Capítulo 6

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A biblioteca sempre foi um dos meus lugares favoritos.

O ambiente quieto e o leve aroma a livros é reconfortante, um contraste com as maldades que me obrigam a fazer.

Ouvi dizer que os livros daqui foram todos manipulados. Que antigamente não havia nada disto, que os livros de um século atrás foram extintos.

Isto é conhecimento geral. Depois da Nova Ordem Mundial de 2060, tudo o que fosse identidade, um património de qualquer país, foi extinto, assim como o próprio país.

Tudo o que era único foi eliminado, foram criadas novas formas de organização e fronteiras, foi criada uma nova língua, o Hiraeth.

Como puderam? Como puderam eliminar toda a magia do mundo?

Agora existem os mesmos Continentes, os únicos nomes que prevaleceram. Dentro deles, nada é como antes.

Cada um dividido em Nações triangulares, cada uma destas dividida em Domínios triangulares, cada um dividido em Cidades triangulares.

Todos numerados.

Tiraram toda a beleza. Cada um tem um número, não um nome. O Hiraeth é o único idioma falado e ensinado.
Deram-se ao trabalho de traduzir alguns livros, mas a esmagadora maioria foi perdida e substituída pelos livros que eles criaram e escreveram, os únicos que devem ser sabidos.

Porém, houveram algumas obras que foram salvas. Vendidas a pessoas de poder que poderiam escondê-las. Protegidas das mãos do governo e dos Ismetris, que patrulham as ruas e revistam casas.

Alguns objetos foram ainda enterrados, longe de olhares curiosos e dos Ismetris, e esperam até hoje que alguém um pouco melhor que o Sistema os encontre.

Não sei bem porquê, mas na AMON existem arquivos com algumas dessas relíquias.

Não que não me surpreenda muito, já que muitas obras também foram vendidas no Mercado Negro e, bem, a AMON não é propriamente contra tráfico e roubo, pelo que não é assim tão difícil arranjar coisas de antes de 2100 se soubermos onde procurar.

O estranho é estar num local de possível acesso, e não nas vitrines do nosso museu, a serem vendidas a um magnata rico ou mesmo na casa do Raven.

O arquivo C é o meu sítio preferido em toda a AMON, e localiza-se na Biblioteca. Eu, a Annora e o Phoenix passávamos horas a admirar tudo o que lá havia, vezes e vezes sem conta, ao ponto de aprendermos Inglês, uma língua extinta, e lermos os antigos livros.

Conhecemos tanta gente maravilhosa. Shakespeare, Holly Jackson, Rebecca Yarros, Luís de Camões,... Deuses, tantos cenários novos para aprender e sonhar, aprendidos e sonhados por tantas pessoas no passado.

Mas aqueles livros... Oh, aqueles livros foram o que me salvaram neste inferno.

E a música. Não consigo acreditar que hoje em dia são proibidas tais bênçãos. Bem, na verdade consigo. Eles querem acabar com tudo o que é belo, com tudo o que tem sentido.

Nos arquivos existem algumas caixas de música e mp3's antigos, que por algum milagre ainda funcionam. Descobri que antes usavam fios nos fones e auscultadores. Agora ouvir através frequência ou bluetooth parece errado para mim.

Mas, mesmo assim, arrisco-me quarenta vezes por dia em ser apanhada ao andar pela AMON com uns pequenos fones de fio pretos a serem escondidos pelo cabelo, um mp3 de quatro botões no bolso de dentro da roupa, com as iniciais R.M. gravadas em caneta permanente atrás, o provável dono original desta relíquia.

Não desisto de boa música nem por nada.

Não que a música de hoje seja assim tão má, afinal de contas, existe ainda o Apollo, que é a salvação desta geração. Mas não existe qualquer comparação possível. A música do Apollo é a mais similar com a do passado, por isso, é diferente e bela, e contrasta com as melodias dos outros artistas. Merece a atenção que recebe, só é pena é ser um idiota convencido.

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