Capítulo 10

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Estou viva.

Os lençóis hospitalares não são nada de novo para mim.

Movo-me um pouco e suprimo um grunhido quando o corpo pede socorro à mente e esta não o pode ajudar, porque também ela pede socorro aos céus.

Estou viva.

É a primeira coisa em que reparo e um suspiro escapa-me dos lábios.

Estou viva.

Ainda não morri.

Abro os olhos devagar, sentindo-os já a arder enquanto me habituo à luz ambiente. Este hospitalzinho da treta que cá têm e tanto utilizam no Um só difere...

Espera. Não estou no Um.

Este é o hospital do Cinco. Estou no quinto andar.

Arranco as vias intravenosas dos braços e mãos, e os fios que me colaram ao peito, rodo as pernas para fora da cama, afastando os lençóis e enterrando a dor no fundo do meu inconsciente. Sou obrigada a congelar no lugar assim que setecentos e trinta e dois quilos me são largados na cabeça e a minha visão fica preta.

Apoio uma mão na cama hospitalar e oiço um som estridente quando me desequilibro por momentos e tropeço para trás, embatendo nalguma coisa metálica. Aguento-me em pé enquanto a minha visão volta ao normal.

Assim que o enjoo passa, movo um pé atrás do outro para fora do quarto, cambaleante a princípio, mais rápida depois. Assim que passo pela receção, oiço as enfermeiras a berrarem-me que pare, mas transponho as portas e recomponho-me para correr (ou tentar) para minha casa. Para que é que serviria ir para qualquer outro lugar? Existem câmaras em todo o lado.

Mesmo assim, não quero ir para lá. Não quero voltar para a solidão do meu quarto. Para a minha casa deserta.

Dirijo-me para a biblioteca. Os integrantes por quem passo olham-me de lado, alguns com surpresa, outros com horror.

Com surpresa, os que não sabem o que se passa no Um e não fazem ideia de porque sequer estou vestida assim.

Com horror, os que passaram pelo que eu acabei de passar também, e entendem perfeitamente a necessidade de fugir.

Também recebo olhares de preocupação, que se transformam em gestos quando alguns que sabem se aproximam de mim e me colocam as mãos nos ombros.

- Moon? Moon, estás bem? Oh, Deuses...

Colapso nos braços do Kalih, um agente de vinte anos que sei que também foi objeto de teste para o Marshall. Quando fui trazida de volta para o Cinco e me viu pela primeira vez, soube imediatamente que ele tinha passado pelo mesmo que eu. Ele soube de mim também.

- Estou bem - forço-me a endireitar as costas e afastar-me um pouco dele - Estou bem, está tudo bem.

Não me atrevo a olhar-lhe nos olhos de novo. Não consigo suportar aquele olhar.

- Eu mato-os - ele fala baixinho, rispidamente, o ódio evidente em cada palavra rouca - Eu mato-o.

Empurro-o levemente de mim e contorno-o para ir para a biblioteca.

- Até te dava um prémio, acredita, mas ambos sabemos que isso não é possível.

- Garnet, vá lá, tens de voltar para o hospital, deixa-me aju...

- Eu estou bem, Agente Kalih - asseguro, fria - Agradeço a preocupação, mas nada de errado aconteceu. Tenha um bom dia.

Entro na biblioteca e dirijo-me aos arquivos.

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