Capítulo 3

11 4 0
                                    

Um pé à frente do outro, Moon. Um pé à frente do outro.

Estou a caminhar em cima de uma das longas passadeiras vermelhas numa das principais avenidas da AMON, em direção aos elevadores inferiores.

Entro e pressiono o botão com o número 2 com o meu indicador, para o botão ler a minha impressão digital e conceder acesso ao piso.

Imediatamente, as portas fecham-se e sinto o elevador descer, e eu com ele. O elevador não é nada de especial: é feito de metal, apenas a parede oposta à porta com um autocolante refletor, para fazer o efeito de espelho, mas desta forma não é vidro, e tem uma câmara de vigilância num dos cantos do teto.

Nunca olho para o espelho. Para nenhum. Entro de cabeça baixa e viro-lhe as costas, virando-me para as portas metálicas.

Não consigo suportar a imagem do meu reflexo.

Um ding soa e as portas abrem-se, e eu atravesso-as, agora no piso 2. Caminho com confiança no exterior, não deixando o meu nervosismo transparecer na minha linguagem corporal.

E preparo-me mentalmente.

Raven é o líder da AMON. Com feições fortes e belas, que se contorcem para transmitirem amizade e empatia, uma máscara, mas os olhos frios denunciam-no quase sempre.

Ele destrói vidas. Rapta crianças para os recrutar para a AMON. Na maioria, são órfãos, mas quando encontra uma a jeito, não importando se tem família ou não, adormece-as e elas acordam aqui.

É lhes dado um novo nome e uma história de mentira, tentar convencê-las de que a AMON é o bem, de que Raven quer ajudá-los, de que lhes está a dar uma nova casa e um propósito, amigos e uma nova família.

E depois... Algumas...

- Bom dia, Agente Moon - cumprimenta-me um rapaz um pouco mais velho que eu, de sorriso amável com quem me cruzo no corredor, arrancando-me dos meus pensamentos.

- Oh, sim, bom dia, Agente Forje - paro e acalmo-me - Espere. Sabe onde está o...

- O chefe espera-la no seu escritório - responde-me o rapaz, com uma expressão um tanto de pena - Boa sorte.

- Obrigada - volto-me e dirijo-me para lá rapidamente. Não aguento ver qualquer outra expressão daquelas. Não. Eu não sou uma coitada.

O Raven é tão egocêntrico que se acha importante ao ponto de ter o seu escritório, casa, refeitório e eteceteras privados, no setor 2, onde mais ninguém mora.

Por isso, bato à porta antes de a abrir, a de entrada para a sua "mansão", já que tem uma quarta parte de um andar só para ele. Esta abre-se de par em par, e vejo uma série de corredores, com uma legenda pregada à parede direita de cada um. Sigo pelo cuja tabuleta diz "Escritório".

O corredor tem iluminação nas paredes a cada dois metros, e no intervalo destas existem quadros. Alguns retratos sabe-se lá de quem, outros abstratos, enfim, obras de arte caríssimas que foram roubadas por agentes a mando dele, em missões importantes, aposto que diz a todos.

A verdade é que Raven raramente aparece a não ser que seja por motivos a negócio ou problemas sérios. A maioria de nós já o viu, mas alguns ainda não, o que é um bom sinal. Muito bom sinal.

Ele nunca põe os pés no 5º andar, só andando pelos das missões, principalmente o 2º, o 1º, e...

- Bem vinda, querida Garnet.

Estaco no lugar, o meu corpo petrificado, os cabelos da minha nuca a arrepiarem-se, as minhas pernas a pedirem para mover-se e fugir, o ar à minha volta subitamente mais pesado. Viro-me devagar.

- Acredito que estavas a caminho do meu escritório, correto? - tem a lata de me sorrir - Vamos, então.

A sua colónia entope-me as vias respiratórias como se de um gás venenoso se tratasse, o tecido de luxo do seu fato quase roçando em mim e controlo-me para não me retrair, começando a caminhar ao seu lado.

Raven é um homem, supostamente, atraente, já que é o que as mulheres adultas de cá dizem. Eu abomino-o. Deve estar na casa dos 40, 50?, mas calculo que esteja bem conservado. É alto, com certamente uns imponentes quase dois metros de altura, um maxilar definido com barba aparada e bem desenhada, sobrancelhas grossas e nariz arqueado, uns olhos pretos como carvão, que condizem com os cabelos negros e brilhantes como penas de corvo, que fazem uma pequena cortina e onda, um penteado que o filho usa somente por ser, inegavelmente, bonito.

Oh, o filho.

O meu melhor amigo.

Deadly Phoenix.

- Então cá estamos - entramos na colossal divisão mobilada com uma enorme secretária e estantes de livros em todas as paredes, tudo decorado em tom neutro e com um odor masculino insuportável - Senta-te, se faz favor.

Sento-me na cadeira oposta à sua, em frente à secretária. De repente, sinto-me minúscula quando olho para a imensidão do espaço.

Ele senta-se à minha frente e atrás da secretária, reclinando-se para trás, o seu sorriso apagado subitamente.

- Então - começa, a voz baixa e rouca - o que correu mal?

Aclaro a garganta e forço-me a manter-me calma.

- Foi apenas um erro informático. O sistema de alarmes soou, mas eu escapei e consegui a joia.

- E porque é que o erro aconteceu?

Aperto as mãos no meu colo, formulando a minha resposta.

- A culpa é mi...

- Garnet. - Ele ruge.

- É Moon. - Olho-o com fúria, o que lhe provoca um sorriso provocador e cruel nos lábios.

- Garnet. Sei que vais dizer que a culpa é tua porque é sempre isso que fazes. Mas foi por causa da pequena Annora que o alarme não foi desativado, certo?

Mantenho-me em silêncio, odiando-o a cada palavra.

- Esse fogo nos teus olhos - sorri-me maliciosamente - nunca o percas. É o ódio que te vai fazer continuar. Pouco me importa que me odeies, miúda, a tua opinião acerca de mim não me é relevante. Mas enquanto sentires tão intensamente como agora, ficarás presa aqui, comigo, acorrentada, se for preciso, mas vais acabar por obedecer.

- Quando eu fizer 16 - rujo - nunca mais me porás a vista em cima.

Ele solta uma gargalhada.

- Veremos, Garnet, se será a maioridade que te salvará de mim - inclina-se sobre a mesa, o divertimento desaparecendo-lhe do rosto - E que seja a última vez que me trates por "tu".

Olho para baixo, tentando controlar os tremores.

- Onde colocaste o diamante ontem?

- Entreguei-o ao centro de missões, quando voltei. Etiquetaram-no e arquivaram-no, como fazem sempre.

Ele acena uma vez com a cabeça.

- Desta vez conseguiste cumprir o objetivo, mas cidadãos viram-te. Que não volte a acontecer, Garnet. Nunca mais.

Não respondo, os meus nós dos dedos brancos pela força que estou a fazer a cerrar o punho.

- Porque senão - continua; pressinto o indício de divertimento na sua voz cruel - sabes o que te acontece.



Segredos de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora