela janela, sem querer saber mais nada a seu respeito.

"  Eu não quero você na vida dela, Lilly."

O choro se mistura a um arquejo que parece repleto de anos de mágoa  quando ela diz:

"Ela é minha filha."

Neste momento, sua voz decide se reconectar à sua consciência. Não é mais uma fina espiral de ar que escapa da sua boca; é uma voz cheia de pânico e desespero.

"Marjorie é  apenas minha filha . Seus direitos foram suspensos. Saia da minha picape e faça um favor para todos nós. Não nos procure mais."

Não sei se o soluço de choro que lhe escapa é mesmo real. Ela enxuga as bochechas, abre a porta e sai da minha picape. Vira-se para mim antes de fechar a porta, e ela se parece tanto com Marjorie, até mesmo seus olhos ficam um pouco mais escuros quando ela chora, assim como acontece com Marjorie.
Sinto seu olhar bem profundamente, mas sei que é somente por sua grande semelhança com Marjorie . Estou sofrendo por Marjorie. Não por esta mulher que foi um dia minha esposa.
Lilly parece não saber se deve se afastar, me responder ou gritar. Ela abraça a si mesma e me encara com dois olhos imensos e arrasados. Inclina a cabeça para o céu por um instante, inspirando de forma trêmula.

"Vá se foder, Bucky."

A dor pungente de sua voz me faz estremecer, mas tento parecer o mais indiferente possível.
Suas palavras nem sequer foram um grito, foram apenas uma afirmação baixa e incisiva.
Ela bate a porta da picape com força e depois espalma as mãos na minha janela.

"Vá se foder!"

Não fico esperando-a repetir pela terceira vez. Dou ré e volto para a rua. Sinto um nó na barriga que parece amarrado ao seu pulso.
Sigo dirigindo enquanto penso em um milhão de coisas que deveria ter dito. Em um milhão de perguntas cujas respostas ainda não tenho. Por que acha que merece causar mais tumulto nas vidas que já destruiu? Por que ainda quero abraçá-la?
Não são ações de uma pessoa que mais machucam. É o amor. Se não houvesse amor ligado à ação, a dor seria um pouco mais fácil de suportar.
Recebi três ligações de Sam enquanto voltava para casa, mas não atendi nenhuma porque estava puto demais com Lilly para conversar sobre ela ao telefone.

Sam está esperando no jardim quando estaciono a picape na frente de casa. Antes mesmo de eu sair do carro, ele começa a falar.

"O que é que ela quer? " - pergunta ele. " Sua sorte que a televisão do quarto estava alta demais pra ela ouvir a mãe batendo na porta."

Ele continua fazendo perguntas enquanto me segue até a cozinha. Jogo as chaves na mesa. Inclino-me para a frente por cima do balcão e tento falar com uma voz tranquilizadora. Sam sempre esteve ao nosso lado todos esses anos, ele ajudou a cuidar da Marjorie. Ele se preocupava com ela como se fosse sua própria filha.

"Por enquanto, Marjorie está em segurança. Lilly não vai voltar aqui."

Sam fica encarando o piso por uns dez segundos.

"Assim espero cara."- diz ele. " Marjorie não merece passar por isso."

Ele caminha até a porta da frente e, depois que vai embora, fecho os olhos e expiro.

Ultraviolence - Bucky Barnes +🔞Onde histórias criam vida. Descubra agora